entrevista por Bruno Lisboa
Com quase 40 anos de carreira, o Biquíni Cavadão segue escrevendo sua trajetória dentro pop rock brasileiro. A banda, que viveu o ápice de popularidade nos anos 80 / 90, viu o cenário musical mudar de forma drástica e gradual para bandas da sua época. Apesar do caráter oscilante do mercado, o Biquíni Cavadão soube se reinventar, mantendo-se vivo e relevante.
Ao todo o grupo já lançou 18 álbuns, sendo quatro deles ao vivo. E é justamente no palco onde o grupo se sente mais à vontade. Seu mais recente lançamento é “Ilustre Guerreiro – Ao Vivo” (2020), registro de uma apresentação ao vivo em São Paulo. No álbum, além de clássicos de várias fases (“Janaína”, “Zé Ninguém”, “Múmias”, “Vento Ventania”), o Biquíni registra no palco a homenagem à Herbert Vianna iniciada com o álbum “Ilustre Guerreiro” em 2018, revisitando de forma pessoal várias canções do líder dos Paralamas.
Além dos registros do show, o Biquíni Cavadão acrescentou ao álbum mais três versões em estúdio para canções de Herbert Vianna: “Fui Eu”, “Caleidoscópio” e “Quase um Segundo” – uma versão deluxe do álbum ainda trará mais duas regravações: “Foi o Mordomo” e “Selvagem?” (que se somam às oito do álbum lançado em 2018). O projeto é uma extensão da experiência produzida pelo Canal Bis em 2018.
Em sua quarta entrevista ao Scream & Yell (as anteriores foram em 2001, 2009 e 2013), Bruno Gouveia fala sobre a amizade com Herbert Vianna, a seleção do repertório da apresentação, a atemporalidade de canções como “Zé Ninguém” (de 1989), o caráter social de suas letras, a busca por um novo público, longevidade, a música na era do streaming, parcerias, a experiência como escritor, o futuro da música em tempos de Covid e muito mais.
Primeiramente gostaria de saber como você está enfrentando o confinamento?
Minha mulher está grávida de oito meses. Minha filha de cinco anos está naturalmente agitada, mas não estamos saindo. De certo modo, estou buscando viver este momento com bastante intensidade. Sempre passei boa parte dos anos viajando. Ficar mais tempo em casa acabou sendo bom para mim, por incrível que pareça. A pandemia me fez acompanhar esta gravidez como em nenhuma outra.
No disco “Ilustre Guerreiro” (2020) você celebra a amizade e a obra de Herbert Vianna (Paralamas). Como se deu a aproximação de vocês?
Eu conheço o Herbert desde 83 quando ele namorou a irmã do nosso ex-baixista, o Sheik. Vi o surgimento e ascensão dos Paralamas. E tive a honra de seu apoio quando o Biquíni Cavadão surgiu (nota do editor: Herbert Vianna toca guitarra em duas músicas do primeiro álbum do Biquíni, “Cidades em Torrente”, de 1986: “Inseguro da Vida” e o hit “Tédio”). Aliás, foi ele quem sugeriu o nome pra gente, né?
Neste novo trabalho o repertório é mesclado entre clássicos do Biquíni e canções de várias fases do Herbert Vianna. Como se deu a seleção do repertório?
É o registro ao vivo da turnê. Natural que num show do Biquíni Cavadão as nossas também estivessem presentes. Todas as oito do disco “Ilustre Guerreiro” também entraram. E gravamos algumas novas em estúdio. “Caleidoscópio”, “Fui Eu”, “Quase Um Segundo” e, mais pra frente, teremos “Foi O Mordomo” e “Selvagem?” na versão Deluxe.
Antes da entrevista eu estava ouvindo o álbum “Descivilização” (1991) e é incrível que um trabalho de quase 30 anos de lançamento ainda soe atual. “Zé Ninguém” e “Cai Água, Cai Barraco”, por exemplo, parecem terem sido escritas ontem. Você imaginou que a vitalidade destas canções duraria tampo tempo assim?
Infelizmente não progredimos como sociedade e talvez esteja aí a razão delas serem tão atuais. Espero que os anos passem e um dia as vejamos como relatos de um passado remoto, de uma outra época.
Aliás, refletir sobre o Brasil político / socialmente é uma marca que sempre esteve presente na discografia da banda. Qual a importância de manter em voga uma arte politizada em tempos como os nossos?
Vemos estas críticas mais como sociais que exatamente políticas. “Zé Ninguém”, por exemplo. Já foi cantada tanto nas passeatas contra Collor quanto nas manifestações contra a Dilma. Porque o que está em questão não é a ideologia ou partido, é simplesmente o lado mais fraco da corda.
“Ilustre Guerreiro” (2020) é quarto registro ao vivo do grupo, que figura ao lado de uma vasta discografia de produções de estúdio. Onde a banda se sente mais à vontade: no palco ou gravando?
No palco. Mesmo os discos de estúdio só existem porque queremos levá-los aos palcos. Somos uma banda de estrada, adoramos viajar pelo país e conhecer todos os cantos, nos orgulha saber que de cada nove cidades brasileiras, já tocamos em uma.
De certa forma, os discos do Biquíni acabam por especular produções contemporâneas, cada uma a sua época, mostrando que a banda esteve atenta ao o que era produzido no período. Há algum terreno em que a banda ainda não tenha explorado e queria fazê-lo?
