Texto por Renan Guerra
Fotos por Helena Yoshioka (I Hate Flash) e Jotapê (Hypercode)
Mais um de uma série de eventos que o MECA realizou nos últimos meses, incluindo aí os recentes MECAUrca, no Rio de Janeiro, e MECAMaquiné, no Rio Grande do Sul, bem como o MECAInhotim, que rolou no meio do ano, em Minas Gerais, o MECABrás, edição paulista realizada no bairro central da capital, tinha como chamariz inicial a presença de Kelela, dona do excelente disco “Take Me Apart” (2017), porém, sem motivos claros, o festival anunciou a não-participação da artista, o que gerou uma onda de reclamações alguns dias antes do evento e uma substituição às pressas por Elza Soares como headliner.
Ao lado de Elza, artistas como o francês Jacques e os paulistas do Teto Preto e Linn da Quebrada se apresentaram na noite de 19 de novembro na Fabriketa, no bairro do Brás. O espaço é uma antiga fábrica, com ares de abandonada, que foi ressignificada em meio a outros desses galpões que existem pelo bairro. Bem ocupado, o local ganhou um palco central, um palco menor e dois espaços para DJs, que tocaram simultaneamente, independente dos shows, movimentando o público até o amanhecer. A lista de atrações era grande se considerássemos todos os artistas que passaram pelos quatro espaços, por isso era impossível acompanhar todas as performances. Nessa matéria selecionamos algumas das atrações que passaram pelos maiores palcos e que movimentaram alguns dos maiores públicos da noite.
No palco central, uma interessante surpresa: o rapper Edgar, que lançou seu disco de estreia, “Ultrassom”, em setembro deste ano, surgiu acompanhado de Pupillo nos beats e apresentou um show performático, estranho (no melhor sentido) e instigante, que levantou o público e colocou a galera pra dançar entre as poças d’água da chuva que havia caído durante o dia. Para completar, o artista Quinho QNH entrou no palco, colocou Edgar dentro de um saco de lixo e, enquanto o músico cantava, o artista pixava o saco de lixo e na sequência gravava stories de Instagram direto do palco. Uma experiência interessantíssima esse show de Edgar, assistam o quanto antes (dica: ele é atração do No Ar Coquetel Molotov São Paulo)!
Na sequência, no palco menor, MC Tha cativava o público com seus hits entre o pop e o funk. Ela cantou canções autorais como “Bonde da Pantera”, “Pra Você” e “Valente”, além de sua parceria com o músico Jaloo, em “Céu Azul”. Ela também arriscou uma boa versão de “Maria da Vila Matilde”, de Elza Soares, e de “Tigresa”, de Caetano Veloso – nervosa, ela se perdeu nos versos dessa última e ficou nitidamente envergonhada. Apesar disso, o público se empolgou com seu show e pediu bis, sendo que Tha permaneceu no palco um bom tempo além de seu espaço, inclusive repetindo canções de seu setlist e fazendo o público dançar.
Mais tarde, no palco central, foi a vez de Elza apresentar seu show “A Voz e a Máquina”, onde suas canções ganham roupagens eletrônicas. Uma senhorinha de aparência frágil, Elza é acompanhada até o palco e parece que não dará conta do recado, mas é só ela abrir sua boca e sua voz já emana força. O setlist passou especialmente por faixas mais antigas, especialmente de seus discos “Vivo Feliz” (2003) e “Do Cóccix até o Pescoço” (2002), o que deixou morna uma parcela do público que esperava faixas de seus recentes “A Mulher do Fim do Mundo” (2015) e “Deus é Mulher” (2018). Do antepenúltimo, duas faixas surgiram no set mais ao final. Já do disco deste ano, apenas a faixa “Banho” surgiu discotecada na hora que Elza saía do palco.
Além disso, Elza também aproveitou para homenagear Cazuza cantando “O Tempo Não Para” – que ela regravou este ano para a novela homônima da Rede Globo – e a genial “Miséria”, do Barão Vermelho, que ela já havia gravado ao lado de Cazuza na década de 80. Destaca-se também no show o fato de a clássica “A Carne” aparecer em releitura pós-moderna, que traz os versos “a carne mais barata do mercado FOI a carne negra”, assim como no musical “Elza”.
Já madrugada a dentro, o Holger subia ao palco menor para apresentar o seu novíssimo “Relações Premiadas” (2018). O apertado palco parecia não conter a energia dos músicos, que queriam pular e fazer estripulias. Apesar disso, foi um showzão, mostrando que o bom disco cresce e muito no palco, ao vivo, ganhando força e violência. Apesar de um público pequeno e, em alguns casos, meio morno, o grupo conseguiu conquistar aqueles que se interessaram genuinamente pelas canções.
Depois das 3 da manhã foi hora de Linn da Quebrada entrar em cena para apresentar seu projeto Trava Línguas, ao lado de BADSISTA. Espécie de experimento entre poesia e o eletrônico, o show é um banho de água fria em quem espera a persona mais pop da artista, dona do excelente disco “Pajubá” (2017). BADSISTA faz a cama techno enquanto Linn traz seus versos, algo entre a canção e a spoken word, brincando e jogando com palavras homófonas – o que poderia se aproximar de certo modo do neoconcretismo, mas acaba por se tornar um tanto quanto raso, com versos que soam banais.
Além disso, o espetáculo é ornamentado com uma espécie de performance (ou happening, chamem como preferir) de Jup do Bairro, que sobe ao palco e queima-se com ceras de vela, baba um líquido preto, taca pão na plateia, entre outras coisas. Simbolicamente, o show parece ser um espaço de experimentação e resistência para Linn, porém soa fechado em si mesmo, isto é, enquanto conceito é interessante, enquanto prática é monótono. Uma pena.
Para fechar a noite, quase ao amanhecer do dia, foi a vez do Teto Preto subir ao palco e apresentar o seu novo disco, “Pedra Preta” (2018), ao vivo. A banda apresentou a sua mistura de gêneros num show pesado e forte, tanto sonora quanto politicamente – o momento em que CARNEOSSO fala os versos “Matheusa, Marielle, vivemos”, na faixa “Bate Mais”, é de arrepiar. CARNEOSSO, aliás, é uma figura poderosa ao vivo, com seu look que mais mostra que esconde, ela é hipnótica. Ao seu lado, o performer congolês Loïc Koutana é outro espetáculo, com sua dança visceral. Banda a se ouvir com atenção e show a não se perder!
O ponto negativo da noite foi a falta de bom senso de uma grande parcela do público. O Meca capricha em um line-up com um q vanguardista, mas reúne uma boa galera que vai ao festival mais pelo “close”, pela marcação no Instagram e que parece não ter mais vergonha de ser mal-educada, assim dá-lhe falatório durante os shows, gente que parava na frente dos palcos para fumar de costas para os artistas e até pessoal enfiando o celular na cara dos músicos para o melhor enquadramento no stories do Instagram. Problemas do nosso tempo.
Apesar desse imenso inconveniente, o saldo do MECABrás pesa mais para o lado positivo. Kelela fez falta? Fez, não se pode negar; mas a noite foi feita de bons shows, uma boa organização, sem filas nem problemas estruturais. Teve techno para quem era de techno, teve feirinha para quem quis aproveitar marcas independentes, teve bebidas variadas, teve muita locação para fotos conceituais e teve muita música boa. Valeu a pena amanhecer no Brás!
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o site A Escotilha. Escreve para o Scream & Yell desde 2014.