Introdução por Bruno Lisboa
Faixa a faixa por Rodrigo Lima e Ric Mastria
Prestes a completar 30 anos de estrada, o Dead Fish segue na ativa mais vivo do que nunca. Prova disso é “Ponto Cego”, álbum lançado no ano passado que entrou na lista dos melhores discos de 2019 do Scream & Yell, e que traz a banda mantendo em voga seu acelerado hardcore melódico associado a letras politizadas, tema esmiuçado pelo vocalista Rodrigo Lima em entrevista ao Scream & Yell.
Infelizmente, a pandemia fez com que a turnê de divulgação de “Ponto Cego” fosse interrompida, mas ainda assim a banda segue na ativa, seja através de apresentações ao vivo em estúdios exibidas pela internet, seja pelo o lançamento de “Lado Bets” (Deck), compilação de raridades recém lançada pelo grupo.
Reunindo material que não foi aproveitado em discos da banda desde 2004, a coletâna é composta por 10 faixas que reúnem sobras de estúdio, singles, covers (Bad Religion / Quicksand) e faixas bônus. O nome do álbum, aliás, faz referência ao popular jogo de taco dos anos 90. Em faixa a faixa exclusivo para o Scream & Yell, Rodrigo Lima (vocal) e Ric Mastria (guitarra) comentam o processo de composição de cada uma das faixas, o momento vivido pela banda na época e muito mais.
01) “Décimo Andar” (2005), por Rodrigo Lima
O ano era 2004, nosso primeiro ano com toda a banda em São Paulo e desta vez pra ficar. Vivíamos todos juntos no centro da cidade, na região da Rua Augusta. Primeiro e por muitos meses no Espaço Impróprio e depois, não por muito tempo, num apart hotel na Rua Marquês de Paranaguá. A região era uma super Babilônia e ainda nada cool e nada cara, enfim nada do que é hoje. Eu amava estar ali naquele momento, mas uma coisa que lutei muito desde que cheguei era um canto meu, do tamanho que fosse. Um grande amigo, que hoje é praticamente um irmão, conhecia um senhor que podia me ceder seu apartamento no décimo andar de um prédio na Rua Visconde de Ouro Preto, tudo sem burocracia e a um valor acessível para o bolso de um recém-chegado na cidade. Lá estávamos nós. Exatamente onde queríamos estar e com um profundo sentimento de pertencimento e liberdade. A música é sobre isso. Sobre ver o mundo pegando fogo e querer pular dentro dele.
02) “Roubando Comida” (2015/2018), por Ricardo Mastria
Essa foi uma das últimas músicas a serem compostas pro “Vitória”, sétimo disco do Dead Fish. Praticamente todas as músicas já estavam prontas e duas semanas antes de começar a gravação, num lapso de criatividade, surgiu a ideia de “Roubando Comida”. Usei nela a escala menor harmônica, pouco comum no hardcore melódico, trazendo um sentimento dramático mais profundo que somado ao ritmo acelerado resultou numa sonoridade tragicômica. O Rodrigo captou isso e a letra representa muito bem a ideia, um homem de classe média que se acha superior e justo caindo em contradição. Foi lançada como single em 2018.
03) “Deem Nome aos Bois” (2013), por Rodrigo Lima
Essa música foi gravada para um projeto de um programa da Trama Virtual. Gravamos no estúdio deles em Pinheiros (SP). Um baita estúdio com uma baita mesa de som maravilhosa. Lembro-me de ter terminado a letra da música ainda dentro da técnica. Não tenho certeza se foi gravada em 2013, talvez tenha sido antes. Porque a letra fala daquelas primeiras tretas sobre a comissão da verdade e sobre como ela deveria proceder. A mídia de massa, pra variar, cretinamente sentando o malho nos ajustes que ela iria trazer pra resolvermos, em definitivo, ou quase, a nossa super mal resolvida ditadura militar dos anos 1964 até 1985. Acho que nesse ano começou a se perceber quem queria resolver e quem queria perpetuar a nossa história super mal resolvida e explicada desde 1500. Peguei o título da sensacional música dos Titãs “Nome aos Bois” (do álbum “Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas”, de 1987) e botei um verbo na frente. Pronto, tínhamos uma música nossa direta e com referência a outra música que falava também sobre totalitarismo.