Um acústico, com certeza. Está nos planos. Em algum momento…
Quando se olha a discografia como um todo é comum encontrar um ou mais hits radiofônicos em cada trabalho. Mas com o enfraquecimento das rádios segmentadas ao gênero pop rock, como vocês fazem para a música de vocês continue sendo ouvida? Vocês percebem uma renovação do público?
Novamente no palco. É onde a gente renova nossa força e apresentamos nossa ideia a novos fãs. Muita gente se tornou fã da banda após nos assistir ao vivo.
A banda fará em breve 40 anos de carreira, longevidade rara na nossa indústria fonográfica. Olhando para trás você acredita que o Biquíni seguiria vivo por tanto tempo? Há alguma fórmula para vocês se manterem juntos por todo esse tempo?
Nunca imaginamos tamanha longevidade, até porque, quando surgimos, a banda mais longeva tinha uns 25 anos (os Stones). E enquanto houver prazer, seguiremos. Em uma única palavra, acho que o respeito sempre nos norteou para chegarmos a 35 anos juntos. Respeito ao público, respeito aos que nos contratavam, respeito aos profissionais de mídia… até mesmo o respeito interno. Sem o respeito, nossa trajetória poderia ter sido abreviada, como a de muitas bandas. E claro, a longevidade também se deu com muita música capaz de conquistar as pessoas. Só sendo respeitoso, mas sem renovação musical, não teríamos conseguido.
No Spotify, vocês tem milhares de ouvintes mensais (por volta de 600 mil), que mostram que a geração anos 80 segue sendo ouvida. Para quem já vivenciou outros momentos da indústria fonográfica como você vê a era do streaming?
É diferente e desafiador. Por um lado, nunca estivemos com tanto controle de nossa carreira. Por outro, a competitividade é muito maior. Gosto de estudar o assunto. Fomos pioneiros na Internet e estamos aprendendo todos os dias, alguma novidade.
O repertório e a trajetória do Biquíni acabaram por servir de referência a diversas gerações e rendeu homenagens de vários formatos. Seja em parcerias como as com a Érika Martins ou na versão de “Tédio” do finado Mr. Catra. Como vocês lidam com esse legado?
Orgulho e respeito. Sempre abrimos as portas para novas gerações e artistas.
Parcerias como pessoas como Lucas Silveira, Rogério Flausino e Renato Russo foram algumas que a banda fez ao longo da carreira. Como se dá a escolha de alguém “de fora” do universo da banda? Em parcerias como esss qual o resultado esperado?
Acho que não somos nós que escolhemos estas parcerias. A música é quem escolhe. A versão de “Agora é Moda” tinha uma onda muito legal que casava com a voz do Rogerinho, por exemplo. Já no caso do Lucas, havia um interesse na mistura de duas gerações distintas do rock nacional. O fato é que a música é fundamental nestas parcerias. É o que nos une.
Recentemente você se aventurou pelo universo da escrita e lançou a autobiografia “É Impossível Esquecer o Que Vivi” (trecho da letra “Impossível”, do álbum “Descivilização”, de 1991). Para muitos revisitar o passado pode ser um exercício assombroso, para outros uma dádiva. Como foi esse processo?
Fiquei feliz em poder biografar minha vida e a do grupo. Poderia ter deixado esta tarefa para alguém, mas acabaria sendo um pé no saco para quem fosse escrever. Decidi por isso fazer eu mesmo. Nem imaginava que o livro ficaria tão parrudo. São 420 páginas! Mesmo passando por momentos duros e dramáticos, acho que consegui revelar muito do Biquíni Cavadão para as pessoas, bem como da minha forma de pensar dentro da banda.
Por fim, uma pergunta que faço tradicionalmente diz respeito ao nosso momento. Muitas pessoas estão dizendo que esses tempos de Covid-19 tem sido de grande reflexão em várias esferas da sociedade. Como você tem visto este momento? E ainda: a classe artística, nesse sentido, tem sofrido arduamente devido a impossibilidade de realizar apresentações que, geralmente, é a principal fonte de renda para a maioria. As lives tem surgido com uma alternativa para os artistas manterem contato com o público, mas acredito que esta não seja a solução definitiva. Qual seria a alternativa para esse período?
A gripe espanhola poderia ter ensinado ao mundo a ser mais solidário e humano, mas o que se viu em seguida foi a crise de 29 e depois a segunda guerra mundial. Dito isso, temo que as reflexões da sociedade não passem de seus próprios umbigos. Teremos que viver sob esta nova ameaça de uma doença ainda desconhecida. A nosso favor, o mundo tem se unido para criar um mutirão pela vacina. Até lá, viveremos meses de pura incerteza. Nos recusamos a fazer Lives, já que aglomeraríamos. Zelamos por nossas famílias e decidimos não nos arriscar por causa delas. A alternativa? Calma. É sofrido, mas melhor que qualquer maluquice. Show em bolhas? Teatros com assentos mais espaçados? Drive-in? Vamos acompanhar e até, quem sabe, cogitar isso, mas teremos que esperar e ver se realmente dá certo. Até lá, pode ser que já existam soluções: testes rápidos para evitar que alguém contaminado entre num local fechado, tratamentos que possam ser feitos dentro de casa, dispensando internações, um remédio eficaz ou a bendita vacina. O certo é que, quando os shows voltarem à sua normalidade, com aglomeração e tudo mais, meu amigo, pode ter certeza que eles serão catarse pura! Imperdíveis. Uma celebração e tanto à vida.
– Bruno Lisboa é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014.