entrevista por Luiz Mazetto
Um dos nomes importantes do cenário underground dos EUA, Gary Floyd consegue como ninguém fazer a sua voz potente e marcante passear com facilidade pelos mais diferentes estilos musicais. A lista inclui desde o punk/hardcore seminal do Dicks (1980/1986 – 2004/2005), responsável por introduzir o hardcore no Texas, até projetos recentes mais calcados no blues, como The Buddha Brothers, incluindo também uma das bandas mais cultuadas do rock alternativo dos anos 1990, o Sister Double Happiness (ouça a playlist da entrevista).
Ao longo de toda sua carreira, que inclui também diversos discos solo e bandas talvez menos conhecidas, mas não menos interessantes, como o Black Kali Ma, Floyd sempre manteve como característica marcante a mistura das mais diferentes influências, nunca se prendendo a um rótulo ou estilo específico. “A música sempre foi uma expressão do que eu estava sentindo”, afirma o músico.
Na entrevista abaixo, feita em abril deste ano, já em meio à pandemia do Coronavírus, o sempre divertido Gary fala sobre os 40 anos de história do Dicks, os principais pontos da carreira do Sister Double Happiness, relembra como foi dividir turnês e o palco com nomes como Nirvana, Mudhoney (que regravou “Hate The Police”) e Soundgarden, comenta sobre como foi gravar com James Williamson, do Stooges, e aponta os discos que mudaram a sua vida. Confira abaixo!
2020 marca uma data importante: 40 anos desde que os Dicks foram criados em Austin.
Sim! O aniversário é (foi) em 16 de maio. Nós íamos tocar. Eu tinha passagens compradas para ir pra Austin. Mas tudo foi cancelado. Seria meio que uma surpresa, eu iria aparecer, mas agora não vou mais. Vamos fazer isso no aniversário de 80 anos da banda (risos).
E como você vê o legado da banda depois de 40 anos? Tem um disco, música ou show favorito, por exemplo?
Eu tenho, mas é algo que pode mudar com o meu humor. Tenho sorte por sempre ter gostado das bandas em que estive, então ainda consigo escutar a maioria das coisas. Não escuto nenhuma delas com frequência, mas se ouço algo que uma das bandas fez, geralmente gosto. Porque sempre fui meio que rigoroso comigo mesmo. Então se eu não gostava de uma música ou achava que era boba ou não fazia sentido, não seguia com aquilo, mesmo lá atrás. Fico surpreso que 40 anos depois alguém ainda esteja interessado o bastante para fazer qualquer pergunta sobre isso. Mas consigo enxergar que o que fizemos tinha um lugar. Porque nós éramos muito diretos sobre a situação política. Acho que eu, como um gay comunista, que se vestia como drag, meio que parecia fora do comum (risos). Mas acho que as coisas precisavam ser ditas e aquela era uma época do punk em que as pessoas ficavam facilmente chocadas. E aproveitei isso, adorava isso. Agora ninguém choca mais ninguém. Ok, o Trump é presidente, isso é chocante (risos). Acho que esse é o maior choque para qualquer um (risos). Mas nós fizemos algumas coisas bem legais. As músicas eram meio “na sua cara”. E a parte política era bem à esquerda, obviamente. Então, sempre fui muito feliz de termos feito isso tudo. Penso que fizemos e paramos no momento certo. Ainda falo sobre política. E ainda toco algumas dessas músicas, quando nós fazemos shows. Mas não sinto que o mundo parou porque a banda acabou. Ainda tocamos depois disso. Algo como um show a cada um ou dois anos. Tudo acontece no momento certo, eu acho. Menos o Trump (risos).
Quando o Dicks existiu originalmente, nos anos 1980, o Ronald Reagan era o presidente dos EUA. Naquela época, você conseguia pensar na possibilidade de ter alguém ainda pior no cargo, como o Trump atualmente?
Não. Não, nós não pensávamos. Tenho um amigo com quem costumo falar sobre essas coisas e nós sempre pensamos… Bem, eu pensei isso pela primeira vez quando o Nixon era presidente, porque isso era algo tão louco. Então depois veio o Reagan. E aí tivemos o Bush pai e o Bush filho. E você sempre pensa: “Isso é muito louco, é o mais estranho que já vi, nunca poderá ficar mais estranho do que isso” (risos). E nós sempre voltamos a isso: “Isso é o mais estranho que já aconteceu”. Quer dizer, as coisas estão mais estranhas do que nunca. Nunca pensei que alguém como o Trump pudesse ser presidente.
