Texto por Daniel Abreu
Com 38 anos de estrada, o Ira! continua sendo uma das bandas mais legais que surgiram nos rock nacional nos anos oitenta e ainda continua na ativa. Com 11 discos de estúdio no currículo (“Isso é Amor”, de 1999, acaba de ser relançado em vinil), a banda paulista coleciona sucessos e fãs por todo o país. Após um hiato de cerca de sete anos marcado por discussões e disputas pelo nome da banda, o Ira! voltou em 2014 (com um grande show na Virada Cultural) apenas com o vocalista Nasi e o guitarrista Edgard Scandurra da formação original. No último domingo (8) os caras fizeram seu penúltimo show do ano (sold out um dia antes), o último na capital paulista, no Carioca Club, com abertura da banda Golpe de Estado.
Por volta das 19 horas e 30 minutos, a banda Golpe de Estado subiu ao palco do Carioca com boa parte da casa já cheia. Com uma apresentação de uma hora, o grupo liderado pelo baixista Nelson Brito estava encerrando a turnê de divulgação do CD e DVD de 30 anos do quarteto. Influenciados por bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath e Judas Priest, o Golpe fez uma apresentação direta, honesta e muito pesada. Com João Luiz nos vocais, Marcelo Schevano na guitarra e Robby Pontes na bateria, além, claro, de Brito no baixo, os caras encerraram o show com “Noite de Balada”, música do segundo disco, “Forçando a Barra” de 1988. Ótimo show de abertura!
Com o fim da apresentação do Golpe, o público aproveitou para ir até banheiro e para o bar para pegar mais uma cerveja gelada. Antes dos relógios atingirem 21 horas, Marcos Valadão, mais conhecido por todos como Nasi, subiu ao palco com uma linda camiseta do The Clash. Em seguida, veio Edgard Scandurra empunhando uma guitarra Rickenbacker, na qual lembra muito a que Pete Townshend usava no The Who durante os anos 60.
Dentro da casa a expectativa era alta para a apresentação do Ira!. Por se tratar da última performance do quarteto na cidade de São Paulo nesse ano, obviamente que os fãs aguardavam um ótimo show. E a banda correspondeu. A apresentação começou com o riff clássico de “Longe de Tudo”, do disco de estreia dos caras, “Mudança de Comportamento”, que ano que vem completa 35 anos de lançamento. Em seguida eles mandaram “Flerte Fatal” e uma das canções mais icônicas da história do grupo, “Dias de Luta”, com o público cantando em coro, “só depois de muito tempo comecei a refletir, nos meus dias de paz, nos meus dias de luta”.
O show seguiu por mais uma hora e meia. Edgard e companhia cantaram provavelmente todos os hits do grupo. Era visível que músicas como “Tarde Vazia” e “Eu Quero Sempre Mais”, imortalizadas no acústico MTV de 2004, eram as mais celebradas, além do hino “Envelheço na Cidade”. Porém talvez a que mais se identifique com o momento atual brasileiro seja “Núcleo Base”. Quando Nasi canta “eu quero lutar, mas não com essa farda”, uma referência clara ao regime militar, é impossível não se lembrar do atual nacionalismo extremo que corre por várias ruas brasileiras. Ainda rolaram algumas pérolas menos conhecidas (mas celebradas por antigos fãs), como “Rubro Zorro”, do subestimado “Psicoacústica” (1989), e as tradicionais homenagens para James Brown (“I Got You [I Feel Good])”, Jimi Hendrix (“Foxy Lady”) e, fechando a apresentação, “My Generation”, do The Who.
Nos últimos anos a banda passou seu tempo na estrada divulgando o ao vivo Ira! Folk, com as músicas do grupo em formato voz e violão. A iniciativa é legal, deu certo e passou por todo o país com shows lotados. Porém o Ira! elétrico é algo único. A conexão de Nasi com Edgard, vocalista e guitarrista, está sem sombra de dúvidas entre as mais icônicas da história do rock nacional. Com quase 60 anos, Nasi continua com aquela voz rouca, com aquele toque de blues que emociona, além de ser um grande frontman. Edgard continua a tocar guitarra de forma magistral – o cara consegue mandar Hendrix e Johnny Ramone com a mesma genialidade. A banda que os acompanha atualmente – Evaristo Pádua na bateria e Johnny Boy no baixo –também é de alto nível, executando as partes que foram originalmente gravadas por André Jung e Ricardo Gaspa de forma perfeita.
Apesar de não lançarem um disco de inéditas desde 2007, portanto há quase 13 anos, a banda prometeu que no começo do ano que vem os fãs podem ficar tranquilos, vem álbum novo do Ira! por aí, e com certeza mais shows do grupo em São Paulo e, claro, pelo Brasil todo. 2020, vai demorar para chegar?
– Daniel Abreu é jornalista responsável pelo Geleia Mecânica e colaborador do Whiplash.
Leia também:
– Ira! 2007: “A gente sempre acaba descobrindo um terceiro som”, diz Egdard (aqui)
– Ira! 2001: “Procuramos fazer justiça com nosso repertório”, diz Edgard (aqui)
– Nasi 2010: “Perdemos a oportunidade de dar um tempo”, diz sobre o Ira! (aqui)
– Nasi 2013: “Se tem uma pessoa que pode dizer se o Ira! volta ou não, sou eu” (aqui)
–Nasi 2015: “Psicoacústica” é um disco esquisito para o padrão radiofônico brasileiro” (aqui)
– “Vivo na Cena”, Nasi -> “O Ira! está morto, mas Nasi está vivo… e rouco”, por Mac (aqui)
– A volta do Ira! em São Paulo: “O grande show da Virada Cultural de 2014” (aqui)
– Edgard Scandurra, 2001: ““Kid A”, do Radiohead, é muito bom. Moby também é chocante”
– Edgard Scandurra, 2007: “Foi superimportante a minha experiência solo” (aqui)
– Edgard Scandurra ao vivo, 2002: “Por 50 minutos, Edgard emocionou a platéia” (aqui)
– “Ao Vivo”, Edgard Scandurra promove uma viagem ao tempo dos “Amigos Invisíveis” (aqui)
– A volta do Ira! em São Paulo: “O grande show da Virada Cultural de 2014” (aqui)
– Ao vivo no Festival Casarão 2013, Porto Velho, Nasi mostra vigor e lucidez (aqui)