por Marcelo Costa
Começando uma série de cinco brasileiras e cinco alemãs por Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, com a primeira de duas Catharina Sours da cervejaria Invicta, de uma linha chamada Sour Or Not Too Sour. A primeira delas é a que recebe adição de amora, framboesa e morango, o que confere ao conjunto uma bela coloração avermelhada com creme branco de média formação e boa retenção. No aroma, a Invicta Sour Or Not Too Sour Frutas Vermelhas traz muita fruta vermelha em destaque sobre uma base discretíssima de malte, que praticamente não aparece na paleta aromática. Na boca, acidez leve de fruta vermelha no primeiro toque seguido de doçura suave e uma adstringência bastante sutil. Não há sensação de amargor, aqui o lance e o poder da acidez, que, como brinca o título, é sour sem ser tão sour, o que o meio cervejeiro denomina como keetle sour, cervejas que ficam no meio do caminho entre uma Real Sour e uma Fruit Beer. A textura é levemente acética com frisancia típica. Dai pra frente, uma keetle sour clássica, docinha, azedinha, frutada, refrescante e saborosa. No final, frutas vermelhas e acidez. No retrogosto, adstringência discreta, frutas vermelhas e refrescancia.
A segunda Catharina Sour da linha Sour Or Not Too Sour da cervejaria Invicta recebe adição de frutas amarelas (manga, maracujá e abacaxi) e, por isso, traz uma coloração amarela, tal qual um suco de caju. O creme é branco e de média formação e retenção. No nariz, o maracujá salta a frente das demais frutas, mas a manga até que consegue dar um aceno ao freguês, o que não é o caso do abacaxi, coitado, desaparecido. A base de malte, assim como na versão com frutas vermelhas, é absolutamente discreta (nem parece que está aqui). Na boca, doçura de maracujá no primeiro toque seguida de acidez envolvente de maracujá replicando o aroma, ou seja, abrindo leve espaço para a manga e nada ao abacaxi. Control c control v no texto acima: “Não há sensação de amargor, aqui o lance e o poder da acidez, que, como brinca o título, é sour sem ser tão sour, o que o meio cervejeiro denomina como keetle sour, cervejas que ficam no meio do caminho entre uma Real Sour e uma Fruit Beer”. cervejas que ficam no meio do caminho entre uma Real Sour e uma Fruit Beer. A textura é levemente acética com frisancia típica, um pouquinho acima da versão com frutas vermelhas, mérito maior do maracujá, que continua dando as cartas nessa boa keetle sour, docinha, azedinha, frutada, refrescante e saborosa. No final, maracujá e acidez. No retrogosto, adstringência discreta, maracujá e refrescancia.
Do Brasil para a Alemanha com uma das mais tradicionais cervejarias da Bavária, a Hacker-Pschorr, que surgiu de um negócio familiar: Joseph Pschorr (1770-1841) comprou a cervejaria Hacker (fundada em 1417) de seu sogro Peter-Paul Hacker. Depois, ele abriu uma cervejaria com o nome da família, e seus dois filhos seguiram tocando, separadamente, a Hacker e a Pschorr até junta-las em 1972. Consta também que foi um Pschorr o mestre cervejeiro responsável pelas cervejas do casamento do príncipe Ludwig I, da Baviera, que deram início a Oktoberfest (que hoje acontece em terras doadas por Josef Pschorr). Uou. Essa Münchener Gold é uma Munich Helles de coloração dourada e creme branco espesso, de boa formação e retenção. No nariz, leve doçura de malte e cereais aliada um toque floral sutil e envolvente. Na boca, doçura no primeiro toque seguida de leve acentuação de caramelo, mas ainda na medida, equilibradíssimo. O amargor é quase inexistente, a textura é bastante leve e, dai pra frente, o conjunto explora doçura e leveza de maneira sublime. No final, doçura leve. No retrogosto, malte. Caprichadíssima.
