Texto e fotos por Marcelo Costa
Segunda-feira, 03 de dezembro, pouco mais da 21h em São Paulo: um desavisado que entrasse no luxuoso Teatro Bradesco, dentro do Shopping Bourbon, esperando por um show de rock poderia achar que se enganou e foi parar na arquibancada do Alianz Parque, no prédio vizinho, pois as cortinas do teatro ainda estavam fechadas, mas os 1400 ocupantes cantavam a pleno pulmões o bordão de torcida de futebol “olê, olê, olê, olê, Fito, Fito”. Fito, no caso, é Rodolfo “Fito” Páez, músico rosarino de fama enorme na América hispânica, mas ainda agregando público nesta imensa área do continente sul-americano que não “habla” espanhol chamada Brasil.
A média de idade do público parece ser alta (o Instituto Scream & Yell, na base do olhômetro, calculou algo entre os 35 e 40 anos), mesmo contando com um casal que levou os dois filhos pequenos – e demonstrou durante toda noite uma animação contagiante e quase infantil perto do jeito blasé dos dois garotinhos. Boa parte da audiência também parece ser formada por hermanos e hermanas que têm a língua espanhola como língua pátria, o que não evita que soe comovente ver um dos maiores nomes do rock argentino ser recebido com tamanho entusiasmo na cidade que já foi acusada de ser um território em que não existe amor.
O homem responsável pelo disco mais vendido de todos os tempos no rock argentino (“El Amor Después Del Amor”, de 1992) e que já levou para casa seis Grammy Latino (ainda que, em entrevista ao Scream & Yell, ele desdenhe tudo isso e reforce que o que realmente vale “é a relação construída com as pessoas“) pousou em São Paulo para mostrar as canções de seu 29º álbum, “La Ciudad Liberada”, lançado em 2017 e elogiado entusiasmadamente pela crítica local (“Trata-se de, talvez, o melhor registro de Fito em 20 anos”, tascou o jornalista Oscar Jalil na Rolling Stone Argentina enquanto no Clarín, com sinceridade inspiradora, Eduardo Slusarczuk descreveu: “Fito Paez fez um discaço. Só não dizemos que é excelente porque alguns de nós ainda estão esperando um novo ‘El Amor Después del Amor’. É assim que somos”.
Essa pequena turnê brasileira (Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro), porém, não deixa de ser uma turnê “greatest hits” com sonoridade e produção impecável, e tudo no seu devido lugar, e ainda que não tenha tido o brinde da execução na integra do disco “Hey” (lançado originalmente em 1988, o aniversariante de 30 anos – de uma “Argentina que, na época, havia acordado de repente na “primavera democrática” – foi incluso no meio do set dos dois últimos shows de Fito em Buenos Aires antes dele vir ao Brasil), trouxe boas surpresas, a começar pelo número de inicio: assim que se abrem as cortinas do Teatro Bradesco, Fito surge cantando “Vaca Profana”, de Caetano Veloso, feita especialmente para Gal, batizando seu álbum de 1984, e que surge aqui numa versão imponente, grandiosa.
Na primeira pausa, ele cumprimenta o público: “Olá, São Paulo. Fazia um bom tempo que a gente não se via, hein”. “Otra Vez El Sol”, do último disco, começa, e ele continua: “Vesti a minha melhor roupa para vir aqui hoje”. Na sequencia, “11 y 6” (do álbum “Giros”, de 1985) é a primeira canção a fazer o teatro ficar de pé (e só estamos na terceira música do show). Na primeira parte da noite, o baixo do parceiro Diego Olivero será o grande condutor, com Fito se alternando entre o piano e o microfone solo, e o guitarrista Juani Agüero fazendo solos pontuais. Se alguém havia permanecido sentado em “11 y 6”, provavelmente se rendeu a “El Amor Después del Amor”, a canção, com a plateia cantando um longo trecho a capella, bonito.
Seguem-se então um quarteto de canções novas que não deixam a peteca cair frente aos hits: “Aleluya Al Sol”, a excelente faixa título mais “Plegaria” e “Se Termino” fazem entender o elogio dos críticos, mas a próxima, porém, encaminha o show para o seu lado mais rock e dançante. Trata-se de “Circo Beat”, faixa título de seu álbum de 1994, em versão extensa, repleta de mudanças, e com guitarra estridente e bem interessante (que será marca daqui pra frente). Agora boa parte do público já desceu das cadeiras do fundo para a área frontal do palco, e pode cantar com mais vontade próximo de seu ídolo as clássicas “Brillante Sobre El Mic” e a esporrenta “Ciudad de Pobres Corazones” (com Fito na guitarra bancando o rockstar e chutando o pedestal com as letras para longe), que encerra o show.
Para o bis, após um extenso “olê, olê, olê, olê, Fito, Fito”, o artista volta e começa a cantar a capella “Yo Vengo a Ofrecer Mi Corazón” na beira do palco. O público começa a cantar junto, mas ele para tudo e pede: “Deixem essa comigo, por favor”. E assim, com as luzes do teatro apagadas, sem microfone e com toda a casa em silêncio, Fito Paez leva a canção do álbum “Giros” sozinho, no gogó, em um dos momentos mais bonitos da noite, que se estende para um de seus grandes hits, a bela “Mariposa Technicolor”, em versão empolgante e honesta. Para encerrar, “Y Dale Alegría a Mi Corazón” (do álbum “Tercer Mundo”, de 1990), termina com a banda na beira do palco, e todo o teatro cantando junto, num daqueles momentos estranhos em que parece que alguma poeira dentro do teatro “incomoda” os olhos e o faz lacrimarem.
Segunda-feira, 03 de dezembro, quase 23h, e Fito relembra na despedida: “Spinetta me dizia sempre: amanhã será melhor”. Ele pode estar falando tanto para ele (e para seu país numa caótica situação politica e social) quanto para nós (um Brasil prestes a mergulhar no abismo). “Gosto muito de São Paulo, mas principalmente desta pequena São Paulo presente aqui”, ele comenta, encerrando um dos grandes shows internacionais no Brasil em 2018, que merecia ainda mais público, mais badalação, mais holofote, algo complicado após 30 anos de acirramento de diferenças via futebol (toda vez que o Galvão inflava nacionalismo contra os vizinhos ele nos afastava um pouco mais de nosso próprio continente), mas que se abre para um futuro possível onde, apesar de todos os pesares, Fito estará sempre nos esperando… com amor depois do amor. E com um grande show.
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– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Amo Fito Paez. Mesmo morando no interior de Minas, faço questão de ter todos os seus CDs, originais, que para mim, é uma forma de prestigiar o artista. Tive a oportunidade de ve-lo em um show no Sesc ( Interlagos, salvo engano) há alguns anos. Se eu soubesse deste show, teria deixado tudo para ir ve-lo novamente. Fito fala a minha lingua. Do amor em cidades grandes, solitárias. De gente tentando ser feliz, apesar de tudo. Da solidão em meio a tanta gente. Mas fala de amor, de vários amores, de tentar e tentar. Mas, neste momento, escrevo para elogiar o texto. Que lindeza de texto!!! Há muito ninguém me conduzia a um lugar e a sentimentos usando palavras. Vc é muito talentoso, Marcelo Costa, parabéns!!!
Este foi um show Memorável! Crítica muito bem escrita, por quem realmente entendeu o show e entende o espírito do Fito! Foi um show emocionante, a música transforma, transcende nacionalidades. Música é alma, vida e coração, e o Fito é tudo isto. Parabéns pelo texto Marcelo! Abração.