por Leonardo Vinhas
O Prêmio Grão de Música (PGM) é uma premiação que vem acontecendo anualmente desde 2014. Idealizado pela cantora e compositora paraibana Socorro Lira, o PGM se diferencia não apenas pelo caráter não-competitivo, mas principalmente por escolher premiar a obra e a trajetória dos artistas, e não apenas o lançamento daquele ano.
Os artistas escolhidos são premiados com uma escultura em bronze criada pelo artista plástico Elifas Andreato, e têm uma faixa incluída em uma coletânea, que é editada fisicamente e também pode ser ouvida em streaming (ouça todas aqui). Os CDs são distribuídos gratuitamente, então, seja online ou em suporte físico, o Prêmio cumpre sua premissa de “oferecer à comunidade o acesso ao conteúdo das produções independentes de músicos e musicistas”, segundo palavras deles próprios. Mais ainda, cumpre a proposta de apresentar nomes de todo o país que costumam ficar fora das discussões e publicações nos espaços culturais mais visitados.
Os escolhidos de 2019 são uma prova disso. Estão presentes ali nomes bem conhecidos, como Rolando Boldrin e Alessandra Leão. Mas você conhece Gildomar Marinho, Sabah Moraes ou Josyara? Talvez você nunca tenha ouvido falar do mineiro Wilson Dias ou da carioca (residente em São Paulo) Geovana, mas as faixas deles presentes na coletânea – respectivamente, “Boi Brasil” e “Atabaque das Antilhas” – dão aquela vontade de ir correndo atrás da obra deles. Ainda que se note certa irregularidade, a coletânea de 2019 traz um material tão sólido – e tão bem selecionado – que soa como um disco pensado para sê-lo, e não como um compilado de faixas gravadas em diferentes períodos e circunstâncias, por artistas que nunca se encontraram.
“Procuramos fazer e fazemos as coisas em equipe, perguntando, consultando pessoas. As curadorias regionais funcionam como um primeiro olhar, horizontal, a partir do local e das regiões. Depois, tem a curadoria central que elege os quinze nomes premiados. Todas essas pessoas têm uma relação zelosa e responsável com a mensagem que querem espalhar por aí. E creio mesmo que a subjetividade define nossas escolhas. Toda escolha é, em certo sentido, afetiva”, explica Socorro Lira em entrevista ao S&Y.
“Existe um Brasil extenso e musicalmente diverso que não se vê, porque não é mostrado, porque não se fala dele, mas que sempre foi, é e será fundamental para a afirmação de uma identidade brasileira no que isso tem de melhor, de mais elevado, libertador e democrático”, diz a cantora, ciente de que a arte tem papel particularmente importante nesse momento. Socorro falou ainda sobre a mecânica e os critérios do prêmio. Confira.
O PGM se propõe a premiar pelo conjunto da obra. Mas é interessante notar que também escolhe nomes que não frequentam os espaços mais “badalados” da chamada “imprensa cultural”. Garimpar entre trabalhos que não estejam em evidência nesses espaços também é parte importante da proposta do Prêmio? E sendo assim, como acontece o “garimpo” desses artistas?
Nem sempre as grandes obras são notadas e reconhecidas como tais. Ainda menos se são criadas por determinados segmentos da sociedade: mulheres, população negra e indígena, LGBTs etc. O cânone, o estabelecido, muitas vezes tem sexo, cor, classe social e situação geográfica. O Prêmio Grão de Música nasce justamente por isso e para isso: botar luz no que precisa e deve ser visto para o bem do país e do mundo. Arte é essencial do espírito, da consciência, do inconsciente coletivo, é coletiva. É para a evolução. E ela cumpre papel importante nas nossas vidas. Retire a arte e a cultura e mate a alma de um povo! Por isso artistas e suas criações são fortemente atacadas em tempos politicamente sombrios. O PGM tem curadores e curadoras regionais por quase todo o Brasil. Esses e essas olham as cenas locais, artistas e obras produzidas e mandam para a comissão central em São Paulo que faz a seleção final dos premiados e premidas. A cada edição temos uma média de 11 a 12 Estados presentes. O PGM vem cumprindo seu propósito de revelar e referendar obras e trajetórias artísticas relevantes, vemos isto olhando os números e a repercussão obtidos. Penso que é bom e possível expandir as ações agora, sem nos perdermos nem abrirmos mão do “modo Grão de ser”. Além disso, espero que inspire e encoraje outras iniciativas. Será incrível quando tivermos várias premiações reconhecidamente comprometidas em revelar e afirmar a grande canção brasileira criada em todos os recantos do país.
Já é sabido que o consumo do formato físico de música diminuiu bastante. Porém, o Prêmio faz questão de oferecer um CD de distribuição gratuita com uma faixa de cada artista selecionado para aquela edição. Qual a importância desse registro em CD para vocês?
Verdade, a plataforma digital é um fato e não tem volta. Em breve ouviremos música sem nem precisarmos desses aparelhinhos, virão pelas ondas e nós a captaremos diretamente através de nossas conexões neurais ou transcendentes. Mas, por ora, como ainda usamos ‘coisas’ físicas’, o CD, no caso, é um registro desse momento, desse fato, para ser guardado. É como escrever na parede da caverna, na pedra, deixando notícias às gerações que virão. Só a arte do Elifas Andreato na capa já é um bom motivo para se ter um CD Grão de Música (risos).
Notei, especialmente entre os selecionados de 2019, uma proposta estética também diferente daquela que é mais frequentemente presente em mídia especializada e festivais de médio porte: muitos artistas com uma proposta musical mais orgânica, menos afeita à eletrônica e aos ventos da moda. Essa busca por uma sonoridade menos conectada a modismos é intencional?
Há espaço para todas as formas de expressão. Se não há, precisamos criar. O que conhecemos como MPB e que chamamos aqui de Canção Brasileira ficou sem lugar, muitas vezes relegada a coisa fora de moda, não raramente segregada sob o rótulo de “regional”. [O crítico musical] José Ramos Tinhorão diz, em seu livro “História Social da Música Popular Brasileira”, que o “universal é o regional de algum lugar que alguém pegou e impôs, pelos meios que dispôs, como universal para todo mundo”. Concordo com ele. Então, claro que respeitando toda a diversidade existente, o PGM se ocupa e se dedica especialmente ao gênero canção que, por sinal, é muito amplo.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.