entrevista por Pedro Salgado, de Lisboa
Uma residência artística de três meses na região do Alentejo (sul de Portugal) durante o verão de 2016 e a atuação no Festival de Artes Performativas da Atalaia trouxeram mais visibilidade ao trabalho conjunto da cantautora mineira Érika Machado (voz e guitarra) e da tecladista portuguesa Filipa Bastos no seu projeto inicial (Olhar Passageiro). O sucesso radiofônico veio depois com o single “Leve Leve”, já como Spicy Noodles, e impulsionou a carreira das garotas. Agora, quatro anos depois, com a edição do álbum de estreia (“Sensacional!”), o duo prepara-se para uma nova etapa profissional.
Sobre o disco e as várias facetas do grupo, a dupla luso-brasileira conversou animadamente comigo na Casa Independente (um espaço cultural multidisciplinar lisboeta), revelando uma disposição contagiante, que se manifestou cedo, quando lhes perguntei sobre a origem do nome da banda. “Uma amiga sul-coreana que esteve conosco na residência artística trouxe de Seul uma sacola enorme de spicy noodles. Quando olhamos para aquele pacote colorido, com vários temperos e explosões de condimentos, relacionamos logo com as cores do nosso projeto. Os pacotinhos de sabores aludiam às nossas explosões sonoras e achamos que o nome fazia sentido e era muito legal (risos)”, conta Filipa.
O álbum foi gravado no estúdio caseiro Quebra Galho, que Érika já tinha utilizado para registrar no Brasil um dos seus três discos solo e transitou de Belo Horizonte para Coimbra, Ourique e Lisboa. “O nosso estúdio é um computador, uma placa de som mais os brinquedos de fazer música. As vozes do disco foram gravadas dentro de um armário e as guitarras acústicas também”, explica Érika enquanto Filipa acrescenta com graça: “Agora já saímos do armário e estamos cá fora (risos)”.
A forma descontraída com que o par vive o seu dia a dia evidencia-se no disco, dominado por um pop divertido e que inclui samples, guitarras, bits eletrônicos e outros efeitos sonoros. No entanto, “Sensacional!” também contempla alguns temas a meio gás que revelam o lado introspetivo, mas não menos interessante das duas artistas. “Juntas na Fita” (um single certeiro) e a pegada roqueira da faixa-título iniciam o trabalho de uma forma intensa, acalmando posteriormente e regressando à toada inicial com “Para Chegar”.
Tanto Érika como Filipa são responsáveis por toda a parte criativa do grupo e gravaram em casa o clipe de “Juntas na Fita”. No vídeo, elas escolheram ser representadas por duas bailarinas. “Sentimos que as bonecas seriam mais coloridas e dançariam melhor do que nós (risos)”, comenta Filipa. No momento, o duo tem vários shows de apresentação do álbum agendados. O tour português começou 14 de Fevereiro no Salão Brasil (Coimbra) e passará (entre outras salas) pela Fábrica Musa (Lisboa), Casa da Música (Porto), terminando com uma atuação na FNAC de Guimarães no dia 3 de Maio.
Para ambas, a vontade de tocar no Brasil mantém-se intacta. “Estão acontecendo lá episódios muito tristes de censura e cortes na área da cultura. Temos a sorte de fazer músicas alegres em Portugal e os artistas brasileiros nossos conhecidos fazem canções de protesto. A arte é uma arma e foi o que aconteceu na revolução de 25 Abril de 1974 em Portugal. Gostaríamos de levar a nossa alegria para os brasileiros e isso vai acontecer”, conclui Érika Machado. De Lisboa para o Brasil, as Spicy Noodles conversaram com o Scream & Yell. Confira:
Qual era o objetivo que vocês idealizavam para o projeto em 2016?
O nome do nosso projeto era Olhar Passageiro e a proposta que tínhamos era de fazer uma música e um vídeo a partir da experiência de estar numa residência artística durante os três meses que foram estabelecidos. No primeiro mês estivemos em Ourique e como essa vila alentejana é tão pequena, bonita e inspiradora, tendo nós muito tempo pela frente, escrevemos nove canções e fizemos o mesmo número de vídeos. Quando surgiu o convite para nos apresentarmos no cine-teatro local sentimos que fazia sentido tocar as músicas ao vivo enquanto passavam os vídeos. Nós queríamos reproduzir o som que tínhamos feito em casa. Por isso, realizamos várias pesquisas para entender o que haveríamos de usar para erguer essa sonoridade de uma forma mais orgânica, sem ser um play no computador, mas apenas as duas tocando. Foi uma descoberta muito boa. Após a apresentação no Festival de Artes Performativas da Atalaia tivemos um convite para um show em Lisboa (Festival Gerador Ignição) e depois apareceram mais propostas para concertos e foi assim que nascemos como Spicy Noodles.
