Entrevista – Nada Surf lança novo disco e avisa: “Temos que nos posicionar”

entrevista por Leonardo Tissot

O Nada Surf entra na nova década com “Never Not Together”, oitavo disco de inéditas da banda formada originalmente em Nova Iorque e que ganhou o mundo nos anos 90. Espalhados entre Inglaterra, Espanha e Estados Unidos, os quatro integrantes do grupo liderado pelo vocalista e guitarrista Matthew Caws se reúnem periodicamente para sessões de ensaio e gravações — sem falar, é claro, nas turnês, como a que a banda começou em 25 de fevereiro e se estende até julho de 2020, entre Europa e Estados Unidos.

O álbum, gravado no lendário Rockfield Studios, no País de Gales, reflete o bom momento do quarteto — que, se por um lado, não tem mais a vitalidade de porradas como “Popular” e “Stalemate”, do disco de estreia, “High/Low” (1996), ainda é capaz de cometer um disco honesto e repleto de momentos interessantes, com refrãos fortes e melodiosos.

A abertura, “So Much Love”, é um power pop ensolarado que deixa claro o potencial da banda em se manter jovial após quase 30 anos de carreira. Na letra, Caws busca “celebrar a boa vontade entre as pessoas”. “Come Get Me” é outra faixa redonda, que não faria feio em um disco dos Rentals, enquanto “Live Learn and Forget” parece buscar inspiração na melancolia agridoce oitentista do Echo and the Bunnymen — que, inclusive, gravou “Crocodiles” (1980), “Heaven Up Here” (1981) e “Porcupine” (1983) no mesmo estúdio onde “Never Not Together” foi registrado.

Uma curiosidade: apesar de o disco não soar nada como a fase inicial do grupo, uma das faixas de destaque do álbum, “Something I Should Do”, traz um longo trecho em que a letra é falada, assim como “Popular”, o grande hit do Nada Surf até hoje. Os temas são mais atuais, porém: mídias sociais, distopias e falta de empatia compõem o blá-blá-blá de Caws em sua versão cinquentona.

Da metade para o fim, o disco — que tem produção de Ian Laughton (Ash, Supergrass) — dá uma desacelerada, com faixas mais tranquilas como “Looking For You”, “Crowded Star” e a sensível “Mathilda”, que começa apenas com a voz e o violão de Caws e vai num crescendo até chegar ao refrão. A letra trata de sexualidade, expectativas de comportamento masculino e de como crianças (e adultos…) podem ser cruéis com quem é “diferente”.

Com sua tradicional despretensão, o grupo fez mais um disco que atende ao que seus fãs mais apreciam: rock alternativo sem encanações e muita energia, na linhagem de Weezer, Ash, Juliana Hatfield e outros nomes da “velha guarda” indie, como o próprio Caws se autorreferencia no papo que batemos com o cara por telefone (em sua terceira entrevista ao Scream & Yell). Confira a conversa abaixo!

O que você pode nos contar sobre os processos de composição e gravação do novo disco “Never Not Together”? Houve diferenças em relação a trabalhos anteriores do Nada Surf?
O começo do processo foi o mesmo, ou seja, eu escrevendo as músicas em casa — às vezes canções completas, às vezes apenas algumas partes. E aí, quando chega o momento, eu levo as músicas para a banda e fazemos os arranjos juntos. A única coisa diferente foi que, dessa vez, todo mundo se envolveu um pouco mais. Geralmente, depois de gravarmos as bases, eu fico sozinho, mas dessa vez todo mundo ficou por perto, dando sua opinião e participando mais. Do ponto de vista pessoal, não sei, acho que por estar em uma fase boa da minha vida agora, isso me ajudou a ser mais objetivo a respeito do que gostaria de escrever. Outra mudança foi que, apesar de sempre pensar um pouco sobre o que me faria feliz em ouvir, do ponto de vista dos fãs, acho que agora eu penso mais nisso do que antes.

