por Marcelo Costa
Abrindo mais uma série de cervejas e países pela Inglaterra com duas cervejas da Marston’s, que comprou (por 55 milhões de libras, mais de 320 milhões de reais) a Charles Wells Brewery, de Bedford, responsável por receitas inglesas icônicas como a Courage, a Bombardier e a McEwan’s, e a reabriu com o nome de Eagle Brewery. Essa Eagle Bombardier nada mais é do que a releitura da nova cervejaria com base na receita clássica da Wells que une maltes Pale Ale e Crushed Crystal com lúpulos Challenger e Goldings. De coloração âmbar acobreada e bela espuma bege, de alta formação e permanência, a Eagle Bombardier apresenta um aroma com bastante tosta de malte, frutas escuras sutis e banana passa, Na boca, malte tostado no primeiro toque com leve remissão a caramelo seguido de sugestão toffee, castanhas e leve amargor, que equilibra o conjunto. A textura é suave, cremosa, e dai pra frente temos uma cerveja britânica tradicionalmente elegante, com malte tostado assertivo e leve amargor no final. No retrogosto, frutas escuras, caramelo tostado e banana passa.
A segunda da Marston’s é produzida na casa original da cervejaria, em Burton-upon-Trent, próxima de Wolverhampton, no centro do Reino Unido, com água de nascente, malte Maris Otter e lúpulos Fuggles e Goldings. Trata-se da Pedigree Amber Ale, uma cerveja de coloração âmbar acobreada levemente turva com creme bege bem clarinho, quase branco, de excelente formação e retenção, que apresenta um aroma incrível de caramelo levemente adocicado, mel, biscoito, casca de pão e leve herbal. Na boca, uma replicação deliciosa do aroma com caramelado suave no primeiro toque, aumentando de intensidade delicadamente na sequencia, e trazendo consigo mel, para esbarrar, então, numa cortina sutil de amargor, elegante e eficiente. A textura é suave, cremosa, e dai pra frente temos uma Extra Special Bitter redondíssima e deliciosa, entregando tudo que o estilo propõe de maneira cativante. No final, amargor bem sutil. No retrogosto, herbal, caramelo tostado, mel e biscoito. Delicia.
Da Inglaterra para a Dinamarca com uma Imperial Porter natalina da To Øl, a Black Bauble, cuja receita soma nove maltes (Pale, Carafa Special, Smoked, Cara Pils, Munich, Special B, English Brown, Cara Munich e Dark Brown Sugar) e um lúpulo (Tettnanger) com a adição de casca de laranja e cardamomo. De coloração marrom escura com creme bege escuro bastante espesso, de ótima formação e longa retenção, a To Øl Black Bauble apresenta um aroma com bastante presença de cardamomo, que dança ao lado de notas que remetem tanto a café quanto a laranja, de maneira sutil. Há, ainda, presença defumada discreta e também cacau. Na boca, o paladar replica bastante o que o aroma adianta com cardamomo destacado desde o primeiro toque, presença suave de café, laranja, cacau e defumado, quase nenhuma percepção dos 8% de álcool, e amargor leve, na casa dos 25 IBUs. A textura é quase suave, com o álcool finalmente dando as caras. Dai pra frente, uma Porter bastante alterada pela alterada pelas adições, mas ainda bem agradável. No final, cardamomo, cacau e café. No retrogosto, cacau e laranja. Gostei.
A segunda dos dinamarqueses da To Øl é outra Imperial Porter, mas desta vez com (apenas) oito tipos de malte (Pale, Smoked, Flaked, Melanoidin, Cara Crystal, Cara Aroma, Carafa I e Carafa II) cujo conjunto resulta é uma cerveja de coloração marrom escura praticamente preta com creme bege extremamente espesso e de duração aparentemente eterna. No aroma, notas adocicadas suaves (remetendo a chocolate) se antecipam, mas assim que o nariz se acostuma é possível perceber derivação de torra, defumado sutil além de sugestão de café e de alcaçuz. Na boca, doçura rápida atropelada rapidamente por notas que remetem a torra, chocolate amargo, alcaçuz e café. O amargor é potente (na casa dos 60 IBUs), a textura é suave com discreta picância. Dai pra frente, uma Porter potente, de amargor acentuado e leve percepção dos 8% de álcool, indo em direção contrária da To Øl anterior, mas mantendo o excelente padrão de qualidade. No final, amargor e torra. No retrogosto, café, chocolate amargo e leve defumado.
