por Renan Guerra
O grupo mineiro Alles Club faz um som que passeia entre o post-rock, o shoegaze e outras vertentes da música experimental. Seu disco de estreia, “Décollage”, foi lançado em 2018, e agora, em 2020, esse trabalho ganhou uma encorpada versão ao vivo – o disco foi captado ao longo dos anos de 2018 e 2019 na cidade natal dos integrantes, Juiz de Fora (MG).
“Décollage (Ao Vivo)” (2020) consegue captar com força o encontro da banda e como a troca entre os músicos modifica os processos musicais. Isso é interessante de se pensar quando o álbum original foi essencialmente composto por Mr. Lopes, o cabeça do grupo, de forma solitária. Quando o músico morou na Suíça entre os anos de 2013 e 2015, ele teve tempo para desenvolver suas ideias de forma completa, porém o disco ganhou forma final com a ajuda dos companheiros de banda no Brasil.
Em tempos de confinamento e saudade dos shows, a experiência de troca musical de um álbum ao vivo é sempre uma sensação especial, especialmente com canções que propiciam outras viagens ao ouvinte. Para entender um pouco mais sobre o processo de construção de “Décollage”, Mr. Lopes respondeu as nossas três perguntas. Confira abaixo:
O trabalho que resultou no disco “Décollage” (2018) foi produzido de forma solitária entre 2013 e 2015, por isso queria entender como foi esse processo só e a posterior transformação disso dentro de um contexto de banda.
O disco “Décollage” foi sendo composto por mim quando mudei de cidade por causa do meu filho mais velho. Minha mulher é de Berna, na Suíça, e o Nuno nasceu aqui. Quando eu cheguei, apesar do Nuno pequeno e demandando muita atenção, eu não conhecia quase ninguém aqui e tive bastante tempo para finalmente escrever boa parte do que se tornou o disco “Décollage”. Nessa época viajei bastante e o tema das viagens estava me fascinando. O “Décollage” narra uma viagem, desde a ida, cheia de expectativas, até o retorno para casa. Também consegui gravar algumas coisas do disco por aqui, na Suíça. Quando Nina e eu nos mudamos para o Brasil, alguns amigos se interessaram em fazer parte e levar essas músicas para os palcos. O disco “Décollage” de estúdio teve contribuição desses novos parceiros como: Fred Mendes (todas as baterias), Isabel Oliveira (vocais em “Voando” e “Canção da Volta”), Nina Hübscher (vocais em “Quanto Tempo”), Pedro Baapz (baixo em “Libélula”, “Madrugada” e “Canção da Volta”) e Ruan Lustosa (guitarras em “Décollage”, “Libélula”, “Voando” e “Madrugada” e baixo em “Quanto Tempo” e “Voando”), mas ainda seguiu um pouco o que eu havia idealizado anteriormente. Acho que ao vivo foi quando realmente amadurecemos as músicas enquanto banda, ficou com mais a cara de todo mundo. A estrada fez com que as músicas ficassem mais coesas.
O som da Alles Club passeia entre o post-rock e o shoegaze, mas é notável nas músicas uma complexidade maior de referências. Como se deu a sua relação com a música instrumental e também com a música experimental? Além disso, quais são as suas grandes influências?
Desde adolescente gosto de música instrumental e fico fascinado com o lugar emocional que a música consegue nos levar, principalmente sem letras, pois deixa mais aberto para o ouvinte o que fazer daquele som. Antes eu escutava muito jazz e rock progressivo e isso me parecia muito distante musicalmente. Depois, jovem adulto, comecei a ouvir o tal “indie rock/lo-fi” (Pavement, Weezer, Yo La Tengo). Mas descobri o que eu queria fazer quando conheci Mogwai em 1997. Foi aleatoriamente em um festival e eu não fazia ideia de quem eles eram, mas mudou a minha percepção de música. Vi que não é preciso virtuosismo para se fazer música instrumental. O desafio é conseguir criar ambiências e diferentes emoções. Logo a seguir veio o Sigur Rós que ou canta em uma língua falada por pouquíssimas pessoas (islandês) ou em uma outra que eles inventaram (hopelandic). Isso me reforçou a ideia de que palavras podem ser um detalhe nas músicas. E, claro: sinto que não tenho muito a dizer em palavras, por isso o faço em música. Depois ainda me envolvi com alguns outros projetos musicais que eram focados em canções e isso fez com que demorasse para que eu realmente me dedicasse a criar música mais focada nesse conceito de ambiência. O “Décollage” ainda tem essa vertente de canções, com algumas músicas com vocais, que também gostamos, mas nenhuma letra escrita por nenhum de nós da banda. A gente ainda tem outras influências em comum, a mais fora da curva talvez seja os nossos conterrâneos do Clube da Esquina. Fizemos uma playlist com essas referências todas, ela pode ser ouvida aqui.
Qual é a sensação de lançar um disco ao vivo num momento em que estamos afastados e que shows parecem cada dia uma lembrança mais distante? Há uma energia diferente?
O lançamento do disco já estava planejado, mas em algum momento nos demos conta da importância de lançar nesse momento de pandemia: ele é o retrato de algo que nos dá muita saudade, que é tocarmos juntos e viajarmos juntos para mostrar o nosso trabalho. É uma nostalgia, que eu acho que o disco expressa em alguns momentos, mas que agora fica ainda mais forte. A gente estava planejando algumas turnês neste ano, que obviamente não irão acontecer.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.