Boteco: 12 cervejas nacionais

por Marcelo Costa

Abrindo mais uma série de cervejas variadas com a Wit Lager da Mohave, cigana carioca que produziu essa receita (que inclui limão siciliano, semente de coentro e pimenta rosa) na fábrica da Allegra, em Jacarepaguá, Rio. De coloração dourada cristalina e creme branco de baixa formação e rápida dispersão, a Mohave Wit Lager apresenta um aroma com bastante presença de cereais, leve toque de mel e praticamente nada de percepção de limão, coentro e pimenta – há, ainda, sugestão de off flavour de papelão, leve, mas perceptível. Na boca, doçura maltada no primeiro toque seguida de uma discreta (discretíssima) percepção de coentro e, talvez, pimenta rosa. O amargor é bem baixo e a textura, leve. Dai pra frente, uma American Lager com traços quase imperceptíveis de witbier, que refresca… e só. No final, doçura de malte. No retrogosto, refrescancia.

Do Rio para São Paulo com uma cigana interiorana que produz suas cervejas no Brew Center, em Ipeúna, a St. Patrick’s Beer, que chegou ao mercado em agosto de 2019 com quatro rótulos, entre eles este American IPA, cuja receita inclui dry-hopping com os lúpulos norte-americanos Citra e Mosaic. De coloração dourada cristalina com creme branco espesso de ótima formação e longa retenção, a St. Patrick’s Beer American IPA apresenta um aroma com bastante sugestão de frutado e toque cítrico e tropical. Há percepção sutil de resina e nada de caramelo. Na boca, doçura cítrica no primeiro toque sem muita definição de fruta seguida de doçura frutada, resina leve e amargor muito mais comportado do que os 50 IBUs que a casa adianta prometem. A textura é cremosa e, dai pra frente, segue-se um perfil de American IPA tradicional, mas muito bem resolvido, com tudo perfeitamente equilibrado. No final, doçura cítrica. No retrogosto, refrescancia, cítrico e leve doçura.

De São Paulo para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, com a 2Hops, mais uma receita da Seasons que, aparentemente, chegou contaminada (tal qual a The Cow is on the Table) transformando o que deveria ser uma American Pale Ale em uma Belgian Farmhouse Ale. De coloração dourada levemente turva com creme bege claro abundante, quase gushing, de longa retenção, a Seasons 2Hops apresenta um aroma campestre, de Saison, com notas que remetem a ervas (cidreira), rusticidade de fazenda (curral, feno) e leve doçura maltada. Na boca, doçura de mel de laranjeira no primeiro toque seguida de ervas e funky bastante suave. O amargor é baixo, a textura é levemente cremosa e picante. Dai pra frente, assim como a The Cow is on the Table, a 2Hops perdeu seu perfil original e se transformou numa suave Saison, com toques herbais e de fazenda. No final, erva cidreira. No retrogosto, feno, cítrico e couro.

De Porto Alegre para Belo Horizonte, casa da Wäls, que acertou a mão em sua Session (IPA) Citra e vem replicando a receite em versões single hop. Primeiro foi a Willy (com trigo e o lúpulo alemão Callista) depois a Haze (com levedura Vermont) e então a Wäls 59 Anos Pão de Açúcar 2018, uma Session IPA com perfil definido pelos lúpulos Amarillo e Galaxy. Agora surge a Wäls Session IPA 60 anos Pão de Açúcar, uma cerveja de coloração dourada com creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, notas cítricas suaves além de herbal leve. Na boca, doçura cítrica e leveza no primeiro toque seguido de cítrico e herbal suaves e amargor baixo (os 35 IBUs declarados soam até muito, 25 está de bom tamanho). A textura é leve, com discreta cremosidade. Dai pra frente, uma Session IPA popular que segue a boa qualidade da Session Citra, também da Wäls, num bom custo beneficio. No final, secura com um toque cítrico e herbal. No retrogosto, leve cítrico, suavidade e refrescancia.

