por Renan Guerra
Em meio a um turbilhão de tensões políticas, de uma comunidade LGBT+ receosa e com medo de uma possível perda de direitos, eis que Pabllo Vittar lança seu segundo disco de inéditas, intitulado “Não Para Não”, um trabalho pop que fala de amor, de diversão e tantas outras coisas que não envolvem política, mas que em seu cerne reverberam o nosso tempo, em forma de celebração. É a perfeita representação do conceito de “o fervo tamAbém é luta”.
Em entrevista a Alexandre Matias, no site Reverb, o DJ e produtor Rodrigo Gorky chancela: “Pabllo só por existir já é um pensamento político: uma drag queen que está na TV, que as avós das pessoas assistem, de quem as crianças são muito fãs. Só isso já é um tapa na cara, é um statement político”. E por isso mesmo, “Não Para Não”, lançado pela Sony Music, é um acontecimento pop importantíssimo em 2018.
A presença de Pabllo no palco do Domingão do Faustão, cantando “Disk Me”, cercada pelas bregas coreografias das dançarinas do dominical, é a prova de que ela é uma artista gigante e que se comunica com uma massa que vai muito além da comunidade LGBT+. A presença de Vittar na mídia de larga escala funciona na lógica do “esclarecendo pra confundir e confundindo pra esclarecer”. Ela é um ponto de questionamento e elucidação.
Quando do lançamento de seu primeiro disco, o independente “Vai Passar Mal”, sua obra inicial não era muito coesa, mas mesmo assim era divertida e apostava alto: essa aposta foi certeira e Pabllo fez um sucesso estrondoso em diferentes camadas sociais, funcionando tanto como ícone LGBT+ quanto hit de baladas héteros, com seu pop misturado a certa dose de breguice.
“Não Para Não” surge agora como um disco bem mais coeso, que funciona como uma obra enérgica, em menos de 30 minutos: canções velozes, que não chegam nem aos 3 minutos, e que atiram para uma profusão de gêneros, conseguindo amalgamar referências tão díspares como k-pop, PC Music e brega do Norte e Nordeste – inclui-se aí carimbó, calipso e swingueira!
“Não Para Não” acaba saindo depois de um sucesso internacional de Pabllo Vittar, que se tornou a drag queen com mais plays no YouTube, ultrapassando a poderosa RuPaul. Vittar fez parte do hit internacional “Na Sua Cara”, ao lado de Major Lazer e Anitta, e recentemente cantou ao lado do duo nova-iorquinho Sofi Tukker, na excelente “Energia – parte 2”, mas mesmo assim, a cantora optou por um segundo disco que não busca descaradamente as efemérides do sucesso na gringa. O novo trabalho constrói-se nas peculiaridades brasileiras, nas influências formadoras de Pabllo no Norte e no Nordeste e parte disso para criar batidas muito próprias e universais.
Cada canção de “Não Para Não” tem no mínimo inserções de três gêneros: algumas delas têm viradas, outras parecem embolar os ritmos e criam um universo extremamente pessoal de Vittar. É como um universo cyberpunk do brega, que mescla diferentes cenários em ritmo alucinante. Exemplo claro disso são as participações que aparecem no álbum, indo da funkeira Ludmilla ao pagodeiro Dilsinho, passando por um interessante encontro com sua melhor amiga Uiras, cantora que merece atenção. A ficha técnica ainda conta com o produtor Gorky e nomes como Alice Caymmi, Pablo Bispo, Maffalda e mais outros tantos assinando as composições.
A conhecida “Problema Seu” já era potencial hit, mas as enérgicas “Buzina” e “Seu Crime” também grudam na cabeça de forma forte e devem tocar muito pela noite. “Disk Me”, que ganhou um belo clipe, tem sabor agridoce de romance, algo entre o pagode romântico e aquelas versões bregas de sucessos do R&B norte-americano.
Já “Não vou deitar” e “No Hablo Español” são outros candidatos a hits poderosos, velozes e que ecoam repetidamente em nossa cabeça. De todo modo, é “Vai Embora”, ao lado de Ludmilla, que é um petardo pop: o único pedido é que haja fôlego para essa música resistir até o Carnaval, pois ela precisa ser tocada a exaustão nos bloquinhos!
No final das contas, este segundo disco prova que as pessoas podem tentar diminuir Pabllo como o sucesso de um verão, uma estrela passageira e curiosa, mas a sua presença é muito forte simbolicamente para ser negada. Exemplo disso: na mesma estação da Sé em que, no dia 30 de setembro, se entoou “ô bicharada, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado”; agora, no meio de outubro, vemos a imagem de Pabllo estampada de forma circular e cobrindo os elevadores, com seu corpo seminu, a praticamente dizer “podem seguir nos odiando, mas vamos seguir existindo e vocês vão ter que aturar”. Para qualquer pessoa LGBT+ que andava acuada e com medo, ver essa imagem gigante quando se desce do metrô é a validação de que somos muitos e somos fortes.
Podemos pensar no cenário futuro que for (inclusive os mais tenebrosos), que a perspectiva de luta e resistência se torna mais forte: não vamos deitar! Vamos seguir existindo, dançando, rebolando e batendo muito cabelo. Essa é a força positiva que “Não Para Não” transborda e por isso merece ser celebrado como um acontecimento pop no Brasil de 2018. Ouça bem alto e sem medo!
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o site A Escotilha. Escreve para o Scream & Yell desde 2014.