Zona para Respiradores: Na Colheita da Lua

Zona para Respiradores #12, por L. Lyra
Na Colheita da Lua
(uma playlist inspirada na coluna / leia as colunas anteriores)

Quem colocar a cabeça pra fora de casa à noite (de máscara, espero!), vai notar que é quase lua cheia. Já em 1940, Manuel Bandeira, em seu projeto modernista, não via transcendência nenhuma ao olhar pro céu:

Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A Lua baça
Paira
Muito cosmograficamente
Satélite.

Desmetaforizada,
Desmitificada,
Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e dos enamorados.
Mas tão-somente
Satélite.

Ah Lua deste fim de tarde,
Demissionária de atribuições românticas,
Sem show para as disponibilidades sentimentais!

Fatigado de mais-valia,
Gosto de ti assim:
Coisa em si,
– Satélite.

Pobre Manuel Bandeira, que não tinha a lua pra servir de espelho, como bem sabe a Cat Power:

Mas certamente ele apreciaria “a lua no espelho que os ladrões não conseguem roubar” da Joni Mitchell:

Bandeira também não ia gostar lá muito da carta da Tetê Espíndola que o Herbert transformou em verso: “merecia a visita não de militares, mas de bailarinas, e de você e eu’ (por sinal, canção presente no discaço “Os Grãos e no “Acústico MTV”):

Mas talvez o Bandeira apreciasse a lua dos Echo and Bunnymen, preferência da casa. Porém, vamos com dois covers pra fazer a alegria do nosso editor. O primeiro é do Pavement:

E o segundo é de Grant Lee Phillips, num disco só de covers dos 90s e 80s:

Embora escape do tema desta coluna, nunca é tarde para ouvir um raro cover que supera o original. Sim, falamos de “Here”, do Pavement, que o Tindersticks tomou pra si de forma insuperável (se você deixou passar, tire um tempo pra ouvir o excelente “No Treasure But Hope”):

E ainda no terreno dos covers, ficamos mais uma vez com nossa musa Margaret Glaspy, aqui acompanhada do seu marido Julian Lage, um mago da guitarra:

Se a limpeza da casa aí estiver adiada, pode pegar na vassoura pra acompanhar:

Essa é uma raridade de Elvis Costello, que contou à Rolling Stone USA: “‘Poison Moon’ foi a última de um grupo de músicas que eu cantava muito silenciosamente no meu quarto, antes de adotar a linguagem musical que se tornou ‘My Aim Is True’. Eu estava tocando essas músicas tranquilas nos clubes, me perguntando por que as pessoas não estavam ouvindo minhas palavras! O que eu não havia descoberto ainda era que pessoas que eu admirava, como John Prine e Randy Newman, tinham um público que os conhecia, que ficava quieto ao ouvi-los. Mas é divertido perceber o salto musical que fiz desse estilo para o primeiro álbum. E agora eu toco muito essa música, porque as pessoas vêm me ouvir”. Ela apareceu como bônus em uma rara versão demo na primeira reedição dupla da Rhino do álbum “My Aim Is True” (ficou fora da segunda).

Aqui no Scream & Yell, o também colunista de quarentena André Takeda já contou a história de um adolescente nos anos 80 ao som de uma canção do The Waterboys. Depois se rendeu a versão da sueca Amanda Mattson ou Amanda Bergman ou, ainda, Idiot Wind, que você vê abaixo – Takeda ainda escreveu, no começo da quarentena, da versão de Kevin Devine.

Ainda nos anos 70, andamos em terrenos mais místicos com Nick Drake:

O piano no meio da canção é demais, não? Pois é, sim senhor. Esta semana reservou uma história engraçada com piano e outro Nick, o Cave. Quem acompanha a newsletter dele já viu: após contar uma anedota envolvendo a dificuldade do seu manager pra levar um piano Fazioli na faixa – ou melhor, a coisa toda envolvia o Nick Cave vender sua alma pros fabricantes italianos e se tornar garoto-propaganda dos Fazioli, o que não deu certo – os fãs começaram uma avalanche de e-mails pra fábrica enviar um piano Fazioli pro Nick Cave e depois abriram uma vaquinha pra juntar um troco (200 mil libras). Se algum leitor acompanhou o show no Alexandra Palace, favor se manifestar nos comentários.

O que nos leva à sugestiva “Jesus of The Moon”, um primor que só o Nick Cave seria capaz de compor (presente no álbum “Dig, Lazarus, Dig!”. “As pessoas falam de terem medo da mudança, mas eu tenho mais medo das coisas ficarem na mesma”:

Há um poema de Ricardo Reis que todos deveríamos saber de cor:

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

A lua é um reflexo do sol, e da luz da lua só temos seu brilho num lago, num espelho, no sonho de um lugar onde só vamos pra cima:

Para se despedir, uma declaração de amor de Zé do Norte à lua cantada por Belchior e Raul Seixas.

E de bônus, Audrey Hepburn e um violão.

(uma playlist inspirada na coluna / leia as colunas anteriores)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.