Do Belo Horizonte para São Paulo com mais uma cerveja da Votus, desta vez a de número 018, uma Doppelbock produzida no Laboratório da Cerveja, em Diadema, que recebe adição de café do Santo Grão escolhido e torrado pela renomada barista Keiko Sato. De coloração marrom acastanhada e creme bege de média formação e retenção, a Votus 018 apresenta um aroma com café destacado, até demais, pois encobre totalmente as outras sugestões do estilo, mas é possível notar algo de chocolate e de frutas escuras, bem sutis diante do brilho do café. Na boca, um replay, com o café estendendo seu domínio para o primeiro toque e esticando garganta abaixo deixando um traço de doçura pelo caminho, delicado, e uma remissão a uva passa. O amargor é baixo, a textura é suave, cremosa, gostosa. Dai pra frente, a sensação de uma cafezão gelado, delicioso, com o item adicionado brilhando e mudando o estilo dessa Doppelbock para uma Coffeebock. No final, café e doçura. No retrogosto, mais café.

De São Paulo para o Rio de Janeiro com uma colab da Three Monkeys com a Hocus Pocus produzida na fábrica da Eireli, em Guapimirim, a New Dawn, uma Berliner Weisse com adição de erva mate, limão, trigo em flocos e canela. De coloração âmbar alaranjada com creme bege clarinho de boa formação e permanência, a New Dawn apresenta um aroma com presença predominante de mate com limão, mas deixando perceber suavemente acidez e, ainda, cereais. Na boca, mate com limão no primeiro toque, a canela marcando presença com delicadeza na sequencia e a acidez, baixíssima, tomando o lugar que normalmente é do amargor. A textura é suave com pouca frisância. Dai pra frente, a sensação é de estar bebendo mate com limão geladinho e sem álcool (são 4%), já que a acidez é totalmente domada pelos itens adicionados (o que acontece normalmente nas Berliners alemãs que recebem adição de essência). Ou seja, não está fora do estilo, mas se você espera acidez, não se anime. No final, mate mais preponderante, com a acidez do limão batendo ponto no retrogosto. Curiosa.

Do Rio de Janeiro para a Cervejaria Curitiba, na capital paranaense, responsável pela produção das cervejas da Morada presentes em um festival de cervejas do Grupo Pão de Açúcar. Essa é a Plinia Sour, uma Berliner Weisse com jabuticaba que apresenta uma coloração avermelhada com traços brancos e creme branco de média formação e rápida dispersão. No nariz, percepção suave de acidez e um aroma que tanto pode ser de jabuticaba (sem a doçura da fruta, atropelada pela acidez) quanto de Amandita. Na boca, acidez moderada no primeiro toque seguindo de sugestão de jabuticaba, mas sem a doçura da fruta (ainda que aqui, também, o traço de Amandita permaneça marcante). A acidez continua dando as cartas enquanto a fruta apenas traz um colorido para o conjunto. A textura é leve, com acidez bastante baixa pruma Berliner. Dai pra frente, uma cerveja bastante refrescante, levemente frutada, que fica aquém de outras ótimas Sours que a Morada já fez. No final, jabuticaba e Amandita. No retrogosto, refrescancia.

De Curitiba para Várzea Paulista com mais uma da Cervejaria Dadiva, desta vez, a Smooth Bite IPA, uma Milkshake IPA com adição de lactose, extrato de baunilha e suco de pera, além de flocos de aveia, trigo e cevada, De coloração amarela turva puxada para o palha e creme branco espesso de boa formação e longa retenção, a Dádiva Smooth Bite IPA apresenta um aroma com leve remissão a Saison combinada com Blond Ale, uma pega meio arisca e também meio doce, com um toque azedinho, presença cítrica e percepção de leve doçura. Na boca, doçura cítrica deliciosa e apaixonante no primeiro toque seguida de uma pancadinha de pera, um leve azedumizinho seguido de acidez e amargor baixos, mas presentes. A textura é cremosinha e levemente picante. Dai pra frente, surge um conjunto que não lembra muito bem o de uma Milkshake IPA, mas, ainda assim, é uma cerveja incrível, deliciosa. No final, picância e pera. No retrogosto, picância, pera, refrescancia e doçura.