A segunda da Hacker-Pschorr é a Weissbier da casa, uma German Weizen não filtrada que exibe uma coloração âmbar acastanhada turva com creme branco espesso de ótima formação e longa retenção – como manda o estilo. No nariz, as notas clássicas se destacam com muita sugestão de banana (e também bananada, derivadas da levedura Weizen), cravo e caramelo, mas ainda é possível perceber sutis presenças de bubblegum e leve geleia de laranja. Na boca, doçura frutada remetendo a caramelo no primeiro toque e a bananada e banana na sequencia. Aqui a presença cítrica (geleia de laranja) aumenta levemente assim como as notas condimentadas (sugestão de cravo facilmente detectada) enquanto o amargor é médio, cerca de 25 IBUs muito bem representados. A textura, como é de esperar, é leve querendo ser suave e bem condimentada. Dai pra frente, uma Weiss clássica com banana, caramelo, cravo e até um pouco de cítrico. No final, condimentação. No retrogosto, banana. Boa demais.
Fechando esse trio de estilos clássicos alemães por uma cervejaria clássica alemã, a Hacker-Pschorr, é hora de encher o copo de Kellerbier, que utiliza a Münchener Gold como base, devidamente maturada, resultando em uma (nova) cerveja de coloração dourada tostada praticamente âmbar, turva (devido a não filtragem), com um creme bege clarinho espesso de boa formação e retenção. Na receita, três variedades de cevadas malteadas (Marthe, Grace e Catamaram) e duas variedades do lúpulo alemão Hallertauer (Herkules e Tradition). No nariz, bastante sugestão de caramelo, cereais e percepção de levedura. Há, ainda, sugestão de frutas secas e um discreto tostado defumado. Na boca, doçura caramelada no primeiro toque com leve aceno de frutas secas na sequencia. Tosta presente e, também, um discreto defumado. O amargor perde espaço para a doçura e a textura é mais suave e marcante, e também levemente picante. Dai pra frente, uma cerveja agradabilíssima, com doçura na medida e muita personalidade. No final, caramelo e tosta. No retrogosto, doçura de caramelo e mais tosta. Curti.
Saindo da escola tradicional alemã (as anteriores) para a escola inventiva alemã com duas cervejas da Freigeist, cervejaria que segue em sua busca por recriar estilos cervejeiros esquecidos. Essa Abraxxxas é a sexta Lichtenhainer que bebo na vida, sendo que das outras cinco, três recebiam frutas (duas delas da própria Freigeist) e duas eram tentativas de recriar fielmente o estilo (uma delas, inclusive, nacional e sensacional, a Monja Flue Pipe). Essa versão alemã busca o estilo base, que, grosseiramente falando, é uma Rauch Berliner Weisse, ou seja, uma cerveja de trigo ácida, azeda e defumada. De coloração âmbar levemente turva com creme branco de baixa formação e retenção, a Freigeist Abraxxxas apresenta um aroma com bastante defumado, leve doçura maltada, um toque cítrico e percepção de acidez. Na boca, acidez no primeiro toque trazendo consigo um leve toque salgado coberto logo depois por cítrico (laranja) e doçura de caramelo (mas o salgadinho fica na boca). Não há amargor e a acidez é leve. A textura é levemente efervescente e cremosa. Defumado, salgadinho e cítrico se juntam delicadamente e levam o bebedor até o final, caramelado e salgadinho. O retrogosto é suavemente adstringente e traz consigo defumado sutil e laranja. Incrível.
A segunda da Freigeist é a Fennel Gose, uma Gose, estilo alemão antiquíssimo que quase desapareceu, mas voltou forte nos últimos anos, que recebe a adição tradicional de sal além de funcho, especiaria da mesma família do coentro. De coloração amarela bastante turva com creme branco de boa formação e rápida dispersão, a Freigeist Fennel Gose exibe um aroma com notas herbais refrescantes colocando a erva-doce acima da acidez tradicional do estilo. Há ainda leve percepção de trigo, um pouco de frutado remetendo a limão e também maçã verde. Na boca, a erva-doce traz sugestão de maçã verde no primeiro toque, mas se torna um pouco mais nítida na sequencia. Não há amargor e a acidez é bastante leve em uma Sour não tão Sour assim. Já a textura é levemente efervescente (e salgadinha). Dai pra frente, uma Keetle Sour bastante agradável, com a erva-doce mudando radicalmente o perfil do estilo, tornando-o menos agressivo e bastante saboroso. No final, erva doce e salgadinho. No retrogosto, leve adstringencia, salgadinho, erva doce e refrescancia. Delicia.
