por Renan Guerra
“Culpa”, de Gustav Möller (2018)
Pré-indicado dinamarquês ao Oscar de Filme Estrangeiro, “Culpa” (“Den skyldige” no original, “Guilty” em inglês) é a estreia do diretor Gustav Möller e surpreende por sua eficácia em meio a poucos recursos: o ex-policial Asger Holm (Jakob Cedergren) agora atua na central de emergências, atendendo chamadas e trabalhando de forma monótona, até que uma ligação de um possível sequestro traz novo ânimo ao seu dia. É a partir daí que a tensão de “Culpa” se espalha, pois acompanhamos toda a tratativa pela visão de Asger, toda a ação do filme ocorre na sala de atendimentos, com o público recebendo apenas as mesmas informações que o protagonista: chamadas de telefone se tornam o elo narrativo do filme. Com recursos mínimos e uma atuação certeira de Jakob, no final das contas, a grande estrela do filme é a produção de áudio, que consegue criar todo o clima que permeia a projeção. Silêncios são catalisadores de dúvidas e medos, o bipe de uma chamada não atendida é sinal de tensão e as repetidas mensagens da secretária eletrônica são ganchos que nos deixam presos na cadeira. Mais que um thriller policial, “Culpa” possibilita debates sobre violência, justiça, ética e moral, numa importante reflexão sobre erros e suas consequências. Um interessante olhar sobre como a violência pode alterar nossas vidas, tudo isso num filme sem qualquer cena gráfica de violência.
Nota: 8,5
“Em Chamas”, de Chang-Dong Lee (2018)
Jong-Soo (Yoo Ah?In) reencontra a amiga de infância Hae-mi (Jeon Jong-seo), que está de viagem marcada para a África. Ela então pede que Jong-soo cuide do gatinho dela durante esse tempo. Nessa pequena transição somos apresentados a figura de Jong-soo: um jovem recém-formado em escrita criativa que tem que lidar com os problemas familiares causados por um pai de temperamento quente. Porém é o retorno de Hae-mi que criará as tensões do longa de Chang-Dong Lee: ela volta com um namorado (Steven Yeun) meio bon-vivant que irá causar reações complexas no trio. Baseado no conto “Queimar Celeiros”, de Haruki Murakami (lançado no Brasil pela Cia. Das Letras no livro “O Elefante Desaparece), “Em Chamas” (“Beoning” no original, “Burning” em inglês) é um drama complexo, que põe em contraponto duas Coréias: uma de pessoas ricas, bem-sucedidas e outra de uma população pobre, que vive em espaços minúsculos, tentando criar expectativas de vida. Porém, no filme, esses dois universos são irmanados por certa desesperança, certa busca por algo, algum sentido. É a partir desse fio condutor que o longa consegue nos apresentar um panorama complexo desses três personagens, com suas fragilidades e medos, indo do drama ao thriller com destreza. Além disso tudo, o filme é dono de uma das sequências mais lindas do ano, marcada pelo sol quase se pondo, culminando numa dança quase hipnótica de Hae-mi. Pré-indicado pela Coréia do Sul ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, “Em Chamas” é um intrincado olhar sobre as relações humanas quando precisamos amadurecer frente ao mundo.
Nota: 9
“Assunto de Família”, de Hirokazu Kore-eda (2018)
Palma de Ouro em Cannes e pré-indicado do Japão ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, “Assunto de Família” (“Manbiki Kazoku” no original, “Shoplifters” em inglês) volta seu olhar para um tema já usual na obra de Hirokazu Kore-eda: as relações familiares. Cinco pessoas (três mulheres, um homem e uma criança) vivem em um espaço minúsculo, todos sob a égide (e a pensão) da vovó (Kirin Kiki, atriz falecida pouco tempo depois do lançamento do filme). Porém a rotina familiar se altera com a chegada de uma nova integrante, a pequena Yuri (Miyu Sasaki), que eles encontram na rua. Osamu (Lily Frank) e o filho Shota (Jyo Kairi) fazem pequenos furtos, a mãe (Sakura Ando) trabalha em uma espécie de lavanderia, já Aki (Mayu Matsuoka) trabalha em uma espécie de bordel à japonesa. É nesse universo que vemos um delicado cenário de relações ser construído: eles cuidam uns dos outros de forma sincera: se abraçam, se preocupam e criam vínculos extremamente fortes para que, então, no segundo ato do filme, tudo seja implodido por reviravoltas complexas. Kore-eda olha com ternura para personagens extremamente complexos e questiona repetidamente o que forma uma família e como esses laços podem moldar o que somos. “Assunto de Família” é um filme no qual o espectador precisa submergir junto com os personagens e se deixar levar, pois é acima de tudo um trabalho de emoções. Destacam-se aqui as atuações cativantes das duas crianças, bem como a construção delicada da vovó de Kirin Kiki, porém é Sakura Ando que entrega uma das interpretações mais lindas da trama, com uma verdade e uma intensidade de arrepiar. Há cenas de beleza dolorosa em “Assunto de Família (como a viagem à praia; a vovó cuidando dos machucados de Yuri; a família ouvindo barulhos de fogos de artifício; Osamu correndo atrás do ônibus), fazendo deste filme uma pérola, que consegue trazer ternura e carinho em meio ao caos e ao horror desse mundo. Uma obra de arte bela e imperdível!
Nota: 10
Trailers:
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o site A Escotilha.