Texto, fotos e vídeos por Bruno Capelas
Tem artistas que às vezes não conseguem se desvencilhar do passado e se tornam pesados, rancorosos, incapazes de seguir em frente. Definitivamente não é o caso de Lô Borges: quem compareceu ao último dos três shows da temporada de lançamento do disco “Rio da Lua” (2019) em São Paulo, no teatro do Sesc Pompeia, pode ver que o mineiro está leve e muito à vontade com sua música. Também, pudera: os últimos anos foram muito bons para Lô, graças à redescoberta de seu primeiro álbum, conhecido como “Disco do Tênis”, de 1972, e bem-vindas parcerias com Samuel Rosa, inclusive em um álbum ao vivo cheio de petardos.
A boa onda o fez sair da pecha de “o outro cara que assina o Clube da Esquina” e lhe deixar despojado em cena, contando histórias e fazendo gracinhas – seja agradecendo à água de coco da produção paulistana ou brincando com os músicos que ficam atrás dele no palco, “olhando o tamanho da minha bunda”.
A postura, no entanto, não se reflete apenas no que diz, mas também na música: sem a timidez que às vezes exibe, Lô soube empolgar o público, ao mesmo tempo em que não precisou fazer concessões. É algo perceptível na forma como dosou as canções de seu novo disco – todo feito em parceria com Nelson Ângelo, amigo antigo, mas colaborador novo – com hits do “Clube da Esquina” e lados-B de seu disco “A Via Láctea”, gravado em 1979, sete anos após o “Tênis.
“É rock progressivo antes do rock progressivo”, brincou o mineiro sobre “Equatorial”, parceria esperta dele com Beto Guedes e o irmão Márcio Borges. Outro irmão, Telo, é quem comandava o teclado e os backing vocals no show – ajudando o clima de família a se estabelecer. A banda executava as músicas com tanta delicadeza, mas sem perder o punch, que Lô até arriscou batizá-la com novo nome: “Modo Avião”.
De “Via Láctea”, ainda vieram “Sempre Viva”, “A Olho Nu”, “Vento de Maio” (de Telo com Márcio) e o hit “Clube da Esquina nº2” – cuja letra, contou Lô, só nasceu depois de uma “intervenção” de Nana Caymmi e “sua delicadeza”. “Porra Márcio, faz uma letra pra esse mantra”, teria dito a vetusta cantora ao irmão de Lô. Outra canção dos primórdios, por vezes subestimada, mas que fez bonito no frio paulistano, foi “Feira Moderna”, cuja letra em tom quase-surrealista parece cada vez mais atual. (Por outro lado, ficou faltando alguma música do “Disco do Tênis”. Nem sempre se pode ganhar todas).
Também marcaram presença duas belas produções de Lô no século XXI: “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor?” e “Dois Rios”, esta última composta ao lado de Nando Reis e Samuel Rosa. “Queria agradecer ao Samuel por ter me levado pra tomar dois cafés e uns 10 pães de queijo, porque foi assim que nasceu essa melodia”, contou Lô.
As músicas do novo trabalho não destoaram do clima radiofônico: em especial, destaque para “Partimos”, a primeira das 10 canções a serem feitas por Lô & Nelson, e para “Em Outras Canções”, que surgiu um tom abaixo da gravação original. “Aquele tom agudo eu só consigo na minha casa, às 10 horas da manhã. Ao vivo não dá”, brincou o mineiro, em uma sensível demonstração de que o tempo passou – e que às vezes, é melhor mesmo reconhecer isso com dignidade do que fingir, como tantos outros fazem por aí.
No quarto final do show, porém, não sobrou pedra sobre pedra. Isso porque era a hora de encaminhar os grandes sucessos da carreira do mineiro. Primeiro, veio “Trem de Doido”, cujo solo de guitarra (um dos maiores já produzidos em território nacional!) foi executado com perfeição e emoção pelo guitarrista Henrique Matheus (da banda mineira Transmissor). Depois, “Trem Azul”, para fazer a dupla de canções “ferroviárias” do “Clube da Esquina”. Foi outra em que Matheus brilhou – e o público só embarcou na emoção. Para fechar o set inicial, veio ainda a vespertina “Paisagem da Janela”, em uma releitura tão calorosa que fez esquecer os anos de maus tratos sofridos pela canção em rodinhas de violão ripongas Brasil afora.
Sem nem ter tempo de ir ao banheiro, Lô voltou para o bis com outras duas canções . A primeira, ele fez aos 19 anos de idade, com o irmão Márcio. É “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”, um hit incontornável, uma declaração de amor, uma descrição das coisas belas que o Brasil já criou e por vezes se esquece – como as canções de João Gilberto, também citado pelo mineiro em palco.
Depois, uma obra ainda mais antiga: “Para Lennon e McCartney”, feita há 50 anos (e quando Lô tinha só 17). Seu grito primal, cantado a todos os pulmões pelo público do Sesc Pompeia – “eu sou da América do Sul / eu sei, vocês não vão saber” – parece precisar soar cada vez mais nesta terra. Para quem deixou a seleção e o frio de lado, a conclusão da noite deste domingo, 7, foi fácil: Lô é ouro, Lô é Minas Gerais – e ainda bem que ele segue aqui.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista do Estadão. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
Eu tive a honra de ver o show onde o Lô tocou o disco do tênis na íntegra, também no SESC Pompéia. Foi um dos shows da vida.