por Marcelo Costa
“O Amor no Caos – Vol 1”, Zeca Baleiro (Sarava Discos)
Aos 53 anos, o senhor José Ribamar Coelho Santos, aka Zeca Baleiro, chega aos 11º álbum de inéditas mantendo sua personalidade pop deliciosamente intocada. Ou seja, aquela definição sobre o excelente “Disco do Ano” aqui no Scream & Yell sete anos atrás permanece válida com Zeca seguindo firme na busca pela “aproximação do pop à Lulu Santos com o popular à Odair José” – com umas aliterações gessingerianas no pacote. A duas ótimas primeiras faixas se destacam com a primeira atestando que “Todo Super-Homem tem seu dia de Clark Kent” enquanto a divertidamente paulistana “Ela Nunca Diz” conta a história de uma garota que tem “um canal de maquiagem no Youtube com vídeos de um milhão de views” para enfileirar rimas que farão Humberto Gessinger gargalhar de felicidade com um chimarrão na mão (“Ela veio deslizando como uma ubermodel de Uberlândia, de Uberaba, de Uber, de taxi” ou “Curte pop punk, bandas de nomes bizarros, mas pelas amigas topa ir no Villa Mix / Ela foi cinéfila, só ia no Belas Artes, mas agora se contenta com a Netflix”). Vale ainda destacar a pop oitentista “Pela Milésima Vez” (parceria com Paulinho Moska), a colaboração com Cynthia Luz (que canta na faixa) em “Mais Leve” e a presença intensa de Rincon Sapiência em “O Linchador”, mas quando compõe só os resultados são mais fortes, como demonstra as duas faixas que abrem e a de encerramento, “Outra Canção de Exílio”, em que Zeca conta: “Tenho os meus vícios, tenho os meus hobbies / Não rezo a Cristo nem a Steve Jobs”.
Ps. O “Vol. 2” sairá no segundo semestre!
Nota: 7
“O Menino Velho da Porteira”, Dario Julio e Os Franciscanos (Independente)
O projeto mais conhecido do corumbaense Dary foi o Terminal Guadalupe (vale conhecer a lorena foi embora…, que teve seu único disco enfim liberado para streaming), banda curitibana que entre 2003 e 2010 lançou um punhado de grandes canções e três ótimos discos ( “A Marcha dos Invisíveis”, o melhor, mantém o mesmo frescor… 12 anos depois). Parte da crítica da época pegava no pé do compositor pela influência escancarada da Legião Urbana no som do Terminal (ainda que o grande guitarrista Allan Yokohama acrescentasse um toque grunge), e, até por isso, se surpreendeu quando o Terminal gravou uma grande versão de “Que Saudade de Você”, de Odair José, para o ótimo tributo “Vou Tirar Você Desse Lugar”, em 2005. Não estranha então que o primeiro disco do novo projeto de Dary (que debutou nos tributos a Belchior e Engenheiros do Hawaii), dedicado a sua mãe, tenha Odair José como grande inspiração. Canções como “Tchau, Amor”, com voz impostada e delicioso sotaque pantaneiro, e o climão brega (pop) de “Oi” e (orquestral de) “Ensaio Sobre a Lealdade” (duas faixas recuperadas de outro projeto de Dary, o Rosablanca), dão o tom. Dois belos momentos poéticos se destacam: a baladaça cortante “Como Diria o Poeta”, que traz citação atravessada de Manoel de Barros e Manoel Magalhães e uma estrofe de chorar (“Minha raiz é minha ética / E me deu tudo do que preciso / Índio, negro e português, amor / Todas as raças deste mundo”) assim como a autobiográfica, familiar e emocional “De Ninguém”, faixas que credenciam um grande disco e uma grande volta.
Nota: 7
“Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio”, Odair José (Monstro Discos)
Há um pouco do goiano Odair José em cada um dos dois discos acima, e aqui é ele quem marca presença com seu 37º álbum, “Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio”, que fecha uma trilogia rock aberta com “Dia 16” (2015) e seguida por “Gatos e Ratos” (2016), sempre em alto nível. De produção caprichada, com guitarras no talo e sonoridade cristalina, “Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio” flagra Odair observando o mundo criticamente e construindo narrativas com as sabedorias, loucuras e equívocos que o (nos) cerca, num tom meio decepcionado com o mundo moderno. Na porrada de abertura, “Hibernar”, ele conta que “não dá pra saber quem é o inimigo”. Seguem-se o bluezão com gaita esperta “Casa das Moças” e outro rockão, “Ouvindo Rádio”, que rende homenagem ao veículo de mídia que o catapultou ao sucesso. O sotaque brega bate ponto na grudenta “Chumbo Grosso”, colaboração com As Bahias e a Cozinha Mineira que manda recado para o povo que faz arminha com a mão: “O assunto agora é a cultura da bala / Na falta de argumento a solução é uma vala”. Ele ainda critica o excesso de informação e convida o ouvinte tanto a viver “Fora da Tela” quanto para um “Gang Bang”. Jorge Du Peixe divide o microfone (ambos com as vozes enterradas na mixagem) em “Imigrante Mochileiro”, que escancara duas grandes influências do disco, o Raul Seixas dos primeiros discos e a Rita Lee do Fruto Proibido. Em “Liberado”, a faixa de encerramento de um álbum alto e barulhento, um alento: “Não se chega à alvorada sem passar pela noite”. Que a noite não demore tanto a passar, Brasil.
Nota: 7
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.