resenhas por Renan Guerra
“Ligue Djá: o lendário Walter Mercado”, Cristina Costantini e Kareem Tabsch (2020)
Originalmente intitulado “Mucho Mucho Amor”, este documentário original Netflix ganhou o título brasileiro “Ligue Djá”, bordão que fez a marca de Walter Mercado no país. O astrólogo porto-riquenho foi uma estrela de renome mundial, sendo uma voz importante para a comunidade hispânica nos Estados Unidos, mesmo que aqui no Brasil ainda seja lembrado pelas campanhas de sua consulta astrológica via telefone. Seu estilo extravagante, seu carisma e seu sumiço da televisão são destrinchados em um documentário delicado – que segue o esquemão estético usual dos documentários da Netflix –, que consegue ser respeitoso, mesmo quando coloca em pauta questões como charlatanismo, homofobia e exploração financeira. Mercado foge de temas como sexualidade e romance, mas sua figura extravagante, sempre num intermeio entre gêneros, é uma representação forte num universo construído pela figura do “macho latino”. O astrólogo sempre foi uma voz de positividade em meio ao caos e é sobre essa figura amorosa que o filme se concentra, isto é, no carinho e no respeito de seu público, no cuidado de Walter com seus colaboradores e familiares e na sua entrega ao trabalho. “Ligue Djá” acaba sendo um terno olhar sobre o envelhecimento, as mudanças e as construções sociais que nos conectam de forma ampla em toda a América Latina.
Nota: 7
“Revelação”, Sam Feder (2020)
Em 1995, o documentário “The Celluloid Closet” (Rob Epstein e Jeffrey Friedman) recontava de forma histórica a representação dos homossexuais dentro do cinema norte-americano. Na época, o filme foi fundamental para abrir diferentes discussões sobre a representatividade nas telas. Agora em 2020, “Revelação”, documentário original Netflix, faz um recorte bastante específico e reconstrói de forma simbólica as representações de pessoas transexuais e transgêneros na mídia norte-americana, passando pelo cinema e pela televisão. Centrado em figuras trans fundamentais na atualidade, como Laverne Cox, Lilly Wachowski e Jayme Clayton, “Revelação” é como uma aula que provoca o espectador: é como voltar no tempo e repensar momentos que ignoramos e representações com os quais compactuamos. O filme possui um recorte bastante mainstream, então artistas underground como Candy Darling e Divine são citados apenas “en passant”, porém filmes como “Meninos Não Choram” (2000), “Traídos pelo Desejo” (1992) e “Paris is Burning” (1990) são analisados e comentados, assim como séries como “Nip/Tuck” (2003/2010) e “Grey’s Anatomy” (2005/2020). “Disclosure” (título original) não é sessão da tarde, é filme de retrospecto e de confronto e, por isso mesmo, precisa ser visto com atenção: são pessoas contando como as representações impactam em suas vidas reais e isso não pode mais ser ignorado.
Nota: 8,5
“Indianara”, Aude Chevalier-Beaumel e Marcelo Barbosa (2019)
Indianara Siqueira é uma personagem cheia de meandros: ativista trans e puta, ela já passou pela prisão na Europa, já foi filiada ao PSOL e depois expulsa do partido e também criou a Casa Nem, no Rio de Janeiro, um espaço de acolhimento para pessoas trans em situação de vulnerabilidade. “Indianara”, documentário dirigido pelo brasileiro Marcelo Barbosa e pela francesa Aude Chevalier-Beaumel, foi lançado no Festival de Cannes, no ano passado, e agora ganhou lançamento virtual pelo Mubi, estreando simultaneamente em 195 países. No longa os diretores constroem uma narrativa de observação: não há narração, não há entrevistas para a câmera, somos apenas mergulhados no universo de Indianara, onde se misturam vida pública e pessoal, onde amor e política tem o mesmo peso, onde protestos na frente da Alerj tem a mesma carga emocional que um Natal na piscina com as amigas. Para além do cotidiano, “Indianara” consegue captar momentos potenciais da política nacional atual: o assassinato de Marielle Franco e a eleição de Bolsonaro são importantes dentro da narrativa, pois ambos impactam na existência de Indianara. Além disso, é importante notar como o filme tensiona as questões políticas e não tem medo de colocar as coisas as claras, como, por exemplo, as repetidas vezes em que a esquerda ignora e repudia os corpos à margem e os coloca em espaços menores, de subvalorização ou mesmo num cenário de tokenismo. Complexa e imperfeita, Indianara é uma figura instigante de ser acompanhada, pois não trás respostas, mas sim cria novas e pulsantes questões.
Nota: 9
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz. A foto que abre o texto é de Ana Alexandrino / Divulgação.