Da Dinamarca para a Sérvia com uma colaborativa entre a Kabinet, micro cervejaria da Sérvia, com a lendária holandesa De Molen, que desenvolveram a receita da Perfectly Imperfect, uma Dark Ale com adição de gergelim torrado e chocolate belga Callebaut Black 70% e utilização dos lúpulos Polaris e Mittelfrueh. Na taça, o resultado é uma cerveja de coloração marrom bastante escura, quase preta, com creme bege espesso de boa formação e retenção. No nariz, bastante percepção de torra, que se destaca, e uma sutil e deliciosa presença de chocolate. Na boca, a torra chega antes ao primeiro toque, trazendo consigo uma deliciosa sugestão de café, mas o chocolate marca presença e dá um colorido todo especial ao conjunto. O amargor é marcante, 42 IBUs. Já a textura é suave e cremosa, com bastante chocolate sobre a língua. Dai pra frente, uma Dark Ale deliciosa e tortíssima, com café e chocolate e amargor e torra muito bem equilibrados. No final, secura e amargor leve. No retrogosto, chocolate em primeiro plano, mas também café. Delicinha.
A segunda dos sérvios da Kabinet é a Wanna Be Lee?, uma Ginger Ale cuja receita recebe adição de gengibre e usa os lúpulos Citra (EUA) e Hallertau Mittelfruh (Alemanha). De coloração meio dourada, meio âmbar, com creme branco de boa formação e retenção, a Kabinet Wanna Be Lee? apresenta um aroma com presença assertiva de gengibre, herbal leve e delicioso e frutado cítrico distante. Há, ainda, leve condimentação derivada também do gengibre. Na boca, doçura caramelada rápida seguida no segundo seguinte de gengibre, potente e refrescante, levemente picante e caramelado. O amargor é baixinho, 20 IBUs que soam quase 0. Já a textura é leve com discreta picância. Dai pra frente, uma Ginger bem interessante, com um contraponto de caramelo e herbal que equilibram a receita enquanto o cítrico parece um pouco esquecido (fresca deve ser outra coisa). No final, doçurinha e gengibre. No retrogosto, gengibre, herbal e caramelo.
Da Dinamarca para o Rio de Janeiro, ainda que a cervejaria 2Cabeças produza suas receitas na fábrica da Invicta, em Ribeirão Preto, no interior de São Palo, com a Zézinho, uma American Pale Ale que leva dry hopping dos lúpulos Mosaic e Azacca e reedita o personagem lançado em 2014 pela cervejaria numa colaborativa com os escoceses da Brewdog, a My Name Is Zé. A Zézinho, por sua vez, é uma cerveja que apresenta uma coloração dourada levemente turva com creme branco espesso de boa formação e retenção. No nariz, uma combinação deliciosamente delicada de notas florais e cítricas sobre uma base caramelada. Na boca, um reply caprichado do que o aroma adianta, com doçura melada leve no primeiro toque mais floral leve e cítrico mais abrangente na sequencia. O amargor é marcante, 38 IBUs equilibrados, mas muito bem encaixados no conjunto. A textura é cremosa e picante. Dai pra frente, uma American Pale Ale potente, amarguinha, caramelada, cítrica e floral. No final, amargor médio. No retrogosto, cítrico e amargor.
A segunda da 2Cabeças é a 12ª versão da Fenix, uma Imperial IPA que ‘brinca’ de alterar o dry-hopping a cada nova brasagem: a 6ª versão, que trazia os lúpulos Simcoe e Mosaic, já tinha passado por aqui, e agora é a vez da 12ª versão, com Simcoe e Centennial, dois lúpulos clássicos made in USA. De coloração levemente alaranjada com creme branco de boa formação e média alta retenção, a 2Cabeças Fenix 12ª Edição apresenta um aroma espetacular, com doses massivas de cítrico (puxando pra maracujá) e herbal (muito pinho) aliadas a base caramelada com leve toque resinoso. Na boca, o primeiro toque traz herbal leve e doçura caramelada, ambos atropelados por um amargor potente, 100 IBUs que passam arrastando tudo e deixando um traço de resina pelo caminho. A textura é suave e levemente picante (deixando álcool e herbal sobre a língua) e, dai pra frente, o conjunto segue impressinando. No final, herbal, resina e amargor médio. No retrogosto, mais frutas herbal, resina discreta e amargor suave. Muito boa (mas prefiro a 6ª).
