Texto por Marcelo Costa
Fotos por Fernando Yokota
Neste período pós tudo que vivemos, não deixa de ser impressionante que um cara absolutamente genial como Kamasi Washington, apelidado de “embaixador do jazz moderno”, consiga arrastar uma multidão de pessoas (cerca de 3 mil) para um show numa quarta-feira meio fria, meio nublada, em São Paulo. Para quem ele toca? Quem ouve “The Epic” (2015) e “Heaven and Earth” (2018) nesse país que tenta provar que a Terra não é redonda, que nazismo é de esquerda e que andar armado é a melhor maneira de se estar protegido? Quem ouve “jazz moderno” na fila do pão?
Totalmente alheio a essas perguntas, o septeto de Kamasi Washington toma o palco da Audio para si. Diferente do show no Nublu Jazz Festival 2017, em que trouxe percussão e seu pai (na flauta) a tiracolo, desta vez Kamasi surgiu com uma formação mais compacta de dois bateristas (Ronald Bruner Jr e Tony Austin), baixo (Miles Mosley), trombone (Ryan Porter), a vocalista Patrice Queen e o “maestro” Brandon Coleman se alternando entre piano elétrico, teclado e scratchs. E surgiu mais leve, brincalhão e sorridente do que na noite no Sesc Pompeia, o que deixou o clima mais solto, ainda que a ausência da percussão tenha deixado o punch punk das baterias mais pesado.
“Street Fighter Mas“ abriu a noite de maneira envolvente e pesada em quase sete minutos de psicodelia jazz. Mais acelerada, “The Rhythm Changes” (que havia sido tocada no Nublu 2017) surgiu festejada e numa versão superior a executada dois anos antes na cidade. “Eu adoro essa música que vamos tocar agora, e ela é de Brandon Coleman”, confidenciou Kamasi na sequencia ao introduzir “Giant Feelings”, um momento particular na noite, já que Brandon tomou o espaço e o show para si dai em diante. Você com certeza já ouviu a expressão “ele fez a guitarra chorar”, certo? Pois saiba que, nessa noite na Audio, Brandon fez seu teclado chorar.
Algo aconteceu após o solo endiabrado de Brandon, que não abriu espaço para improvisações da banda (a postos aguardando uma brecha, que não veio), e as canções posteriores do set pareceram menores e menos impactantes. Primeiro foi com os mais de 10 minutos de “Truth”, momento em que Patrice Queen brilha (ainda que de uma maneira não tão intensa quanto em “Malcolm’s Theme”, “a” música do show de 2017). Depois com os dois longos solos de bateria, que tiveram momentos de levantar a audiência, mas em boa parte do tempo dispersaram o público – já o momento solo do baixista Miles Mosley foi sensacional.
Foi preciso que “Show Us the Way” recolocasse o show e a noite nos trilhos preparando o terreno para mais de 15 minutos da sensacional “Fists of Fury”, aquela canção que faz valer o preço do ingresso e compensar a fila da entrada e a cerveja sem graça. No bis, “Re Run” cadenciou tudo para que os presentes não se perdessem na volta pra casa (o que fatalmente teria acontecido se a fritação de “Fists of Fury” fosse a saideira). Após oito músicas e quase duas horas de show, Kamasi mostrou um show completamente diferente do anterior em São Paulo em clima e impacto, e tão bom quanto. O jazz está em boas mãos (já o Brasil)…
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
a gente bem que poderia aprender a falar mais baixo na platéia (já que ficar calado em shows não é do nosso feitio). a julgar pelo estado geral das coisas, é pedir demais atenção exclusiva aos músicos.