por André Luiz Fiori
Desde quando comecei a vir para a Holanda a trabalho, há alguns anos, tenho vontade de ver algum show no Paradiso, lendária casa da capital holandesa. Ou não tinha nada interessante nos dias que ficava por aqui, ou se ia ter estava esgotado – o editor do Scream & Yell, Marcelo Costa, deu sorte e conseguiu assistir PJ Harvey em 2011, Afghan Whigs em 2012 e Neutral Milk Hotel em 2014, 2019 tinha que ser o “meu ano”.
Desta vez ao pesquisar com antecedência, verifiquei que no domingo à noite, logo após a 51st Mega Record & CD Fair, de Utrecht, estava marcada (e ainda disponível) uma apresentação do Teenage Fanclub. Ingresso garantido, chegou enfim o dia de conhecer (e ver um show n)o Paradiso, igreja construída no século 19 que foi readaptada para casa de espetáculos a partir de 1968 – após uma frustrada invasão de hippies no ano anterior.
De lá pra cá já se apresentaram dos Rolling Stones (que fizeram dois shows semi-acústicos no local em 1995, com algumas canções lançadas depois no álbum “Stripped”) aos Sex Pistols, do Joy Division (parece que Ian Curtis conheceu sua “namorada belga” aqui) ao Arcade Fire, do Nirvana ao Wilco, a lista é imensa. Há um salão principal, dois anéis superiores (no total, pouco mais de 1500 pessoas por show) e mais duas salas pequenas para apresentações intimistas.
Ao entrar, a primeira coisa que percebo é que o local parece bem menor do que eu imaginava (mas este tipo de coisa costuma acontecer em locais icônicos, não é mesmo?), e que realmente o lugar tem algo de especial, uma atmosfera diferente no ar. Coincidentemente, vi também um show do Teenage Fanclub em novembro passado em outra casa icônica, o Electric Ballroom, em Londres, o que permite algumas comparações.
E os dois shows foram bem diferentes! As apresentações em Londres eram temáticas, com a banda escocesa tocando a integra de seus discos lançados pela mítica gravadora Creation (a noite 1 teve músicas de 1991-1993, a noite 2 de 94-97 e a noite 3 de 98-00 incluindo b-sides & extras de 91-00). Esses shows também traziam uma triste particularidade, pois marcavam a despedida do baixista, vocalista e compositor Gerard Love, após desentendimentos musicais.
Em Amsterdã, repertório “normal” com 19 músicas de todas as épocas (essa tour “comemora” o relançamento da discografia do Teenage em vinil) e a constatação que Gerard Love faz falta, viu. Não só nos vocais, mas também no set list, pois agora não há nenhuma música dele no show – o que quer dizer que não será mais possível escutar “Sparky’s Dream”, “Don’t Look Back”, “Star Sign”, “Radio”, “I Need Direction”, “Discolite” e “Ain’t That Enough”, entre outras, em um show do Teenage Fanclub.
Dave McGowan, que se alternava-se entre teclado e guitarra desde 2004 na banda, foi deslocado para o baixo, abrindo espaço para a entrada de Euros Childs, do Gorky’s Zygotic Mynci, que usa os teclados para dar uma “enchida” nas músicas, e também ajuda nos vocais de apoio. Eles já começam com uma dobradinha matadora: “About You” e “Start Again” (esta acaba simbolizando a nova fase da banda, agora ‘começando de novo’).
Entre as 19 canções do repertório, destaque para uma música nova, “Everything is Falling Apart“, de Raymond McGinley, lançada como clipe e single em fevereiro de 2019, e já fixa no set list, e o detalhe curioso de que o set list trazia o nome de Berlim, riscado (a banda havia tocado na capital alemã três dias antes) e trocado por “AMS” assim como uma troca de canções: saiu “Verisimilitude” (que rolou em Berlim) e entrou “Happiness”.
Até a oitava música foi exatamente uma canção extraída de um disco diferente. Dai pra frente, “Songs From Northern Britain” (1997) formou a base do set com cinco canções seguido por “Bandwagonesque” com três (“Grand Prix” só teve uma canção na noite). Norman Blake não consegue mais cantar “What You Do To Me” (gravada num tom alto há quase 30 anos atrás), porém após o final com uma empolgante “Everything Flows”, esquecemos disso e vamos todos embora felizes.
O que se sente assim de momento, comparando com a apresentação de cinco meses atrás, é que parece que eles perderam alguma coisa (inevitável lembrar do EP “Teenage Fanclub Have Lost It”, de 1995). Eles sabem o que é, nós também, e a torcida é de que a estrada de uma nova boa forma à banda, pois o “novo” Teenage segue em frente: após passar por Ásia e Oceania em fevereiro, e fazer 20 shows nos EUA em fevereiro e março, o quinteto desbrava a Europa no momento. Quem sabe teremos a sorte de vê-los no Brasil ainda este ano…
Foi um prazer, Paradiso. Espero voltar mais vezes !
– André Luiz Fiori (www.facebook.com/andre.fiori.73) é dono da loja Velvet SP
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