por Leonardo Vinhas
“Rasgacabeza”, Francisco El Hombre (Independente)
A Francisco El Hombre tem anunciado por aí que “Rasgacabeza” é seu disco “punk”. Só se for para o lado mais inocente e indigente do estilo. A banda foi na contramão da evolução apresentada em “Soltasbruxas” (2016) e deu uns 15 passos para trás, substituindo a polirritmia de influência latino-americana por uma sonoridade linear, alta e saturada, uma espécie de batidão ruidoso para animar noites químicas. As letras também regrediram notavelmente, o que já se vê a partir da grafia dos títulos. Quer um exemplo concreto? Então fique com “CHÃO TETO PAREDE :: pegando fogo”, cuja letra se limita a repetir “O chão tá pegando fogo / Parede pegando fogo / O teto pegando fogo / Palácio pegando fogo / Pula pra cá”. E tem gente saudando isso como “combativo”, “incendiário” (haha) e “revolucionário”. Mas nem de longe é a pior – essa seria “TRAVOU :: tela azul”, com poesia de legenda de foto de Instagram. É triste pensar que a banda que fez “Bolso Nada” quando o hoje presidente era apenas um personagem preocupante hoje prefira se calar sobre o estado pior das coisas. O som ecoa a superficialidade das letras, com muito barulho eletrônico e as harmonias vocais substituídas por gritaria. A exceção disso tudo, “O TEMPO É SUA MORADA :: celebrar”, é uma balada de cordas que ganhou clipe com cara de propaganda de cosméticos, e que tende mais para o piegas que para o sensível. Enfim, “Rasgacabeza” é um álbum fraco por si só, mas que por ter vindo de uma das bandas que parecia ser das mais promissoras, configura-se um trabalho decepcionante e desmotivador.
Nota: 2
“Voador”, André Prando (Sony Music)
O capixaba André Prando fez uma das melhores estreias do rock brasileiro nessa década. “Estranho Sutil” (2015) era psicodélico sem deixar de ser pop, roqueiro sem cair nos clichês do gênero. Seu sucessor, “Voador” (lançado no fim de 2018), traz o compositor tentando expandir sua proposta. Como disse durante uma entrevista recente ao S&Y, sua intenção não era “fazer um ‘Estranho Sutil volume 2’”, então substituiu o produtor (sai Rodolfo Simor e entra Junior Tostói), trouxe mais convidados e testou seus próprios limites, trazendo composições mais longas e arranjos que fogem do formato roqueiro mais tradicional. O resultado soa desigual, quase como um disco de redescoberta de si próprio. O lado mais pop ainda existe, e é responsável pelas melhores faixas: a certeira “Ode à Nudez”, a viciante “Fantasmas Talvez” e a necessária “Moro no Interior do Mundo”, seguramente uma das melhores canções para esses tempos sinistros. A investigação também rende frutos interessantes em “Na Paz do Caos” (com a participação de Luiz Gabriel Lopes, do Graveola) e “Musa dos Cetáceos” (com Mario Wamser), mas perde o rumo nas digressões de “Ave Machinaria” e “Concha”. “Catalepsia Projetiva” e “Eu Vi num Transe” ficam em um meio termo entre o acessível e o esquisito, e “Em Chamas no Chão”, apresentada originalmente no compilado do S&Y “Faixa Seis”, vem regravada com ganho instrumental, mas prejudicada pelos excessos vocais da convidada Duda Brack. No saldo final, “Voador” não é nem um álbum de transição nem uma negação do passado: é uma exploração do que o próprio Prando pode fazer, e é possível que a maturação desse disco ao vivo sinalize caminhos totalmente novos para um bem-vindo terceiro álbum.
Nota: 6
“Coração Fantasma”, Baleia (Sony Music)
O Baleia começou como um septeto meio sem sal, virou um sexteto com uma proposta mais arriscada e interessante (e uma baita influência de Radiohead, diga-se), e agora procura se reinventar como quarteto. Neste EP de três faixas, Gabriel Vaz e Sofia Vaz, Felipe Ventura e Cairê Rego reduzem a amplitude harmônica para uma sonoridade mais condizente com o novo formato, e ainda que não comprometa, não entrega nada à altura de “Hiato”, “Volta” ou “Estrangeiro”, canções emblemáticas de “Atlas” (2016). “A Mesma Canção” é a que mais dialoga com essa fase anterior, e se sobressai em meio à anódina “Lulu” e a estranha “Eu Estou Aqui”. Essa última, aliás, parece ilustrar a encruzilhada criativa da banda: é uma boa composição, de rica melodia, mas que perde sua força pelo arranjo modernoso, que parece mais querer seguir a onda de alguns companheiros de geração do que a inspiração da própria banda. “Coração Fantasma” mostra, na verdade, que o Baleia continua oscilando entre o que parece ser seu amplo potencial e a condição de ser ordinário. Oxalá no próximo álbum a balança penda para o primeiro lado.
Nota: 6
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.