Mantendo-se em São Paulo, mas saindo do interior para o bairro do Limão, na capital, com mais uma representante da Cervejaria Tarantino, a Scottish Ale da casa, uma estilo escocês de cerveja com uma pegada bem maltada, mas não tão alcoólica. De coloração âmbar acastanhada com creme bege de boa formação e média alta retenção, a Tarantino Scottish Ale apresenta um aroma com bastante sugestão de frutas escuras, nozes, Amandita, malte e caramelo tostado. Na boca, caramelo tostado delicioso no primeiro toque seguido de uma pegada de nozes e frutas escuras além de um amargor bastante suave, 20 IBUs limpos e equilibrados para o conjunto. A textura é cremosa e, dai pra frente, surge um conjunto bastante agradável, com o malte trazendo muitas características deliciosas derivadas da tosta. No final, malte tostadinho. No retrogosto, biscoito, caramelo tostado e nozes. Curti.

De São Paulo para o Rio, ainda que a cervejaria carioca Jeffrey produza seus rótulos atualmente na cervejaria Trieste, em Potirendaba, cidade próxima de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e retorne ao site com a Rio, uma Pilsener de coloração dourada e creme branco de boa formação e média alta retenção. No aroma, percepção de doçura caramelada advinda da malteação e praticamente nada de lúpulo. Há, ainda, discreta sugestão de cereais. Na boca, doçura de malte no primeiro toque, doçura de malte na sequencia com leve presença de cereais e, também, de doçura de malte. O amargor é baixo, 15 IBUs que são atropelados pela… doçura do malte. A textura é leve e, dai pra frente, uma Pilsner bem simplista e bastante adocicada, que está na briga muito mais com as populares do que com as artesanais – que era o que se esperava. No final, ok, você sabe: doçura caramelada que se estende ao retrogosto, suavemente.

Ainda no interior de São Paulo, mas agora em Ribeirão Preto, casa da cervejaria Pratinha, que retorna ao site com sua premiada Porter, Porteira e Portão, uma English Porter com adição de extrato de amendoim. De coloração marrom escura praticamente preta e creme bege espesso de ótima formação e média alta retenção, a Pratinha Porter, Porteira e Portão oferece no aroma uma paleta que junta tanto sugestão de chocolate ao leite e amargo, amendoim interessante (saca paçoquinha?), tosta e torra leves e remissão a caramelo tostado e café com leite. Na boca, o café salta à frente no primeiro toque, mas de maneira sutil, trazendo na sequencia algo de cappuccino, caramelo tostado e chocolate amargo. O amargor é baixo, mas presente, 20 IBUs que, no entanto, não atrapalham o domínio do café e do amendoim no conjunto. A textura traz baixa cremosidade e, dai pra frente, o perfil delicioso segue trazendo café, amendoim, leite e tosta. No final, café. No retrogosto, amendoim, café e caramelo tostado.

Mantendo-se no interior de São Paulo, mas saindo de Ribeirão Preto e indo pra Itupeva, casa da Startup Brewing, que retorna ao site com mais um exemplar de sua linha mais popular, a Unicorn, que marca presença com sua NEIPA, uma New England IPA de coloração amarela bastante turva, juicy tal qual um suco de caju, e creme branco espesso de boa formação e média alta retenção. No nariz, frutado intenso sugerindo frutas amarelas (com predominância de laranja – principalmente casca) e leve picância. Na boca, suco de laranja lima no primeiro toque seguido de mais sugestão de frutas amarelas e cítricas (até sugestão de limão sicialiano há), refrescancia e amargor baixo, 30 IBUs cítricos com um tiquinho de doçura. A textura é suave com certa cremosidade. Dai pra frente, segue-se um conjunto delicioso de New England IPA, com bastante sugestão de frutas e de notas cítricas, doçura baixa e muita refrescancia. No final, laranja lima. No retrogosto, refrescancia, laranja, limão, felicidade.

