Texto por Renan Guerra
Fotos por Rachel Sciré
Uma das grandes marcas de Fafá de Belém é a sua risada inigualável, tanto que uma sequência em que ela ri no extinto Ídolos, da rede Record, virou gif utilizado aos montes na internet e parece que a cada vez que esse gif reaparece nas timelines da vida é como se através da imagem fosse possível ouvir a risada de Fafá. Dito isso, é de extrema ousadia o espaço oposto que ela assume agora com o lançamento de “Humana” (2019), seu novo projeto, que chegou as plataformas de streaming no início de abril e que estreou nos palcos em três noites de ingressos esgotados no Sesc Vila Mariana.
“Humana” é a antítese do sorriso, é soturno, é barra pesada, é Fafá sem concessões – como diz a própria no palco – e atenta ao nosso tempo. O disco e o show são resultados do encontro de Fafá com uma turma também barra pesada, o trio Zé Pedro, Arthur Nogueira e Paulo Borges. Zé é responsável pela gravadora Joia Moderna, uma das mais importantes do cenário independente atual, tendo lançado discos de Alice Caymmi, Mãeana, Cida Moreira e Célia, incluindo nessa lista o anterior de Fafá, “Do Tamanho Certo Para o Meu Sorriso” (o sorriso, aliás, reaparecendo aqui como marca). Arthur é um dos grandes compositores e cantores da nova geração e assume em “Humana” a produção musical. Paulo é idealizador e diretor criativo do São Paulo Fashion Week e havia dirigido o excelente show “Rainha dos Raios”, de Alice Caymmi.
Esse novo projeto coloca Fafá ao lado tanto de novos compositores quanto os de outrora, mas aqui vistos em novos prismas. Letrux, Arthur Nogueira, Ava Rocha e Zé Manoel fazem companhia a nomes como Adriana Calcanhotto, Fátima Guedes, Waly Salomão, Jards Macalé, Joyce e Paulo César Pinheiro. Todos esses nomes se amarram no conceito maior do disco, que é revelar a complexidade de uma mulher com mais de 40 anos de carreira, que já vendeu discos aos montes e que cantou gêneros distintos como fado, bolero e sertanejo. Essa figura popular e complexa é que fez com que Fafá se tornasse a musa das Diretas Já, em 1983/1984, quando participou ativamente de 32 comícios, onde cantava o Hino Nacional e soltava uma simbólica pomba branca.
Toda essa bagagem transborda numa voz sincera a cantar versos fortes emoldurados por uma produção arrojada. “Humana” deixa de lado o brega, os exageros usuais e se encaminha por arranjos ora mínimos e delicados ora fortes e intensos, como de uma banda de rock. Em “O Resto do Resto” (Fátima Guedes), a voz de Fafá soa limpa e liberta; “Toda Forma de Amor” (Lulu Santos) ganha releitura completamente nova e pesada, com a voz da cantora extremamente alta; já em “Ave do Amor” (Arthur Nogueira/Ava Rocha) há um crescendo, em que Fafá se entrega aos versos caudalosos da canção. Entre tantos pontos altos, é inegável que “O Terno e Perigoso Rosto do Amor” (Adriana Calcanhotto, sobre poema de Jacques Prévert) é o momento mais belo e doloroso do disco e do show, em que a voz de Fafá parece se esgueirar por diferentes caminhos, acompanhada de uma potente guitarra.
“Humana” foi gravado com Allen Alencar na guitarra, João Paulo Deogracias, no baixo elétrico e nos synths, Richard Ribeiro, na bateria e percussão e Zé Manoel, no piano acústico e elétrico. É essa mesma banda que acompanha Fafá ao vivo, num espetáculo que a coloca em estado quase catatônico no palco, jorrando as canções do disco e outros resgates, numa construção que visa essencialmente o olhar político sobre o nosso tempo, em que a cantora busca repetidamente entender como chegamos a este momento particular. Nesse cenário, a canção “Alinhamento Energético”, de Letrux, define de forma bem explícita o tom desse álbum e show: “Que fase louca / Que fase doida / Que ano é esse? / O que é que vem depois? / Eu tô exausta, eu tô perdida”.
É curioso de se pensar o que o público entende e compreende desse novo passo de Fafá. Na antessala do teatro do Sesc Vila Mariana, um fã que havia visto os dias anteriores comenta “o humor é aquela coisa, ela não sorri quase nunca nesse show”. Do que poderia ser recebido com ressalvas pelo público mais careta, é na verdade ovacionado, com gritos e aplausos nos momentos mais rockeiros e nos momentos mais soturnos. “Ave do Amor” é momento lindo de se ver ao vivo, assim como “O Terno e Perigoso Rosto do Amor”, em que Fafá se contorce no palco, a cantar bem alto os tristes versos da canção. “Toda Forma de Amor” já nasce como hit rockeiro, cantada junto com o público, assim como a versão potente de “Revelação” (Clésio Ferreira/Clodo Ferreira).
Com figurinos de João Pimento, “Humana” é um show obscuro, sombrio, de tom visualmente comedido, em que Fafá surge, quase ao final, com um vestido longo e solto, cinza escuro, que a aproxima de uma atormentada Medeia, a encantar na plateia. Há na direção de Paulo Borges uma teatralidade, tudo é milimetricamente pensando, com Fafá obedecendo as regras da luz e do palco, servindo ao espetáculo como um todo – para quem já viu outros shows de Fafá, em que ela surge solta, rindo e fazendo o que bem entende sobre o palco, é uma experiência nova ve-la entregue de cabeça a esse projeto ousado.