Aliás, quando você mudou do Texas para San Francisco, na Califórnia, e reformou o Dicks, o som da banda ficou um pouco mais aberto, mais rock´n roll, talvez menos “preso” ao punk e hardcore, vamos dizer. Essa foi uma decisão consciente ou mais uma consequência das mudanças na formação da banda e da nova cidade em que você estava?
Bom, eu estive em bandas desde quando era jovem. Então sempre gostei de música e rock. Tipo todo mundo, desde Stooges a Joni Mitchell – e Janis Joplis, é claro, adorava ela. Então nunca fui estagnado em relação à música que gostava de ouvir. Por isso, quando o punk começou a realmente influenciar o meu gosto, entrei de cabeça nele. Mas ainda assim sempre gostei de muitos outros estilos de música. E quando me mudei para San Francisco, já tínhamos feito alguns discos e singles. A música sempre foi uma expressão do que eu estava sentindo. E o lance do punk era uma expressão do tipo “Estou realmente bravo com as coisas racistas e sexistas que acontecem”. Mas se você fica bravo, você enlouquece. É claro que ainda estou puto com essas coisas como naquela época… porque o Trump é o presidente (risos). Tudo isso está aí. Mas você precisa conseguir projetar qualquer tipo de emoção de uma maneira mais sã. Não estou dizendo que aquilo era insano. Estou apenas dizendo que encontrei maneiras diferentes de expressar sentimentos diferentes através da música. Então com aquela segunda formação do Dicks – Lynn, Sebastian e Tim Carroll – comecei a expandir as maneiras de me expressar. E isso nem sempre significava gritar e berrar “Eu odeio isso” e “Eu odeio aquilo” e todas essas coisas. Porque, de verdade, eu não quero odiar tudo. Eu não quero odiar nada. Quer dizer, eu quero, mas preferiria lidar com o meu ódio de uma maneira que não me deixasse nervoso. Então é isso que começou a acontecer. A cena como um todo estava ficando… um pouco estagnada – era o que eu sentia. Sempre que você gostava de qualquer outro tipo de música, a cena hardcore te enchia. E eu nunca quis ser compartimentado de forma que não pudesse me expressar com qualquer tipo de música que eu quisesse. Então a Lynn, baterista da banda… Eu e ela estávamos meio que cansados disso e estávamos vendo muitas coisas sexistas na cena, muitos skinheads. Então pensamos “Quer saber? Vamos dar um tempo e começar outra banda”. E nós literalmente fizemos isso. Conhecemos o Ben Cohen, que era o guitarrista do Sister (Double Happiness), e ensaiamos por cerca de um ano antes de fazer o primeiro show da banda. E escrevemos quase todas as músicas daquele primeiro disco antes da entrada do Mikey, que tinha tocado em uma banda punk chamada Offenders. Ele era um ótimo baixista. Ele se mudou de Austin para San Francisco e o convidei para a banda e então ele passou a tocar conosco. Quando começamos a tocar, todos estávamos um pouco… não queríamos que ninguém viesse nos dizer “Vocês não podem tocar isso porque não é punk o bastante”. Havia uma música dos Dicks chamada “George Jackson”, do disco “These People” (1985). E as pessoas costumavam gritar “mais rápido” quando nós tocávamos essa música. E era como: “Não, não vou tocar mais rápido. Vou deixar essa porra mais devagar se for preciso” (risos). Mas um bom número de pessoas estava expandindo os seus gostos musicais na mesma época que o Sister começou. Então meio que muito rapidamente nós tínhamos bastante gente indo nos ver. E acabamos ganhando uma base de fãs de maneira bem rápida. O primeiro disco foi gravado, produzido e mixado em 48 horas (risos). Ele certamente tinha uma pegada punk, do tipo “Vamos fazer isso, vamos manter isso verdadeiro”. Com quase nenhum overdub e tudo mais, foi feito bem rapidamente. Penso que essas músicas eram muito boas, mas também não eram produzidas demais. Então isso meio que criou uma cena interessante para nós. E muitas outras bandas também estavam começando a expandir um pouco. Mantendo o lema punk, mas sem ficar presos em nenhum tipo de som, algo como “Você toca o que quiser tocar”.
E você acredita que o Sister Double Happiness recebeu o reconhecimento merecido com o passar do tempo?
