por Marcelo Costa
“Crise em Seis Cenas”, Woody Allen (Amazon Prime)
Woody Allen e a televisão é um relacionamento que nunca dará certo. Nunca. O começo foi catastrófico: seu primeiro roteiro para o piloto de uma série, o raríssimo “The Laughmakers” (1962), foi filmado, mas não aprovado. Até ai, tudo bem. Porém, em 1971, Woody fez o curta (de 25 minutos) “Men of Crisis: Harvey Wallinger History” a pedido da PBS, e entregou o filme sem cobrar nada, mas a direção da emissora, após assistir ao deliciosamente ácido mockumentário que sacaneava Nixon, decidiu engavetar o projeto, e ele prometeu nunca mais fazer nada para a TV (o curta vazou quase 40 anos depois, e continua inédito oficialmente). Quebrou a promessa em 1994 para refilmar o fraquinho “Quase um Sequestro” para a ABC, e aceitou o convite da Amazon Studios (embalada pelo reconhecimento que a produtora teve com “Transparent”) para se aventurar em uma série, a galinha dos ovos de ouro do entretenimento atual. O resultado foi “Crise em Seis Cenas”, de 2016, que se não é um fracasso completo, está longe de ser boa e mais longe ainda das grandes séries que pululam nas TVs aqui e ali. Primeiro porque o formato é todo equivocado: Woody não fez uma série, mas sim um filme que ele picotou em seis partes (e que ficou sem conclusão, ou então seu final é um dos mais sem graça de toda carreira do cineasta). Segundo porque o elenco não ajuda, e olha que Miley Cirus se esforça, mas o personagem não funciona. Mesmo Woody, de volta às telas pela primeira vez em quatro anos (sua última aparição em um filme seu foi em “Para Roma com Amor”, de 2012), soa muito menos engraçado do que outrora (mas ele consegue ainda cravar umas boas piadas aqui e ali). Terceiro porque a história, que se passa nos anos 60, também não ajuda (apesar de ter potencial): um escritor neurótico (Woody) que vive uma vida monótona com a esposa (Elaine May) recebe, a revelia, a sobrinha em casa (Miley Cirus), e ela é uma ativista que fugiu da prisão após atirar em um policial e pretende fugir para Cuba (nos anos 60!). Os seis episódios exibem o embate simplório do escritor com a ativista enquanto ela está em sua casa – as reuniões da esposa no clube do livro são muito, mas muito mais divertidas – e o balanço final é um filme simpático picotado em seis episódios que só foi pra frente porque era de Woody Allen: qualquer novato que entregasse essas duas horas e meia de projeção iria levar o projeto debaixo do braço pra casa. Até o fraquinho “Um Dia de Chuva em Nova York” (2019), com a própria Miley, é melhorzinho. Não ofende, mas também não conquista.
Nota: 3
“Modern Love #1”, de John Carney (Amazon Prime)
Em outubro de 2004, o jornal New York Times inaugurou um espaço semanal para que leitores contassem causos pessoais, que podiam ir de romances, a histórias de família e amizade, entre outros, mais ou menos na linha do programa que Paul Auster comandou na NPR, em 1999/2000, e que rendeu a maravilhosa coletânea de histórias “Achei Que Meu Pai Fosse Deus” (2005). Com mais de 80 mil histórias recebidas, a coluna virou um sucesso, e ganhou essa série em 2019, que em sua primeira temporada adapta oito histórias para as telas. Ainda que os roteiristas tenham mexido bastante em alguns relatos (confira algumas mudanças), “Modern Love” é uma “comfort serie” agradabilíssima. A rigor, o elo que une as oito histórias é a cidade de Nova York, numa montanha russa que coloca no alto a história de um porteiro que se preocupa intensamente com a vida amorosa de uma jovem moradora do prédio – muito pela química de Cristin Milioti (como a jovem Maggie) e de Laurentiu Possa (que interpreta o porteiro Guzmin) – ao lado da trama inteligente e comovente que mostra um casal homossexual que adota um bebê ainda na barriga de uma moradora de rua e, ainda, um impressionante episodio sobre bipolaridade, num pequeno show de Anne Hathaway. Aliás, sim, o elenco também é estrelado: Tina Fey e John Slattery (o Roger de “Mad Men”) tentam salvar um casamento jogando… tênis. E Catherine Keener (a matriarca da família macabra em “Corra!”) interpreta uma jornalista cupido num episódio que ainda conta com Dev Pavel (“Quem Quer Ser um Milionário?”) e um irreconhecível Andy Garcia. Na parte debaixo da montanha russa estão a história de uma jovem que se envolve com um homem mais velho numa relação bastante confusa, e o episódio que encerra a temporada, relatando o amor na terceira idade (e que se preocupa mais em amarrar todos os outros). Não há nada revolucionário aqui, mas, em seus melhores momentos, “Modern Love” consegue colocar um sorriso no rosto do espectador, um mérito e tanto nesses dias cinzas de pandemia, “no future” e obscurantismo.
