Faixa a faixa e introdução por Zeca Baleiro
Nos anos 80, ganhei de presente da amiga Laurinda – por feliz coincidência o nome de uma linda canção lusitana – um k7 com canções de Fausto, Vitorino, Sérgio Godinho e José Afonso. Tempos depois, no início dos 90, Hiro, amigo designer gráfico que viria a criar a capa do meu primeiro disco, trouxe de Portugal o cd “Viagens”, de Pedro Abrunhosa e os Bandemónio. Foi assim que a música mais contemporânea produzida na terra de Amália Rodrigues chegou aos meus ouvidos. Em 1998, um ano depois de lançar meu CD de estreia, “Por Onde Andará Stephen Fry?”, fui convidado a participar do projeto “Navegar é Preciso”, em São Paulo. A proposta era promover encontros entre artistas brasileiros e portugueses, e fui escalado para dividir a noite com, vejam só… Pedro Abrunhosa.
A partir de 1999, quando lancei meu segundo disco, “Vô Imbolá”, me apresentei diversas vezes em Portugal e, a cada viagem, voltava carregado de CDs portugueses (e africanos também, mas aí já é assunto pra outra história), buscando enriquecer meu repertório e tomando contato com artistas de vários matizes musicais – canção tradicional, rap, rock, fado, música experimental, música pimba etc. Alguns desses álbuns e algumas dessas canções trazidos d’além-mar passaram a fazer parte da minha discoteca afetiva, de tal modo que passei a contagiar amigos e familiares com esse repertório.
Em 2000, o compositor Sérgio Godinho, em viagem pelo Brasil, assistiu a um show meu em Salvador. Não nos conhecíamos até então. Depois do show, conversamos longamente e Sérgio me fez um convite irresistível: participar do show que ele faria na Festa do Avante do ano seguinte. Foi a minha primeira apresentação para um público massivo em terras portuguesas, que abriu portas para as turnês seguintes, dos discos “Líricas” (2000) e “Pet Shop Mundo Cão” (2002). A parceria se estendeu ao disco “Irmão do Meio” (2003), no qual dividimos os vocais de “Coro das Velhas”, com a colaboração de músicos da minha banda.
Pouco tempo depois participei do álbum “Jacarandá”, do guitarrista e compositor Pedro Jóia, interpretando a canção “Calçada Portuguesa” (de Pedro Jóia e Thiago Torres da Silva) e, na sequência, fiz um dueto virtual com Teresa Salgueiro no disco “Brizzi do Brasil”, do maestro italiano Aldo Brizzi, que reunia músicos dos dois países. Colaborei ainda no cd “O Assobio da Cobra”, disco-solo de Manuel Paulo, tecladista do grupo Ala dos Namorados. Em 2005, quando preparava meu quinto álbum de originais, “Baladas do Asfalto e Outros Blues”, surgiu a ideia de lançarmos o disco inicialmente em Portugal, aproveitando a minha relativa popularidade no país naquela altura. A edição portuguesa teria uma faixa-bônus de um cantautor local. Depois de um difícil processo de escolha, optei por “Frágil”, de Jorge Palma.
Nos anos seguintes, fiz colaborações com vários artistas portugueses, como a banda Clã, com shows em São Paulo e Lisboa; Ala dos Namorados, para um especial da RTP; Susana Travassos, em shows e disco, lá e cá. E em 2010, dividi o palco com Jorge Palma no Rock in Rio Lisboa, em uma noite para mim memorável. Este disco “Canções d’Além-mar” é uma declaração de amor à música feita em Portugal, com ênfase na produção das últimas décadas. É parcial como todo tributo. Não é uma antologia, mas um recorte afetivo do cancioneiro português feito por um músico brasileiro, uma homenagem sincera e apaixonada.