O que eu gostaria é que nós tivéssemos tido a chance de fazer outro disco, como na Warner. Nós tivemos uma pequena separação de caminhos aí. Nós queríamos que fosse algo mais representativo dos shows. E a gravadora queria que fosse algo mais representativo de uma banda de estúdio. E o nosso lance todo era tocar ao vivo. Por isso, decidimos que não queríamos gravar um segundo disco com eles e eles não tiveram problema com isso. Quer dizer, eles não tiveram nenhum problema mesmo com isso. Então os discos gravados depois disso, como “Uncut” (1993) e “Horsey Water” (1994), queria que eles tivessem sido melhor distribuídos. Porque penso que eles são os nossos melhores álbuns. Depois de um tempo, nós fomos para a Europa e as coisas estavam indo muito bem lá. Mas a Europa ficava muito longe de casa, nós não podíamos viver lá. Quer dizer, eu poderia, eu poderia ter morado lá em um segundo (risos). Mas não sei, muitas pessoas parecem conhecer o Dicks, mas nem tantas assim parecem saber sobre o Sister. Isso é verdade ou não?
Quer dizer, eu só conheci o Sister muitos anos depois de ter ouvido o Dicks pela primeira vez. Então sim, aconteceu um intervalo grande para mim entre as duas bandas.
E você tem esses discos (do Sister)?
Na verdade, não. Apenas os escuto online, em serviços de streaming e no YouTube, por exemplo. É difícil encontrar esses discos para comprar por aqui.
É, é difícil encontrá-los em qualquer lugar (nota do editor: mesmo em streaming). O “Horsey Water” (editado pela Sub Pop) é um disco de que eu realmente gosto. É o último disco que fizemos juntos. Mas foi quando tivemos a maior liberdade no estúdio então. O cara que produziu o disco passou a maior parte do tempo dormindo em outra sala. Na verdade, ele aparecia um dia ou outro, parava por uns 15 ou 20 minutos para escutar e então voltava a dormir (risos). Mas naquela época já tínhamos passado tempo suficiente em estúdios, de maneira que nós é que realmente estávamos produzindo o álbum. Esse é o meu disco favorito que fizemos juntos. Se tiver a chance, escute esse disco. De verdade, foi meio que o lançamento definitivo do Sister. Sempre tive muito orgulho dele. Mas sempre fiquei meio que triste de as pessoas nunca terem escutado. E elas estão meio que nos julgando com base no primeiro disco, pela SST, e no disco da Warner (“Heart and Mind”, 1991), quando há outros dois discos depois disso. E houve mais um disco até (“A Stone’s Throw from Love”, gravado em 1992, lançado em 1999). Era um disco ao vivo, acústico. É um disco muito bom. Eu fiquei meio encolhido quando estava acontecendo porque era um grande show com ingressos esgotados, nós estávamos no pico da nossa popularidade aqui na cidade. Foi em uma casa de shows grande e bonita. A Lynn tocou piano e foi tudo acústico. E eu estava nervoso, estava muito nervoso porque tocar de forma acústica é algo muito diferente. Se você fizer alguma merda com as palavras em um show elétrico, ninguém vai ouvir (risos). Mas se isso acontecer em um show acústico, todo mundo vai pensar que você é um idiota (risos). Então nós temos todos esses outros discos e é triste para mim, queria que as pessoas me conhecessem pelo Dicks, mas realmente gostaria que eles conhecessem mais sobre o Sister Double Happiness.
Aliás, o Sister tocava um som mais ligado ao rock alternativo, vocês estavam em uma cidade próxima a Seattle e tiveram até um disco lançado pela Sub Pop. Por isso, queria saber como você via toda a cena de Seattle. Vocês tiveram alguma ligação com aquelas primeiras bandas de Seattle, como Melvins, Soundgarden, Mudhoney, Screaming Trees e Green River?