Nota: 7
“Dark #1, 2, 3”, de Baran bo Odar e Jantje Friese (Netflix)
Logo nos primeiros segundos do primeiro episódio da primeira temporada da série alemã “Dark”, lançada em 2017, um homem se enforca. Nos minutos seguintes, o espectador descobrirá que há um garoto (Erick) desaparecido na pequena cidade alemã de Winden, que abriga uma usina nuclear, e “presenciará” o sumiço de outro (Mikkel). Porém, mais do que uma bacanuda série de suspense (cuja saga completa finalizada em 2020 soma 26 episódios divididos em três temporadas), “Dark” finca os dois pés, os braços, mente e coração na ficção cientifica, esbarrando aqui e ali na filosofia, na Bíblia, no purgatório de Dante e em Shakespeare (e, porque não, em passagens melosas de novela mexicana). Tudo isso é facilmente deglutível (sério), mas requer do espectador certa confiança, paciência e curiosidade. A rigor, essa espécie de “Stranger Things” para adultos (com sexo, traição, assassinatos e músicas dos anos 80) conta a história de algumas famílias em um determinado tempo / espaço em território alemão. Lá pelas tantas, quando você começar a se confundir no quem é quem e quando é quando e ser corrigido por sua parceira (o) na cama, você descobrirá que o tempo (extremamente elástico) é relativo, e, não bastasse, o espaço também. A rigor, ficção cientifica depende muito de o espectador comprar a ideia da possibilidade de tudo aquilo ser… de alguma forma, possível (mesmo na ficção). E “Dark” consegue convencer com uma história que fala tanto de egoísmo quanto de amor. Com trilha sonora caprichada (“My Body Is a Cage”, do Arcade Fire, em versão magistral de Peter Gabriel, parece ter sido escrita pra série – antes mesmo da série existir, algo tão… “Dark”), figurino absolutamente exemplar e um roteiro quase redondinho (que só peca gravemente mesmo na vídeo-aula sobre o Gato de Schrödinger, já no finalzinho da terceira temporada, quase um mea culpa por possíveis exageros) para um conjunto que tende ao poético, “Dark”, no final das contas, nem é tão dark assim: é mais amor nos tempos de… desastres nucleares.
Nota: 9
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne
Tive o mesmo sorriso no rosto no fim de Modern Love.
De Dark, pinço seu comentário de novela mexicana porque no final é isso mesmo: “jovem engravida namorada e foge (por tempos e dimensões) para não assumir o filho”.
A última aparição em filme de Woody Allen não é em “Scoop”, talvez seja em “Para Roma com Amor” (2012).
Boa correção, Caiê. Ele está realmente em uma das quatro histórias de “Para Roma com Amor”!
coincidência, assisti essa série do woody esses dias, mas só vi o primeiro pois achei muito sem graça. Raramente o Woody tem em tela conjuge de sua idade, e nesse escalou (ou escalaram?) uma atriz com uma voz bastante irritante, a meu ver.
ainda preciso assistir dark e modern love.