A música “Leve Leve” integrou a coletânea Novos Talentos FNAC 2017 e destacou-se no top A3_30 da Antena 3 durante alguns meses. Esse hype surpreendeu-vos?
Sim, foi muito legal. Quando fizemos a residência artística e colocamos o vídeo na Internet, uma amiga nossa, Camila Reis, compartilhou o clipe e foi através do Facebook que o Henrique Amaro (radialista da Antena 3) conheceu o nosso projeto, entrou em contato conosco e apareceu o convite para ter a música integrada na coletânea Novos Talentos FNAC 2017. No momento em que a canção começou a tocar no top A3_30 e o pessoal começou a votar, mais pessoas apareceram nas nossas redes sociais e foi surpreendente, porque não estávamos à espera. Foi gratificante ver gente curiosa, mas também pessoas da área a convidarem-nos para entrarmos noutros espaços e tivemos várias críticas positivas que nos deixaram muito felizes.
O John Ulhoa (do Pato Fu) cuidou da produção, mixagem e masterização do álbum. A parceria dele surgiu em que circunstâncias?
Ele é um amigo e um mestre (entre outros trabalhos, produziu em 2015 o disco infantil “Superultramegafluuu” de Érika Machado). Nesse projeto, regravamos as vozes e as guitarras nos Estúdios Blue House (Coimbra), porque têm mais condições. No primeiro dia de gravações colocamos uma fotografia no Instagram. O John viu a foto e ficou de recuperar uma música que estava com as tulhas separadas. Mais tarde, ele disse que tinha a canção pronta, mandou-nos e perguntou: “Quer que eu ponha a mão em mais alguma coisa?”. Em primeiro lugar, o John enviou a “Sensacional” e depois mandamos-lhe as músicas restantes. Para além disso, agradou-lhe o som das guitarras, disse que tinham personalidade, não valia a pena regravar e que as vozes também estavam legais. Finalmente, gravamos tudo aqui, enviamos de volta e ele mixou e masterizou.
O vosso álbum de estreia (“Sensacional!”) aposta numa diversidade sonora e temática, mas sinto que as Spicy Noodles estão mais próximas da sua identidade quando enveredam num pop mais simples e descontraído…
Sim, “simples” é uma palavra que gostamos muito. Quando conseguimos fazer algo bonito dessa maneira é aí que mora o amor (risos). Nós preferimos ter uma forma descontraída e sem grandes pretensões.
“Por Aí” surpreendeu-me pela sua envolvência sonora e pelo conteúdo existencialista das letras. A quem se referem nesta canção?
Estamos falando de nós mesmas. A maior parte das canções estão ligadas à nossa vida e essa música apresenta-nos com a estrofe: “Por aí entre a sorte e o azar à procura de um lugar no mundo”. Depois de “Juntas na Fita” é o tema que mora no nosso coração, apesar de não ser uma faixa muito alegre e as pessoas normalmente procurarem músicas mais descontraídas. Mas temos um grande amor por esta canção. Nos últimos seis anos já vivemos em seis cidades, por isso estamos sempre procurando encontrar algo que não temos (risos).
Gostariam de mandar uma mensagem para os leitores do Scream & Yell?
Vocês são muito massa (risos). O Scream & Yell mostra as coisas mais legais e temos de fortalecer esses meios de comunicação nos tempos difíceis. Esse governo brasileiro é moralista e religioso, quando as duas coisas deviam ser separadas. Mas o Brasil é muito inspirador e mesmo em tempos de crise tem mostrado ser uma força bruta. A área cultural brasileira vai responder num nível exemplar para o resto do mundo e para o próprio país. A cultura é o balão de oxigênio que nos vai salvando e já salvou o Brasil noutras ocasiões. Não deixem o sonho acabar!
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.