Nós costumávamos tocar lá. E um dos caras do Screaming Trees, não consigo lembrar o nome dele… Sempre fui um pouco distante de muitas coisas. Então, alguns dos outros integrantes (do Sister) conheciam as pessoas melhor do que eu porque depois que nós tocávamos, eu geralmente saía – ou ia beber. Não bebo há muito tempo, mas perdi muito da minha carreira bebendo (risos). Qual é o nome dele, um cara meio alto do Screaming Trees (nota do editor: que deve ser o Mark Lanegan)? Não consigo lembrar agora, mas ele me escreveu um e-mail uma vez, dizendo que era um grande fã e eu fiquei muito emocionado, era uma carta muito bonita. E o cara do Nirvana, o Kurt, era um fã. É por isso que nós tocamos com eles na turnê do “Nevermind” (1991). Isso muito legal. Nós ficamos em turnê com eles por umas duas semanas, eu acho. Quando nós estávamos em turnê, o “Nevermind” passou a tocar sem parar na MTV e vendeu um milhão de cópias. Então foi legal para a gente, mas quando eles agendaram a turnê, o álbum tinha acabado de sair. E as casas de shows que tinham sido agendadas não eram grandes o bastante para eles. Então todo show era um caos, o que era ótimo. Eles eram muito legais, ótimos caras para se estar em turnê. Então sim, nós tínhamos… Quando nós tocávamos lá (em Seattle), eram grandes shows. Não lembro exatamente com quem nós tocamos. Mas, de novo, como eu disse, eu nunca realmente prestei atenção em tudo isso. Eu estava apenas flutuando por aí fazendo o meu lance. Mas eles sempre foram muito legais conosco. Quando nós tocávamos lá, todas essas bandas iam nos ver. Mas eu nunca… se eles chegassem para dar um “Oi”, eu sempre era muito amigável, mas não me lembro de muita coisa.
E você curtia o som deles? Tipo o Mudhoney, que gravou um cover do Dicks, e o Nirvana, essas bandas que tinham uma ligação maior com o proto-punk e o punk?
Aliás, sabe o que mais? Nós também fizemos uma turnê com o Soundgarden. Fizemos uma turnê com eles quando eles lançaram o “Badmotorfinger” (1991). Nós éramos a dama de honra, eles eram a noiva. Mas foi ótimo, tivemos muita exposição durante essa época. E os caras do Mudhoney sempre iam nos ver. Eu cantei “The Dicks Hate the Police” com eles no palco uma vez aqui na cidade. Eles tinham me pedido uma vez em Bruxelas, na Bélgica, quando tocamos no mesmo lugar. Eu tinha acabado de chegar à Europa e estava com um jet lag terrível. Estava no backstage, ainda não tínhamos tocado, e eles disseram “Ei, você cantaria “The Dicks Hate the Police” com a gente mais tarde?”. E eu falei “Não, estou muito cansado” e eles responderam “Ah, sério?”. Depois li que eles foram entrevistados por uma revista e foram perguntados se tinham tocado comigo e disseram: “Não, ele foi um idiota, não cantou com a gente”, e eu fiquei chocado (risos). Um tempo depois eles tocaram aqui (San Francisco), acho que o show era Mudhoney e Black Kali Ma (banda que Gary formou no fim dos anos 1990 e lançou um disco pela Alternative Tentacles). E o cara (do Mudhoney) veio falar comigo no backstage: “Ei, você quer cantar com a gente?”. Então respondi: “Não, estou cansado”. Então ele olhou para mim e todos começaram a rir e eu disse: “É claro que vou cantar com vocês”. E então pudemos falar sobre o assunto, eu disse “Ei, vocês me chamaram de idiota” e ele respondeu “Bem, você foi” (risos). De qualquer forma, todos rimos e eu cantei com eles.
Há alguns anos, você gravou uma música meio obscura do Stooges (“Cock in My Pocket”) com o James Williamson, que tocou guitarra na banda nos anos 1970 e 2000. Como foi essa experiência, de poder conhecer e gravar com o James? Sei que o Iggy Pop e o Stooges sempre foram algo importante na sua vida.
Bom, foi ótimo. É engraçado, eu estava falando com outra pessoa e então fui convidado para isso e respondi “Claro, mas não conheço a música realmente”. Então eles me enviaram a música e eu concordei em fazer. Eles me disseram que a gravação seria feita em Berkeley e eu disse que não tinha realmente como ir para lá. Então o James me ligou e disse “Eu vou te buscar”.
Uau.
Sim, eu sei (risos). Então estou esperando lá fora e uns 20 minutos antes de ele chegar, eu pensei: “O James Williamson do Stooges está vindo me buscar”. Quer dizer, eu não fiquei muito nervoso por conhecê-lo, mas estava um pouco nervoso. Era algo como “Meu Deus, esse cara é da porra do Stooges”. É tipo a alta realeza logo ali. Ele chegou muito tranquilo, disse “Prazer em te conhecer” e acabou que ele era do Texas. E nós apenas falamos e falamos, nos demos muito bem. Eu fiquei no estúdio por umas três ou quatro horas, fizemos a música e mixamos um pouco. E então eles basicamente disseram “Ok, você pode ir agora, temos um carro lá fora para te levar embora” (risos). Apertamos as mãos, dissemos adeus e nunca mais falei realmente com ele depois disso. Ele me enviou o disco e uma camiseta. Foi uma ótima experiência, ele acabou sendo um cara muito legal. Se ele tivesse sido um pouco diferente, teria sido algo que teria mexido muito com meus nervos. Mas ele era fácil de conversar, um cara legal e muito tranquilo no estúdio. Então não tenho nada além de coisas boas para dizer sobre ele.