Por que vocês escolheram o Rockfield Studios, no País de Gales? Foi a primeira vez da banda por lá?
Sim, eu nunca havia estado lá antes. Eu sempre vi esse nome, “Rockfield Studios”, em muitos discos que eu gosto. É um lugar lendário. O produtor do disco, Ian Laughton, já havia trabalhado lá com o Ash há muitos anos, e ele também conhece o engenheiro de som do estúdio, então sugeriu que a gente gravasse lá. Além disso, queríamos gravar aqui por perto porque tenho um filho pequeno e seria mais fácil ficar perto de casa [Matthew vive em Cambridge, Inglaterra]. Então, ensaiamos e gravamos tudo aqui. As pessoas perguntam o que tem de especial nesse estúdio, se são apenas máquinas, mas a verdade é que trabalhar em um lugar histórico te coloca em uma espécie de humor mais romântico e te faz querer alcançar algo especial em cada música. Todo mundo fica mais animado.

Entre os discos que foram gravados nesse estúdio, quais os seus favoritos?
Os três primeiros do Echo and the Bunnymen, “Shake Some Action” (1976), do Flamin’ Groovies, e um monte de discos de punk e britpop. Esse estúdio é mais famoso pela gravação de “Bohemian Rhapsody” e de discos do Oasis (que gravou “(What’s the Story) Morning Glory? “, 1995) também.

As novas músicas têm um frescor e energia como se estivéssemos ouvindo um disco de uma banda nova, e não de quem já está na estrada há mais de 20 anos…
Que bom!

…então, de onde vocês tiram inspiração para manter as coisas interessantes tanto para vocês quanto para os fãs depois de tanto tempo?
Hmm, não sei. Você precisa se esforçar, eu acho. Gostaria de ter uma resposta melhor. Porque é bem possível que a gente pare de ser interessante. Não somos interessantes de propósito, posso te dizer isso [risos].

Sim, mas vocês buscam se manter atualizados com o que rola no mundo da música, ouvem novas bandas ou procuram ideias a partir de outras fontes, tipo filmes, a própria família ou de outro lugar?
Sim, tudo isso conta. Eu escuto músicas novas e tal, mas não tentamos nos manter atualizados no sentido de fazer músicas que a garotada está curtindo agora, nem nada do tipo. Gosto muito de literatura e de artes plásticas. Quer dizer, é complicado quando se fala de arte, porque queremos ser naturais e deixar a imaginação fluir livremente, e ao mesmo tempo é algo muito trabalhoso. Às vezes tenho uma ideia e rapidamente já julgo que não é boa, faço isso até rápido demais, antes mesmo de dar uma chance real a ela. Por outro lado, preciso ter esse senso de julgamento e ser crítico, então é algo contraditório.

Quais são os principais temas do álbum, na sua visão?
O álbum é sobre divisão, sobre tolerância, sobre dominar os preconceitos em nosso interior para que possamos repará-los do lado de fora também. As pessoas estão menosprezando umas às outras nos Estados Unidos. Eu não acho que eu possa me dar ao luxo de menosprezar alguém, mesmo que eu não concorde com sua política. Tive sorte de nascer em uma família liberal e progressista, mas poderia ter nascido em uma diferente. Somos muito tribais, mas sempre vou acreditar que temos mais em comum do que imaginamos.

Com cada membro da banda vivendo em lugares diferentes, como vocês fazem para trabalhar juntos?
Ninguém mais vive em Nova Iorque, onde começamos. O Daniel mora em Ibiza (Espanha), o Ira vive na Flórida e nosso tecladista Louie mora em Austin, no Texas. Nossos ensaios são sempre aqui na Inglaterra. Bem, era mais fácil quando todos nós morávamos em Nova Iorque, claro, mas eu acho que parte da longevidade da banda se deve ao fato de que nos permitimos ter nossas vidas fora dela. Talvez, se continuássemos todos em Nova Iorque, isso pudesse ter criado algum ressentimento.

Ao longo dos anos você gravou com uma orquestra em “Peaceful Ghosts” (2016), fez um disco de covers, “If I Had a Hi-fi” (2010), e lançou um álbum com a Juliana Hatfield (“Get There”, do projeto Minor Alps, de 2013). Tem alguma coisa que você ainda não tenha feito musicalmente e que gostaria de fazer?
Bem, tenho escrito canções em parceria com muita gente. Pode ser que eu lance um disco de músicas compostas com outros artistas. E tem um disco que eu fiz com um cara chamado Michael Lerner, da banda Telekinesis, que deve sair em breve. Então, sim, ainda há vários projetos diferentes nos quais gosto de me envolver.

