por Marcelo Costa
Quatro anos atrás, o quinteto gaúcho Josephines debutava com um bonito disco cheio autointitulado – antes, o único registro do grupo era uma versão de “War on War”, do Wilco, presente no álbum “A box full of versions” (2012), tributo ao disco “Yankee Hotel Foxtrot”. Esse disco tributo, inclusive, foi organizado por Luiz Spinelli, guitarrista e principal compositor da Josephines, e trazia, além da própria banda, nomes como Lestics, Harmada, The Sorry Shop, Foppa e Giancarlo Rufatto, entre outros (baixe aqui).
Agora, a Josephines retorna com “Hope or Broken Wings” (2019), seu segundo trabalho, um disco que começou a ser burilado em 2016, e, por isso, sofreu influência direta desse período conturbado que a democracia e os direitos humanos estão passando na dilacerada Ilha de Vera Cruz. “O peso simbólico que traz um lado meio distópico nele veio aos poucos, conforme a gente se afundava cada vez mais nesse pesadelo que é o Brasil de 2019”, conta Luiz Spinelli em entrevista por e-mail.
Na conversa abaixo, Spinelli reflete também sobre a trajetória da Josephines até aqui (além dele, a banda conta com Murilo Sedrez na voz, Alex Quadros no baixo, André Rodrigues na bateria e Régis Garcia nas teclas, percussão e programação), fala sobre influências e, ainda, da importância de rádios, selos e mídia independente. Apesar do lado meio distópico do novo disco, Spinelli avisa: “Não é um disco panfletário (…), mas reflete a nossa tentativa de resistir. E tem esperança no nome, porque é o que a gente precisa para seguir em frente”. Confira o papo e ouça o disco!
Três anos separam “Hope or Broken Wings” de “Josephines”, o disco de estreia de vocês. Como você sente esse segundo disco em relação ao primeiro? É uma sequencia, uma evolução ou a ideia é tatear as mesmas referências?
Eu vejo as bandas novas e a maioria delas parece que já surge bem resolvida no primeiro disco, com som pronto e foco bem claro, e a gente não é assim. Nós começamos a Josephines com a ideia de ser uma banda de Post-Punk, daquelas que todo mundo se veste de preto, mas por ter liberdade artística e vontade de experimentar em estúdio, no primeiro disco acabaram aparecendo outras influências não planejadas, como grunge e space rock, e a gente percebeu que na verdade o que nos influenciava era a psicodelia através do filtro dos anos 80, de bandas como Echo and the Bunnymen e The Jesus and Mary Chain, e que a gente poderia experimentar outros filtros, de anos 90, R&B, Soul, alt-country, etc. Então na hora de gravar o “Hope or Broken Wings” a gente já tinha um pouco mais de maturidade sobre o que fazer, de continuar a explorar possibilidades nas canções, ainda que elas fossem bem diferentes entre si no disco, mas com um fio condutor que busca uma unidade e começa a formar uma identidade. E isso é um processo que a gente ainda está descobrindo. Ainda tem bastante das referências iniciais, de Velvet Underground, Dylan, Bowie, Post-Punk e Screaming Trees no nosso som, mas também já estamos andando por caminhos diferentes, experimentando com o filtro psicodélico sonoridades como o Soul da Stax, post-rock e Trip-Hop. Yo La Tengo, Centro-Matic e Pink Mountaintops fizeram percursos parecidos e levaram um bom tempo pra se encontrar, a gente vai seguir procurando e já com curiosidade para um terceiro álbum.
O disco está saindo com o apoio dos selos Lovely Noise e Crooked Tree Records e a Josephines tem lugar cativo na programação de rádios independentes, como a Vinil FM. Como você vê sente a importância dessa rede de apoio e divulgação?
Selos, rádios e mídia independentes são essenciais pras bandas pequenas. Não sei se tem muita gente interessada no que a gente faz, me parece que a relação das gerações mais novas com a música é diferente, mais de playlist do que de disco, mas dentro do que é possível, sem grana e o suporte de grandes veículos, ainda assim a gente consegue – com essa rede de apoio e amigos – disponibilizar a nossa música pra boa parte do que seria o nosso público alvo. E no outro lado, como consumidor de música em um nível que talvez não seja exatamente saudável, eu acho isso a coisa mais legal da internet. De ter acesso a coisas diferentes que não se preocupam com sucesso comercial.
No e-mail que chegou apresentando o disco, você escreve: “E é a nossa vingança contra o Brasil de 2019, porque canalhas odeiam arte.”. Como esse período de trevas influenciou o disco? Ou é apenas um propulsor para se fazer arte que não precisa diretamente estar conectada com os fatos tristes que vivemos?
A gente sempre foi antifascista na banda. Alguns com histórico de tocar em grupos punk, outros por envolvimento com literatura e a academia, ou simplesmente porque somos seres humanos minimamente decentes, mas na Josephines isso entrava na temática das letras mais metaforicamente, tratando de microrrelações humanas ou como manifestações libertárias. Só que tudo isso foi ressignificado, em forma e conteúdo, porque interfere diretamente nas nossas vidas. O disco começou a ser feito em 2016, mas o peso simbólico que traz um lado meio distópico nele veio aos poucos, conforme a gente se afundava cada vez mais nesse pesadelo que é o Brasil de 2019. Não é um disco panfletário, com palavras de ordem, mas como toda arte reflete o seu tempo e também reflete a nossa tentativa de resistir, como a gente faz no dia a dia, cada um na sua profissão. E tem esperança no nome, porque é o que a gente precisa para seguir em frente.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.