por Renan Guerra
2019 é um ano importante para o Grupo Rumo e também para a turma que formava a chamada Vanguarda Paulista. O Grupo Rumo lançou seu primeiro disco de inéditas em 27 anos e reuniu-se no palco novamente após oito anos. Os nove músicos da formação original gravaram o ótimo “Universo”, lançado pelo Selo Sesc, e que estreou em noites cheias de energia no Sesc 24 de Maio, como já contamos por aqui.
Quanto à Vanguarda Paulista, esse também é um ano importante: Itamar Assumpção faria 70 anos nesse ano, para celebrar isso um palco especial foi criado na Virada Cultural de São Paulo, com diferentes artistas passeando por sua obra e outros meandros. Além disso, logo deve entrar no ar um museu virtual resgatando a obra de Itamar e catalogando-a de forma mais fácil para pesquisas.
Outro expoente dessa geração é o grupo Premê (antigo Premeditando o Breque) que teve seus discos reeditados em cuidadoso box produzido pelo Selo Sesc e que será lançado em shows no fundamental palco do Sesc Pompeia. Além disso, Ná Ozzetti completa 40 anos de carreira com turnê comemorativa; Arrigo Barnabé segue em turnê celebrativa de seu clássico “Clara Crocodilo”; Tetê Espíndola trabalha na turnê de seu ótimo disco “Outro Lugar”; sem falar nos muitos outros desses artistas tidos como malditos que seguem em plena atividade, produzindo ainda de forma independente e corajosa.
Um importante momento de celebrar o passado e entender as reverberações da Vanguarda Paulista no presente e no futuro é o festival Líricas Paulistanas. O evento acontecerá de 22 a 26 de maio, em quatro diferentes espaços culturais de São Paulo – Centro Cultural B_arco, Casa Natura Musical, Secretinho e Estrella Galicia Estação Rio Verde – com uma programação que envolve shows, recitais poéticos, exibição de filmes e bate-papos, contando com nomes como Tetê Espíndola, Língua de Trapo, Orquídeas do Brasil, Patife Band, Anelis Assumpção, Juçara Marçal, Maurício Pereira e Glauco Mattoso.
O Grupo Rumo é um desses artistas a participar do Líricas Paulistanas: o grupo apresentará o seu novo show, do disco “Universo”, no dia 26 de maio, na Casa Natura. É sobre esse show e todas as complexidades de se reunir um grupo de nove integrantes que falamos com o Luiz Tatit. Tatit é um dos fundadores do Rumo, mas é artística prolífico em sua carreira solo, tendo lançado em 2016 o excelente “Palavras e Sonhos”, além disso, é pesquisador fundamental da canção no Brasil. No bate-papo abaixo, ele comenta o processo de retorno do Rumo, o documentário que está saindo da banda e a importância de um festival como o Líricas. Confira:
O produtor Marcio Arantes foi o incentivador dessa nova reunião do Rumo, como foi essa organização para que o grupo voltasse a ativa efetivamente?
Sim, ele fez a proposta e conseguiu o apoio do Sesc. A partir daí foi bem mais fácil do que era no passado. Só pensamos no lado artístico do projeto: nas composições, nos arranjos e nas gravações. Em seguida, nos shows de lançamento. No passado, boa parte do nosso tempo era gasto com a produção executiva.
Vocês são muitos e cada um com seus projetos e trabalhos próprios, como foi organizar a agenda para as gravações e os encontros de ensaios?
Tivemos que conciliar os dias e horários dos ensaios com os demais trabalhos. Como o Márcio cuidava do cronograma e das convocações, apenas nos dias que antecederam o lançamento ficamos por conta do projeto. Mas essa dedicação final já estava prevista na agenda de cada um.
Estivemos presentes no show de lançamento do “Universo”, no Sesc 24 de Maio, e foi uma noite linda. Como foi estar de novo com a gangue reunida no palco?
Cada um deve ter tido uma impressão particular de todo o processo. Para mim, o mais estimulante foi a gravação do disco propriamente dito. O repertório era bom e as soluções da banda na hora das gravações foram melhores do que eu esperava. Os shows também foram sendo aprimorados ao longo do final de semana do lançamento e, creio, que ficaram bons. Não tanto para nós no palco, pois é difícil acertar o som de retorno do Rumo, mas principalmente para a plateia. Como, por outro lado, estivemos sempre nos encontrando durante o período de interrupção das atividades da banda, não houve muita novidade na retomada, a não ser o fato de ter sido quase imperceptível.