O show ainda agrega ao repertório faixas como “Dentro de Mim Mora um Anjo” (Cacaso/Sueli Costa), gravada no disco “Banho de Cheiro” (1978) e “Fazenda” (Milton Nascimento), gravada na estreia de Fafá, “Tamba-Tajá” (1976). No bis, Fafá surge ao palco resgatando a faixa “Credo”, gravada em compacto em 1984, de fortes versos que dizem “Tenha fé em nosso povo / Que ele acorda / Tenha fé em nosso povo / Que ele assusta […] Caminhemos pela noite, com a esperança”. Tudo no show acaba se amalgamando para que a voz de Fafá seja a grande estrela, a tatear o Brasil de agora e no meio disso tentar encontrar caminhos.
“Humana”, o disco, é um grande trabalho, que merece audição atenta; já o show de mesmo nome é espetáculo que deve ser assistido de corpo inteiro, a se deixar levar pelas artimanhas da cantora. Dos dois, o que fica é a sensação estimulante de ver uma artista com 62 anos que não teme o novo, que se entrega a uma forma distinta de posicionar e de colocar a sua voz, que tem pulso firme para cantar versos complexos e dolorosos, que ousa não sorrir; mas mais que tudo uma artista que não se acovarda perante um tempo nebuloso, uma cantora que tem a ousadia de pedir humanidade e cidadania sobre o palco. Que essa fase “Humana” de Fafá ecoe bem forte!
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o site A Escotilha.
Não fui no show devido à prolema de saúde e financeiro mas pelo que assisti de gravações via Internet o show foi top! O trabalho para esse ano acredita que não poderia ser outro! Parabéns ao letrux que deu na letra alinhamento energético o recado mais bem dado para esse álbum e entre todas para mim foi o que mais caiu bem na voz de Fafa no ritmo e no recado que o brasileiro precisa ouvir em dias de hoje! Três vezes que ouvi já estava cantando e é isso que o povo tem fazer levar o recado boca à boca dizer que entendeu o recado e que concorda que o Brasil precisa de mudança urgente! Letra boa para mim é letra fácil de cantar e que passe realmente aquilo que precisa ser passado, música é arte e arte é teatro se não interagir não acontece acredito eu que não sou ninguém nessa área! Só que nesse álbum passa o teatro da vida real e não teatro pra simplesmente contrasenar pois estamos realmente vivendo está fase! ….louca mais que louca, doida mesmo que virou esse ano de 2019 de ponta cabeça e que deixou o povo exausto de acreditar de apostar e de sonhar com um país melhor. Vcs não sabiam de nada inocentes! Foram pelo carisma, pela graça, pela ignorância de que fossem ficar armados e que ninguém os roubassem e esqueceram que o Brasil precisa de alimentos, medicamentos, moradia, amor e paz! E hoje só me resta dizer e jamais esquecer dessas palavras!Se vc achou que ano passado foi intenso, você não sabia de nada inocente, se você jurou que seu progeto ia vinnnngar vc não sabia de nada inocente. …Que fase louca! Q fase doida! Q ano é esse o que que vem depois! Eu tô exausta, eu tô perdida já me disseram que só começou. ….Respira. ….aprende à respirar
….Se tu só pira mas não respira não. ….vaiiiii dar…..o Brasil realmente está precisando aprender à respirar! Parabéns pelas composições pelo ritmo pela voz pelo progeto maravilhoso dentro do que está acontecendo! Humana um trabalho que ficará na história para sempre! Att Tony Tamarana!
amo fafá.ela me representa!
Legal ver uma artista tão popular experimentando sem amarras, parabéns pela ousadia e o não conformismo!!!
“Fase sombria do paísssszzzZZzzzzzzZZZZRONC”, OI?
No shoe e no disco não se pode reter qualquer embasamento razoável pra fazer uma leitura de manifestação política que não seja a vontade habitual de quem lê tudo hoje com viés político-ideológico, mesmo que se force a barra em ler, por exemplo, o simples deboche de “Alinhamento Energético” como alguma manifestação do gênero – aquilo não é nada mais do que o delicioso deboche presente nas letras da Letícia desde que o mundo é mundo, e não porque “ããããin, esse momento político sombrio do BrasssszzzZZzzZZRONC!” Pelo contrário, enquanto a suposta intelectualidade e elite artística brasileira estão muitíssimo ocupadas em alimentar suas vaidades na disputa de quem é mais politicamente engajada, a Fafá fez música – e deu um baile. Fazer mais uma nada supreendente leitura político-ideoógica deste lindo trabalho da Fafá é pensar pequeno e fazer um desserviço ao esforço dela – que coisa cafona, garotos.
Olá, Marcos!
A questão política não surge nesse texto por mero ensejo meu, mas sim por que isso está exposto de forma clara no show, não é uma leitura pessoal. Em determinado ponto, Fafá fala diretamente a plateia sobre a política nacional, sobre cidadania e sobre esperança (não posso afirmar que ela fez essa fala nos 3 dias, mas na noite de domingo o fez) e esses são temas que se repetem durante o show.
Mais que isso, durante a cobertura do evento, conversei diretamente com alguns dos idealizadores do show e a questão política foi um ponto levado em consideração na preparação do espetáculo, tanto que algumas faixas do disco nem fazem parte da setlist apresentada nesses dias.
De todo modo, as escolhas de Fafá não recaem em discursos político-ideológicos nem em panfletarismo, mas isso não significa que essas escolhas não reflitam o nosso tempo e a política atual, algo que perpassa a sociedade de diferentes formas, especialmente na arte e no canto.