Da Alemanha para o bairro de Santa Cecilia, em São Paulo, para a primeira de três Dogmas produzidas no próprio taproom da casa: a Bloody Good é uma Porter tradicional produzida com o lúpulo Provoak cuja receita é uma colaboração com o cervejeiro mineiro Rodrigo Lemos, criador do primeiro blog sobre cerveja do Brasil, o Beer Architecture, criado em 2006. De coloração marrom escura praticamente preta com creme bege espesso, de boa formação e retenção, a Dogma Bloody Good apresenta um aroma com torra, tosta e madeira (carvalho francês) lutando pela atenção do bebedor, o que soa um tiquinho exagerado para um estilo tão clássico. Ou seja, tem café, caramelo e chocolate ao leite em fartura no conjunto, mas a sensação é que falta delicadeza. Na boca, tudo isso aparece com mais facilidade: frutado no primeiro toque seguido de chocolate ao leite, café e amadeirado intenso com leve sugestão de baunilha. O amargor é discreto perto da overdose de informação sensorial. Já a textura é aveludada, deliciosa. Dai pra frente, uma English Porter nada English, mas bem interessante pela reinvenção que tenta proporcionar. No final, muita madeira. No retrogosto, madeira, chocolate ao leite e frutado.
A segunda dos paulistanos da Dogma é (mais) uma colaborativa com os mineiros da Koala San Brew, a Tropical Fever, uma potente Double New England IPA que combina lúpulos made in USA e com duas cepas da levedura belga Saccharomyces Trois. De coloração amarela, turva, juicy tal qual um suco de caju, e com creme branco de ótima formação e retenção, a Dogma Tropical Fever apresenta um aroma intenso de frutas amarelas (manga, abacaxi) como também entrega a pancada de álcool (9.1%) e a força das leveduras num conjunto que antecipa quase que uma Triple IPA. Na boca, rápida doçura frutada no primeiro toque entorpecida pela ação da levedura no segundo seguinte, inicialmente, que depois será entortada pelos 9.1% de álcool, deixando as sugestões de frutas amarelas meio esquecidas pelo caminho. É tudo muito muiiiiito com resina batendo na garganta junto a levedura e álcool. A textura é suave e altamente picante, álcool dançando sobre a língua e pinicando até os lábios. Dai pra frente, uma cerveja extrema que necessitada de ajustes, pois o álcool, excessivo, incomoda bastante durante o trajeto impedindo de curtir, sossegadamente, as sugestões de frutas amarelas. No final, resina e álcool. No retrogosto, mais resina, mais álcool e frutas amarelas.
Fechando a série com a Dogma com a primeira versão (de seis a saírem) da Chronological Flows, uma West Coast IPA que nesta receita de estreia surge calibrada com lúpulos Mosaic, Simcoe e Centennial e fermentada com a levedura exclusiva Cali, da própria cervejaria. De coloração amarelo translucida, com traços tanto de dourado quanto de âmbar, com creme branco de ótima formação e longa retenção, a Dogma Chronological Flows apresenta um aroma que combina suaves notas adocicadas com uma leve pancada cítrica e percepção discreta de picância. Esse conjunto surge replicado fielmente no paladar, com a doçura abrindo os trabalhos no primeiro toque seguida de cítrico envolvente e de um amargor marcante, mas não pegado como nas West Coast antigas, e sim mais elegante, na casa dos 60 IBUs. Os 9.5% de álcool estão maravilhosamente integrados no conjunto mas a textura, melada e quase licorosa, entrega que ele está ali (e é bom tomar cuidado). Dai pra frente, uma bela West Coast, cítrica, doce e de amargor limpo. No final, amargor longo e melado. No retrogosto, um pouco de amargor e cítrico.
Invicta Sour Or Not Too Sour Frutas Vermelhas
– Produto: Catharina Sour
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3.30/5
Invicta Sour Or Not Too Sour Frutas Amarelas
– Produto: Catharina Sour
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3.30/5
Hacker-Pschorr Münchener Gold
– Produto: Munich Helles
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3.39/5
Hacker-Pschorr Weissbier
– Produto: German Weizen
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3.42/5
Hacker-Pschorr Kellerbier
– Produto: Kellerbier
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3.40/5
Freigeist Abraxxxas
– Produto: Lichtenhainer
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3.88/5
Freigeist Fennel Gose
– Produto: Gose
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3.49/5
Dogma Bloody Good
– Produto: English Porter
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.7%
– Nota: 3.46/5
Dogma Tropical Fever
– Produto: Double IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9.1%
– Nota: 3.20/5
Dogma Chronological Flows
– Produto: Double IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9.5%
– Nota: 3.76/5
Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)