Balanço
Começando pela Mohave Wit Lager, pode até ser que o conjunto estivesse já cansado, mas que não pareceu nada de mais de uma American Lager, pareceu. Na mesma toada, eu não esperava muita coisa da St. Patricks Beer American IPA, mesmo com prêmio no Worlds Beer, mas não é que ela é realmente bem redondinha? Baita surpresa boa. Já a Wäls Pão de Açúcar 60 Anos, a minha sensação é de que a versão 59 anos (do ano passado) era mais caprichada, ainda que a receita seja a mesma. Não sei, mas ainda assim é uma boa Session. A Votus 018 é uma deliciosa Doppel amaciada pelo ótimo café inserido. Já a Three Monkeys e Hocus Pocus New Dawn é mate com limão geladinho e quase nenhuma acidez. A Morada Plinia Sour é uma Berliner ok para o estilo, mas uma decepção para a Morada, que já entregou coisa muito melhor. A Dádiva Smooth Bite IPA é uma Milkshake IPA deliciosa. Boa surpresa foi a Tarantino Scottish Ale, uma cerveja altamente degustável por um ótimo preço. A Jeffrey Rioé outra que entra no território da decepção com uma cerveja totalmente sem graça. Já a Pratinha Porter, Porteira e Portão é uma English Porter bem interessante. Fechando com a Unicorn NEIPA, o melhor custo beneficio do mercado nesse estilo, e uma delícia.

Mohave Wit Lager
– Produto: Standart American Lager
– Nacionalidade: Rio de Janeiro, RJ
– Graduação alcoólica: 4.4%
– Nota: 2,19/5

St. Patricks Beer American IPA
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Ipeúna, SP
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,28/5

Seasons 2Hops
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Porto Alegre, RS
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: —/5

Wäls Pão de Açúcar 60 Anos
– Produto: Session IPA
– Nacionalidade: Belo Horizonte, MG
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3,21/5

Votus 018
– Produto: Doppelbock
– Nacionalidade: Diadema, SP
– Graduação alcoólica: 8.5%
– Nota: 3,37/5

Three Monkeys e Hocus Pocus New Dawn
– Produto: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Guapimirim, RJ
– Graduação alcoólica: 4%
– Nota: 3,11/5

Morada Plinia Sour
– Produto: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Curitiba, PR
– Graduação alcoólica: 3.9%
– Nota: 3,17/5

Dádiva Smooth Bite IPA
– Produto: Milkshake IPA
– Nacionalidade: Várzea Paulista, SP
– Graduação alcoólica: 6.2%
– Nota: 3,99/5

Tarantino Scottish Ale
– Produto: Scottish Ale
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3,39/5

Jeffrey Rio
– Produto: Pilsner
– Nacionalidade: Rio de Janeiro, RJ
– Graduação alcoólica: 4.2%
– Nota: 2,41/5

Pratinha Porter, Porteira e Portão
– Produto: English Porter
– Nacionalidade: Ribeirão Preto, SP
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3,36/5

Unicorn NEIPA
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Itupeva, SP
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3,75/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

2 thoughts on “Boteco: 12 cervejas nacionais

  1. Marcelo, achei o post depois de procurar sobre a Seasons 2hops. Acabei de tomar uma e tive a mesma impressão que você: hipercarbonatada e muito diferente da mesma cerveja que tomei há um ano atrás (essa acabei de comprar no clube do malte e veio vencida). Mesmo assim, achei ótima. O que era pra ser uma IPA velha e “cansada” virou uma saison envelhecida há um ano! Kkk

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