Zona para Respiradores #13, por L. Lyra
Concerto Cósmico
(uma playlist inspirada na coluna / leia as colunas anteriores)
Quem tem medo do número 13 padece de triscaidecafobia. Uma taróloga me explica: o arcano 13 do tarot é a morte e significa transformação, um momento em que é preciso se desprender do que te trouxe até aquele instante. O famoso verso de Bob Dylan magnificamente melhorado por Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti: “Risque outro fósforo, outra luz, outra cor”. Quem tem medo do número 13 ou quem tem medo da morte então tem medo de se transformar, ou das transformações que podem acontecer.
O ar anda pesado, e até fedeu a ozônio mais ao sul, por isso é hora de celebrar a coluna #13 da Zona de Respiradores. Angel Olsen parece ter ouvido os nossos distantes apelos e voltou pra vibe eta-vida-marvada com direito a dancinha esquisita e clipe borrado (tem coração partido na história, então se prepara que lá vem discaço de fim de relacionamento). Não basta ouvir, tem de ver:
Ficamos devendo um clássico do cancioneiro brasileiro na coluna passada: sim, a óbvia “Luar do Sertão”, que deixa a gente comovido como o diabo:
Nosso herói recém-descoberto Eytan Mirsky continua com problemas tecnológicos. O último comentário dele é o seguinte: “o divertido é que este vídeo era pra ser privado, só fiz um teste. Graças a Deus eu estava vestido!”:
Tem um fio que liga as três canções acima. E também esta do Elliott Smith, que teria feito 51 anos ontem:
Mas isso só vai ficar claro depois de lermos a última newsletter do Nick Cave. Perguntaram-lhe: o que você faz quando as letras das músicas não vêm? Eis a resposta numa tradução bem livre:
“De acordo com a minha experiência, as letras quase sempre não vêm. Não se trata de “não vir”, mas de um período de “não chegar”. As letras estão sempre vindo. Estão sempre pendentes, sempre em nossa direção. Nossa missão é continuarmos pacientes e vigilantes e não desanimarmos – pois nós somos o destino. Somos os portais pelos quais a ideia explode, forçados pela vontade de chegar aonde devemos. Somos os reveladores, os instrumentos vivos através dos quais a ideia se anuncia – o florescerimento – mas somos também a espera e o maravilhamento e a preocupação. Somos tudo isso junto – nós somos os compositores.’
Nick Cave está falando da composição de letras. Mas não só: ele também está falando da nossa própria vida em sua carta #108. Pedi à taróloga para elucidar este número. Ela me disse que poderíamos pensar em duas cartas: a do eremita, que fala de recolhimento e reflexão internos, e a da lua, que mostra a necessidade de superar o medo para atravessar as ilusões e as inseguranças. Voltando ao Nick Cave:
“Muitas vezes as letras precisam percorrer uma grande distância e vastos períodos de tempo pra chegar até aqui. Elas avançam através dos terrenos acidentados da experiência, lutando para chegar até a ponta da nossa caneta. Com o tempo, elas emergem, saltando livres do desconhecido – da memória, ou, mais emocionante, da parte profética de nossas mentes que existe do outro lado do momento vivido. Foi uma longa e árdua jornada, e a nossa espera muito angustiada.”
Até onde sei, o Nick Cave nunca falou de tarot (ainda que tenha inspirado um projeto de cartas de tarot e seja, ele próprio, “O Enforcado” no tarot dos rock stars). Mas segundo a taróloga, ele descreveu com perfeição o processo que envolveria o mergulho no abismo e o salto de fé. Ela também me enviou um poema de Mary Oliver chamado “A Jornada”:
Um dia tu finalmente soubeste
o que tinhas de fazer, e começaste,
embora as vozes ao teu redor
continuassem vociferando
conselhos ruins –
embora a casa inteira
começasse a estremecer
e tu sentisses a velha fisgada
em teus calcanhares.
“Arrume minha existência!”
clamaram as vozes.
Mas tu não paraste.
Sabias o que tinhas de fazer,
embora o vento te perseguisse
com seus dedos enrijecidos
com todas as suas forças,
embora a melancolia deles
fosse terrível.
Já era bastante tarde,
e a noite, tempestuosa
e a estrada, repleta de galhos caídos
e pedras pelo caminho.
Porém pouco a pouco,
ao deixar aquelas vozes para trás
as estrelas começaram a brilhar
através dos lençóis de nuvens,
e lá estava oculta uma nova voz
que lentamente reconheceste como tua,
que se manteve em tua companhia
enquanto tu adentravas a passos largos
no mundo,
determinado a fazer
a única coisa que poderias fazer –
determinado a salvar
a única vida que poderia salvar.
“What we play is life”, disse Louis Armstrong. E aqui está uma canção que dá sentido à vida, uma canção que é o seu próprio título, uma canção que levou muitas vidas para nos alcançar e que mais do que nunca é preciso cantar:
(uma playlist inspirada na coluna / leia as colunas anteriores)
As cartas de tarot que abrem o post são obra do ilustrador Pernille G. Conheça o trabalho dele