Qual é o papel do Nada Surf na atual cena de rock alternativo, se é que ela existe? Quer dizer, vocês se preocupam em permanecer “relevantes” no mercado musical ou em atingir uma audiência maior? Quais são seus objetivos nesse ponto da carreira?
Sim, sempre queremos aumentar nossa audiência, mas não fico pensando em qual é o nosso lugar ou em estar atualizado nem nada disso. Não penso nesses termos. Acho que agora somos a velha guarda. Se você estivesse no meu lugar, o que você faria?

Acho que não me preocuparia com essas questões e faria as canções que estivesse a fim de fazer. É que tem muitas bandas que, junto com o disco, lançam um filme. Ou inventam de gravar o disco em um lugar diferente ou fazem alguma outra coisa esquisita, muitas vezes só para parecerem inovadores.
Eu só quero trabalhar, fazer o que amo, dar o meu melhor. Recentemente lancei um single chamado “Song for Congress”, que é uma canção que fala diretamente aos senadores e deputados do atual governo americano. Toquei a música em Washington e isso é algo em que definitivamente quero me envolver mais. Escrevi a letra em reação às histórias de famílias sendo separadas na fronteira com o México. Fiquei tão incomodado com isso, então quis fazer algo mais do que apenas telefonar para deputados. Acabei fazendo essa música que fala diretamente a eles e também escrevi um artigo sobre o assunto.

Não sei se você sabe, mas temos atualmente um presidente que é ainda mais intolerante do que Trump. Então é sempre bom ver artistas levantando suas vozes contra o que está acontecendo.
Sim, já ouvi falar dele. Lamento muito, é algo terrível. E sim, acho que temos que nos posicionar — e de formas variadas. Não sou muito bom com raiva, então “Song for Congress” traz uma abordagem um pouco mais pacífica.

Muitas bandas brigam por questões que vão desde estruturas das músicas até arranjos, quais faixas entram e quais ficam de fora dos álbuns etc. Que conselho você daria para bandas iniciantes?
Em relação a direitos autorais, uma dica que eu sempre dou é: se a banda é um projeto de curta duração, o compositor deve manter os direitos sobre suas músicas. Mas se é uma banda que você quer ter por muito tempo, deixe que todos dividam os direitos, mesmo que apenas um membro tenha escrito as canções. No nosso caso, eu escrevo todas as músicas, mas os créditos e o dinheiro são compartilhados de forma igualitária. Isso acaba com o problema de quais músicas incluir nos discos, e posso dizer que é uma discussão que ocorre muito em bandas. The Byrds, por exemplo, uma das melhores bandas de todos os tempos. Gene Clark escreveu todas as músicas na fase inicial do grupo, então ele ganhou muito mais dinheiro, muito mais rapidamente do que os outros caras, o que criou ressentimentos. Isso acabou gerando discussões e expulsaram ele da banda. É algo que pode ser realmente destruidor. Acho que é como um casamento, para funcionar é preciso tolerância e ser amável com as pessoas.

Vocês têm turnês marcadas para a Europa e Estados Unidos nos próximos meses. Receberam alguma oferta para vir à América do Sul? Quais são suas memórias das passagens pelo Brasil?
Sim, recebemos uma oferta para voltar, mas não temos tempo esse ano. Meu filho vai começar as aulas em setembro e temos que terminar a turnê até lá, pois preciso estar em casa nesse período. Então, espero poder voltar ano que vem. Foi uma ótima experiência tocar no Brasil, o público era fantástico e eu gostei muito da comida. Eu adoro moqueca. É muito bom! Mal posso esperar para voltar. Espero que da próxima vez que a gente for aí tenhamos um domingo de folga em São Paulo para poder caminhar naquela avenida grande em que as pessoas se divertem [Matthew se refere à Avenida Paulista]. Seria legal fazer um show acústico lá também.

– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista especializado em comunicação corporativa e produção de conteúdo

Entrevistas
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