Do Rio de Janeiro para Paso Robles, na Califórnia, cidade que abriga a badalada cervejaria Firestone Walker, com duas IPAs dos caras: a primeira é uma New England IPA, a Mind Haze, cuja receita combina os maltes Two Row e Munich com trigo e trigo torrado mais aveia e aveia tostada além dos lúpulos Mandarina, Cascade, Azacca, El Dorado, Mosaic, Chinook, Cashmere, Callista e Idaho 7 (os cinco últimos no dry-hopping). De coloração amarela, meio palha, um pouco juicy, ainda que distante da turbidez tradicional do estilo, e creme branco de média formação e boa retenção, a Firestone Walker Mind Haze apresenta um aroma frutado cítrico bastante leve, com sugestão de limão siciliano, toranja e abacaxi, e percepção de leve doçura. Na boca, abacaxi no primeiro toque abrindo as portas para um conjunto que exibe doçura cítrica (mais abacaxi, mas também laranja) e amargor baixíssimo (os 40 IBUs relatados até parecem muito). A textura é no meio do caminho entre a leveza e a suavidade e, dai pra frente, surge uma NE IPA que passaria muito bem por Session, não fossem os 6.2% de álcool. No final, cítrico leve, doçura e mineralidade. No retrogosto, abacaxi, laranja e refrescancia. Gostosinha.
A segunda cerveja da Firestone Walker é a variação 14 da receita Luponic Distortion IPA Series, que mantém a base em todas as receitas alterando apenas a combinação de lúpulos. “A 14 apresenta um blend de sete novos lúpulos da África do Sul, Austrália, Alemanha e noroeste do Pacífico”, avisa a casa. De coloração amarela levemente dourada, levemente palha, com creme branco de boa formação e retenção, a Firestone Walker Luponic Distortion nº 14 apresenta um aroma tropicalíssimo, delicioso, com sugestão de lichia, uva branca, pêssego e abacaxi. Na boca, lichia no primeiro toque seguida de abacaxi suave, nem tão acido nem tão doce, geleia de tangerina e pêssego. O amargor é limpo e bem sossegado, 59 IBUs que soam 30, limpando o palato e permitindo um novo passeio. A textura é picante. Dai pra frente, uma American IPA caprichada, delicada, mas intensa em sua sutileza (você entendeu, né?). O final é tropical, com lichia e um pouco de mamão papaya. No retrogosto, mais mamão papaia, lichia e abacaxi.
Eagle Bombardier
– Produto: Premium Bitter
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3.39/5
Marston’s Pedigree
– Produto: Extra Special Bitter
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3.44/5
To Øl Black Bauble
– Produto: Imperial Porter
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3.67/5
To Øl 8 Porter
– Produto: Imperial Porter
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3.61/5
Kabinet & De Molen Perfectly Imperfect
– Produto: Dark Ale
– Nacionalidade: Sérvia
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3.49/5
Kabinet Wanna Be Lee?
– Produto: Ginger Ale
– Nacionalidade: Sérvia
– Graduação alcoólica: 5.3%
– Nota: 3.14/5
2Cabeças Zézinho
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3.38/5
2Cabeças Fênix #12
– Produto: Imperial IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.1%
– Nota: 3.75/5
Firestone Walker Mind Haze
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 6.2%
– Nota: 3.51/5
Firestone Walker Luponic Distortion nº 14
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5.9%
– Nota: 3.72/5
Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)
Bom dia Marcelo,
Cara, parabéns pelo site, excelente nas avaliações. Impossível não ficar salivando ao acabar de ler as suas avaliações.
POr favor, passa a dica onde você consegue essas brejas raríssimas
Aqui, Nelson, é um pouco da mistura do comentário que respondi em outro post: tem Pão de Açúcar (as duas inglesas) e Clube do Malte (as dinamarquesas e as servias). As norte-americanas comprei no Todovino, que merece sempre uma consultada. E as da 2Cabeças comprei no site da Cervejaria Invicta 🙂