Entrevista: Zeca Baleiro conversa com Pedro Salgado sobre Canções d’Além-Mar”
FAIXA A FAIXA CANÇÕES D’ALÉM-MAR, por Zeca Baleiro
01 às vezes o amor [sérgio godinho]
Namorei várias canções do Godinho antes de optar por esta, algumas até mais emblemáticas de sua carreira, como “Noite Passada”, “Com um Brilhozinho nos Olhos” ou “Lisboa que Amanhece”. Mas acabei me rendendo ao sabor radiofriendly de “Às Vezes o Amor”.
02. tu não sabes [pedro abrunhosa]
Adoro o álbum “Momento”, do Abrunhosa. Gosto de outros também, mas tenho por este um carinho especial. Sabia que a sua canção a ser gravada neste álbum sairia daquele trabalho. Elegi “Tu não Sabes” pela possibilidade rica de um novo arranjo, mais chegado ao hip hop.
03. ali está a cidade [fausto]
Desde que ouvi esta música, ainda nos anos 80, notei algo de bluesy em sua estrutura, um blues não revelado pela gravação do Fausto, belíssima por sinal. Pra mim, ela é como “a canção que o Chico Buarque nunca fez”.
04. capitão romance [ornatos violeta]
Considero “O Monstro Precisa de Amigos”, do Ornatos Violeta, um álbum português antológico. Poderia ter gravado qualquer canção deste disco, mas optei por “Capitão Romance” porque vislumbrei um arranjo divertido, com elementos de ska e de trilha de filmes sci-fi.
05. balada de outono [josé afonso]
Uma das mais belas canções portuguesas em minha opinião. Daquela categoria de canções que parecem anteriores à criação do mundo. Aqui temos o auxílio luxuoso do piano do parceiro português Manuel Paulo, junto aos violões de Swami Jr. e Tuco Marcondes, realçando o seu caráter de trova.
06. canção de engate [antónio variações]
Conheci Variações por volta de 2000, assim que foram lançados em CD os seus discos “Anjo da Guarda” e “Dar e Receber”. Comprei-os às cegas, sem ter maiores referências de sua obra à altura. De lá pra cá, acompanhei com entusiasmo a redescoberta de seu trabalho, através de tributos como “Humanos”, filmes, regravações etc. Há tempos esta canção está em meu repertório, inclusive de concertos, lá e cá.
07. razão de ser (e valer a pena)[joão gil e joão monge]
Canção do repertório do grupo Ala dos Namorados com a qual sempre flertei. Nesta gravação, o ar levemente medieval da canção ganha contornos flamencos com o violão sublime de Pedro Jóia, outro músico português convidado.
08. todo o tempo do mundo [rui veloso e carlos tê]
Esta canção é um hino pop, que me tocou desde a primeira vez em que a ouvi. O arranjo sugere algo como “o dia em que Djavan tocou Rui Veloso”.
09. menina, estás à janela [vitorino]
Esta canção eu conheci num k-7 que me foi presenteado por duas amigas de família portuguesa nos anos 80. Tanto quanto gosto da faceta pop-rock da música de Portugal, gosto de seu lado mais lírico e rural. Talvez porque me remeta às cantigas de roda da infância, todas de matriz ibérica. Aqui participa o músico português hoje radicado no Brasil Nathanael Sousa, no acordeon.
10. bairro do amor [jorge palma]
Jorge Palma foi o primeiro compositor português que gravei em disco. “Frágil” foi faixa-bônus do cd “Baladas do Asfalto e outros blues”, de 2006, álbum lançado primeiramente em Portugal por estratégia da gravadora. A gravação me aproximou de Palma, a ponto de dividirmos o palco no Rock’n’Rio Lisboa 2010. Ouvi muitas de suas canções até me decidir pela atmosfera noturna e tristonha de “Bairro do Amor”.
11. é no silêncio das coisas [josé cid]
No processo de escolha do repertório, pensei que seria interessante ter um representante legítimo da linhagem mais popular da canção portuguesa. Ouvi vários artistas e canções até me deparar com esta pérola de José Cid, um artista pra lá de interessante e genuíno.
Entrevista: Zeca Baleiro conversa com Pedro Salgado sobre Canções d’Além-Mar”