por Marcelo Costa
“Bohemian Rhapsody”, de Bryan Singer e Dexter Fletcher (2018)
Vencedor do Globo de Ouro na categoria Melhor Filme Dramático e com cinco indicações ao Oscar (incluindo Melhor Filme e Melhor Ator, para Rami Malek), “Bohemian Rhapsody” cativou uma grande audiência ao mesmo tempo em que frustrou fãs do Queen por sua narrativa “descuidada”. Com custo de US$ 52 milhões e receita de mais de US$ 800 milhões, “Bohemian Rhapsody” pode ser visto por dois prismas: no primeiro, ele é um dramalhão hollywoodiano que não tem compromisso com a realidade e com a documentação dos fatos, embaralhando datas e causos para fins emocionais do roteiro. Neste caso, o filme alcança seu intento de novelão musicado, e tem seu lugar garantido numa futura “Tela Quente”. No segundo prisma, “Bohemian Rhapsody” é totalmente refém da incompetência de seus roteiristas, que não conseguiram criar momentos de clímax a contento com a narrativa temporal extensa de 15 anos (um recorte ajudaria tanto), precisando embolar os fatos, maquiar a realidade, e criar tensões que não existiram para fisgar o espectador. A lista de incorreções é enorme (veja aqui, aqui e aqui), e incomoda tanto colocar o Rock in Rio de janeiro de 1985 em 1978 quanto vaticinar que Fred Mercury revelou sua doença aos músicos antes do Live Aid em junho de 1985, sendo esse o decantado “show de retorno” da banda após uma não existente separação sendo que em 1984 a banda fez 36 shows e em 1985, antes do Live Aid, foram 16 datas, duas delas no Rio de Janeiro. Dito isso, “Bohemian Rhapsody” é um filme pipoca sem-vergonha, mas de bom coração (e de grandes canções), que diverte, emociona e se salva apenas pela grande atuação de Rami Malek. Só não deveria estar sendo cotado a prêmios como o Oscar. É para assistir sem analisar, porque se você for analisar, a decepção vence.
Nota: 4
“Um Lugar Silencioso”, de John Krasinski (2018)
Grande hit de 2018 no quesito “filme de suspense e terror”, com custo aproximado de US$ 20 milhões, lucro na casa dos US$ 340 milhões e sequencia já aprovada, “A Quiet Place” (no original) joga com o tema de terror pós-apocalíptico partindo de uma premissa idiota que agarra o espectador pelo pescoço e o leva para um mundo em que criaturas monstruosas invadiram o Planeta Terra e dizimaram quase toda a população perseguindo-as através do… barulho. Por isso, os poucos sobreviventes são pessoas que vivem em constante silêncio, falando em linguagens de sinais ou sussurrando palavras próximo ao ouvido da outra (há raras exceções em que o barulho da natureza ofusca a voz, permitindo uma conversa normal). Nesse cenário de fim do mundo, uma família tenta sobreviver: Lee (John Krasinski) é o pai, que está desenvolvendo estudos para combater os monstros enquanto incute nos filhos instintos de sobrevivência; Evelyn (Emily Blunt) é a mãe, grávida, que busca educar os filhos e garantir-lhes um futuro; os filhos são Regan (Millicent Simmonds), Marcus (Noah Jupe) e Beau (Cade Woodward), o menorzinho, que dá o start trágico da trama. Eles vivem numa fazenda e vão precisar enfrentar seus medos e, claro, os monstros, para sobreviver. Com atuações convincentes do grupo de atores, cenografia eficiente e monstros comicamente bizarros, “Um Lugar Silencioso” (indicado ao Oscar de Mixagem de Som) cumpre sua meta de assustar tanto quanto provocar questões, como a principal: “Quem somos nós se não podemos proteger nossos filhos?”, pergunta a mãe Evelyn, indo muito além do que Freddy Krueger foi em nove “A Hora do Pesadelo”. Basta?
Nota: 7
“Nasce Uma Estrela”, de Bradley Cooper (2018)
Você já viu esse filme antes… três vezes! Filmado pela primeira vez em 1937, depois revisto em 1954 e 1970, “A Star is Born” (no original) ganha sua quarta versão pelas mãos do ator Bradley Cooper, que estreia na direção, convoca Lady Gaga para ser seu par na trama (e ela arrebenta), inspira-se em depoimentos do amigo Eddie Vedder para construir seu anti-herói folk rock e… surpreende. Sério. Ok, não há nada novo aqui, e o roteiro assinado a seis mãos (precisava tanto?) por Eric Roth, Will Fetters e Bradley Cooper embaralha a trama da terceira adaptação (a primeira com foco na música e com Kris Kristofferson e Barbra Streisand no elenco) com o apelo trágico das duas primeiras (quando o gancho era a indústria da fama de Hollywood) contando a história de um grande astro alcoólatra em franca decadência (Jackson Maine, aqui interpretado por Cooper) que conhece uma jovem artista em uma boate (Ally / Lady Gaga) e começa a impulsiona-la para o sucesso. Conforme ela cresce, ele diminui; conforme ela se envolve com o showbusiness, ele se afasta; conforme ela passa a viver intensamente cada segundo, ele morre aos poucos. Indicado a nada menos que 8 Oscars, incluindo Melhor Filme, Ator (Cooper), Atriz (Gaga), Ator Coadjuvante (Elliot), Roteiro Adaptado e Melhor Canção Original (“Shallow”, uma das canções do ano do Prêmio Scream & Yell 2018) e com uma bilheteria estrondosa (custou US$ 36 milhões e arrecadou US$ 415 milhões), “Nasce Uma Estrela” pode impulsionar um perigoso caminho de remakes na indústria (ahh, essa indústria de fórmulas), mas é um bom filme valorizado por grandes atuações e boas canções. E por Lady Gaga, que exigiu que todos os número musicais fossem feitos ao vivo!. Que mulher!
Nota: 7.5
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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Que coisa triste é “Bohemian Rapsody”. Só se salva mesmo pelas músicas e pelo Rami Malek. “Nasce Uma Estrela” vale bem mais (ainda que esteja longe de merecer o Oscar de melhor filme).