Há a previsão de uma turnê mais longa do grupo?
Não. Nossas apresentações são muito caras. São 9 componentes (10, com o produtor) e todos com outros compromissos. O cachê teria que compensar as horas dedicadas à banda. Isso é cada vez mais longínquo para nós, ainda mais nesses tempos sinistros para a cultura.
Você assina algumas das novas faixas do Rumo, essas canções já estavam compostas anteriormente ou foram pensadas especialmente para esse novo trabalho?
Das 6 composições minhas que entraram no disco, 4 foram feitas após a encomenda vinda do Sesc: duas em parceria com a Ná e duas só minhas. As duas outras, em parceria com o Paulo, também foram feitas para o Rumo, mas no início da década de 1990, quando ainda achávamos que o grupo faria pelo menos mais um disco. Essas (“Universo” e “Estaca”), na verdade, fizeram o elo entre o Rumo de 30 anos atrás e o Rumo de agora.
O Rumo, assim como muitos artistas da Vanguarda Paulista, parece que ainda não teve um grande reconhecimento do público em geral na atualidade, você tem essa percepção?
Nem na atualidade e nem nos tempos heroicos. Sempre tivemos um público fiel, mas restrito. Restrito aos grandes centros (SP, Rio, BH, PA, Curitiba), restrito a uma elite cultural e estética, restrito às rádios alternativas etc. Hoje, com a independência dos artistas em relação às gravadoras, aos meios tradicionais de comunicação e com o avanço eletrônico, uma banda como o Rumo – e as demais surgidas em torno do Lira Paulistana – teria muito mais chances de conquistar uma fatia do mercado.
Eventos como o Festival Líricas Paulistanas são cruciais para resgatar e manter essa memória viva e mostrar que vocês seguem produzindo coisas relevantes e instigantes. Como você percebe a importância desses espaços de diálogo e apresentações?
Sim, na verdade a existência de festivais com esse perfil já indica que a produção surgida naquele período tem algo a dizer ao momento atual. Há festivais, matérias jornalísticas, filmes, pesquisas, teses e livros sobre a vanguarda paulista em geral ou sobre artistas e bandas particulares dessa época. Tudo isso indica que as propostas daquela época foram consistentes, ainda que desenvolvidas à margem do mercado musical. Indica que merecem ser visitadas de tempos em tempos.
O Festival cria uma ponte entre vocês e artistas de diferentes gerações. Como você percebe essas trocas geracionais? Elas fazem parte da construção de seu trabalho atualmente?
Essas trocas vêm sendo feitas ao longo do tempo, pois muitos de nós (como a Ná, o Paulo, o Hélio, eu mesmo, do Rumo, e diversos outros artistas ligados ao Lira dos anos 80) não pararam o seu trabalho musical e lançaram dezenas de discos que desenvolvem as ideias do projeto original e as espalham entre os novos músicos e compositores. Creio que o Festival ajuda a criar bolsões nessas trajetórias, nos quais os encontros geracionais tornam-se mais concentrados e palpitantes. As influências são sempre bilaterais, embora nem sempre dê para saber em que nível exatamente elas se produzem.
Dessa galera jovem, tem algum som ou artista que você tem escutado, acompanhado ou que te instiga?
A Filarmônica de Pasárgada é uma banda instigante que acompanho desde o início.
O Rumo também virou filme pelas mãos dos diretores Flavio Frederico e Mariana Pamplona. Como foi esse processo de levar a história de vocês para as telas?
O filme surpreendeu a todos nós, pois tornou-se um trabalho coeso e bem articulado, sendo que seus diretores partiram de depoimentos prestados individualmente, o que poderia resultar numa colcha de retalhos. Mas o que vimos foi uma leitura original sobre nossa trajetória, na qual pudemos nos reconhecer de alguma maneira. Mas também, ao mesmo tempo, nos empolgamos com o filme como se tratasse da história de outra banda. Por tudo isso, foi surpreendente.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o site A Escotilha. A foto que abre o texto é de Gal Oppido / Divulgação.