04) “O Outro do Outro” (2019), por Ricardo Mastria
Surgiu como um riff do Alyand (Barbosa, baixista) que era pra ser mais rockão com uma levada reta e pesada, porém eu e o Marcão (Melloni, bateria) achamos que seria mais interessante se a música ficasse mais “viagem”, como se estivéssemos sob o efeito de entorpecentes. O resultado ficou bom e demos o working title dela de “Maconha”. A letra é uma compilação do disco “Ponto Cego” feita pelo Rodrigo e o Álvaro Dutra durante o penúltimo dia de gravação e foi a última coisa a ser gravada.
05) “Modern Man” (2006/2020), por Rodrigo Lima
Essa versão/cover eu simplesmente tinha apagado da memória, não lembrava nem quando nem onde foi gravada. Coloquei a voz somente em maio de 2020 no El Rocha com o Fernando Sanches pilotando tudo. Gravar essa música me levou lá para os meus anos de Vitória com meus amigos e como a gente se divertia descobrindo um monte de coisas sobre o mundo e o punk. Durante a gravação falamos sobre como esse álbum (“Against the Grain”, do Bad Religion, de 1990) tem uma gravação suja e melódica ao mesmo tempo. Tentei modular minha voz pra que ficasse diferente de como eu gravaria no passado e saiu essa versão, que adoramos.
06) “Michel Oghata” (2010), por Rodrigo Lima
Essa é uma sobra do álbum “Contra Todos” (2009), se não me engano. Esse foi um disco dolorido, porque tudo aquilo que aconteceu em aproximadamente cinco anos parecia estar desmoronando rapidamente, acho que é um sentimento muito comum em gente de toda a América do Sul. Na figura de um gato, no caso o meu gato Michel Foucault, descrevi as dores de ser migrante, de ser “não civilizado” por ter outra cultura, de ser diferente de um padrão definidor preconceituoso e mesmo assim acreditar que ser livre é o pilar mais importante em qualquer lugar e tempo.
07) “A Recompensa” (2006), por Rodrigo Lima
Essa foi a música bônus do “Um Homem Só”, álbum de 2006. Não sei o motivo dela não ter entrado direto no disco e tragicamente não me lembro do motivo de eu ter escrito essa letra, o que me deixa triste. Redescobrir essa música foi muito bom, adoro 99% de tudo desse som. Tem peso, uma pegada forte, quase pop tipo um emo pesado, se é que existe esse termo. Adoro o refrão, a letra e de como é cantada a estrofe.
08) “Múmia” (2010), por Rodrigo Lima
O refrão dessa música é mais um daqueles ganchudos muito bons. Olhando essa música tenho a nítida impressão de que o Dead Fish nunca curtiu refrãos simples e bonitos como esse. Sinceramente, hoje não sei o por que. Como escrevi em cima da base, o texto meio cantado, meio rapeado, foi uma ótima solução. A letra é direta, e pode ser interpretada de muitas formas.
09) “Sem Remédio” (2019), por Ricardo Mastria
(Outra que) Surgiu no processo de composição do disco “Ponto Cego” e foi uma das primeiras ideias, porém demorou bastante para a música ficar pronta. Várias partes foram mudadas e acrescentadas até chegar na versão final. Queríamos lançar um single um pouco antes de gravar o disco e ela era uma música de que gostávamos bastante, mas não se encaixaria muito bem no disco, daí a escolha dela para single.
10) “Maniac Nonlinear” (2004) por Rodrigo Lima
Esse som foi uma ideia do Phil Fargnolli (guitarra do Dead Fish de 2003 até 2013). Quando estávamos pensando em alguns covers pra fazer durante os ensaios ele veio com aquelas ideias dele sobre fazer um apanhado do “Manic Compression” (1995), do Quicksand. Achei muito interessante no começo, mas quando ele apareceu com uma compilação de um disco inteiro, confesso que fiquei meio bodeado. Pra mim foi um parto entender do que se tratava aquilo. Pegar pedaços de letras e compilar. Não parecia racional. Gravei e achei que fosse ficar uma porcaria, mas não é que o Phil inventou uma coisa legal? A música ficou muito boa e adoro tudo nela, inclusive a letra não fazer tanto sentido.