Zona para Respiradores #06, por L. Lyra
Catarse Caseira
(uma playlist inspirada na coluna / leia as colunas anteriores)
De Portugal amigos mandam avisar: oiça o Homem em Catarse!
É o projeto musical de Afonso Dorido, que faz quase tudo no álbum “sem palavras | cem palavras”. Bem adequado: estamos todos assim mesmo – silenciosos e atravessados de discursos, memes, disputas. O disco do Homem em Catarse abre e termina com solos de piano, calmíssimos, um lago onde vemos a água mexer aqui e ali.
Quando a guitarra e os efeitos entram há de tudo: riffs hipnóticos, dedilhados com delay e toda a tralha tecnológica que faz a alegria de quem ouve uma tríade, um ritmo, e já relaciona logo com outro. Por acaso, a mais diferente, e que remete a algumas coisas dos tuaregues, é “Lembro-me de ti mesmo quando não me lembro”:
Se não conhece nada da música do deserto do Saara, veja este vídeo:
Ainda no campo instrumental, outro mago das guitarras, Thurston Moore, também liberou uma faixa que mais parece um mantra: “Strawberry Moon“
Quarta-feira Allen Ginsberg teria feito 94 anos. Posso apostar que ele gostaria de tudo neste clipe dos The The:
Num momento em que confundimos o mapa com o território, fascinados com a nossa própria impotência, rebaixando discussões importantes a memes inúteis, também é bastante divertido ver o Morrissey cancelado pela enésima vez. Um pouco de conhecimento vai bem – e aqui vou citar o nosso querido editor:
Dia desses li gente cancelando Morrissey (novamente e mais uma vez), agora pelo refrão "Hang the DJ".
Sabe como esse refrão surgiu?
Ele estava ouvindo rádio quando anunciaram o vazamento em Chernobyl. Na sequencia, o DJ emendou "Wake Me Up Before You Go", do Wham.
Panic.
— Marcelo Costa (@screamyell) April 19, 2020
Tudo isto a propósito desta canção com pedal steel e o verso “Eles olham pra tv pensando que é a sua janela para o mundo”:
Tuiteiros essa é a impressão que eu tenho quando entro no Twitter.
Não, os versos do Ginsberg eram outros (na tradução de Claudio Willer):
Você vai deixar que sua vida emocional seja conduzida pelo Time Magazine?
Estou obcecado pelo Time Magazine.
Eu o leio toda semana.
Sua capa me encara toda vez que passo sorrateiramente pela confeitaria da esquina.
Eu o leio no porão da Biblioteca Pública de Berkeley.
Está sempre me falando de responsabilidades. Os homens de negócios são sérios. Os produtores de cinema são sérios. Todo mundo é sério menos eu.
Passa pela minha cabeça que eu sou a América.
Estou de novo falando sozinho.
[…]
América será que isso está certo?
É melhor eu pôr as mãos à obra.
É verdade que não quero me alistar no exército ou girar tornos em fábricas de peças de precisão. De qualquer forma sou míope e psicopata.
América eu estou encostando meu delicado ombro à roda.
Procure ler o poema inteiro. É mais fácil de interpretar do que certas letras do Thom Yorke. Quem cresceu com indie rock não precisa temer poeta algum. Não poderíamos deixar de recordar o som e a fúria do Sonic Youth:
Portugal volta à roda para celebrar os 70 anos de Jorge Palma, aquele cujo amor “tem trinta mil cavalos a galoparem no peito”. Engraçado pensar que o fora-da-lei da canção tem o mesmo nome dum personagem de “Faroeste Caboclo” – mas lá na terrinha não houve um Bandido da Luz Vermelha nem um Rogério Sganzerla (ideal pra plasmar a nossa avacalhação e esculhambação na tela do cinema). Só o gajo que “como um poeta desarranja o pesadelo pra lá dos limites legais”:
Se você ainda se sente “out” e queria estar “in”, toma aqui mais uma dose. E boa semana!