Sempre gosto de perguntar essa. Me diga por favor três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
Bom… (risos). Penso que provavelmente o “White Album” (1968), dos Beatles. E o “Hard Again” (1977), do Johnny Winter e do Muddy Waters (o disco foi produzido pelo Johnny Winter). E então provavelmente, preciso dizer o primeiro disco do Ramones (1976). Quando o disco do Ramones saiu, o “White Album” era o disco perfeito. Era apenas tão… Quer dizer, não sei o que dizer, apenas que a música era tão incrivelmente produzida, era realmente incrível. Esse álbum do Johnny Winter e Muddy Waters, com “Mannish Boy”, era o melhor blues. E o primeiro disco do Ramones porque é a porra do primeiro disco do Ramones (risos). Era algo como “Isso é tão certo”. Estava meio que entre esse e o “Never Mind the Bollocks” (1977), do Sex Pistols. E sei que todo mundo parece odiá-los (Pistols). Está meio que na moda dizer que você não gosta disso e de tudo aquilo, mas o “Bollocks” é um disco do caralho. Mas o Ramones, aquele “1, 2, 3, 4” no começo das músicas. E eu os vi quando eles tocaram em Austin pela primeira vez. E não me lembro de estar muito lotado, estava meio que cheio. Então pudemos ficar bem perto do palco. E aquele disco… ele apenas te dava permissão, cara. Tipo “Essas pessoas fazem isso muito bem, mas você também pode fazer”. Era apenas um disco perfeito. Isso é o bastante? Posso listar uns cinquenta ou cem mil discos. No Facebook, todo mundo sempre pede para você colocar os seus discos favoritos e já fiz isso umas cinco ou seis vezes, mas com discos totalmente diferentes. Provavelmente tenho uns 100 álbuns favoritos (risos).
Essas são as duas últimas perguntas. Do que tem mais orgulho na sua carreira?
Do que eu tenho mais orgulho? De que sempre fiz as coisas da maneira que queria. Sempre fiz meio que o que queria e nunca prejudiquei ninguém fazendo isso. E quando tudo terminar, poderei dizer: “Quer saber? Para o melhor ou pior, eu fiz do meu jeito” (nota: neste momento, Gary canta de brincadeira “I Did it My Way”, de Frank Sinatra) – (risos). Soa um pouco besta dizer isso, mas eu sobrevivi e estou aqui e estou feliz. E a outra coisa é que sempre soube quando era a momento de seguir em frente, de não me prender às coisas. Isso pode significar apenas a morte de… não apenas da criatividade, mas do seu espírito – ou algo assim. Já ouvi algumas pessoas me dizendo coisas como “Oh, aquela época do punk. Sinto tanta falta daqueles tempos. Foram os melhores dias da minha vida”. E então respondo: “Sério? Você está brincando comigo. Eu era um miserável, totalmente quebrado. Não tinha nada, estava puto” (risos). E eles falam “Sim, isso é ótimo”. Agora eu sou apenas velho. Mas sou tão feliz quanto um gato velho (risos). Então, jogar pelas minhas regras e não me apegar quando era hora de deixar para trás. Penso que sou muito feliz por isso.
E como você quer ser lembrado?
Como alguém muito, muito magro (risos). “Ah é, o Gary Floyd, ele era muito magro” (risos). Mas não sei, de verdade. Como alguém que era sério, mas podia rir. Apenas saber que você podia rir, mas também podia ser sério. Não quero ser lembrado como alguém que estava na sua cara te dizendo como viver e todas essas coisas. Essa é uma razão pela qual sou muito feliz de ter descoberto meu eu espiritual e meu espírito generoso. A minha parte hindu, que me mantém focado, nunca me impediu de rir. Então são várias coisas, mas acho que é melhor colocarmos apenas “magro” (risos). “Ele não era gordo?”, “Não, nem um pouco, muito magro” (risos). Então, de qualquer forma, é isso aí, camarada.
Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!