entrevista por Bruno Lisboa
Após 10 anos de parceria junto a Marcelo Jeneci tendo participado, de maneira destacada, dos dois álbuns do artista (“Feito Pra Acabar”, de 2010, e “De Graça”, de 2013), era chegada a hora de Laura Lavieri seguir seus próprios caminhos. E o resultado de sua primeira incursão solo é o recém-lançado álbum “Desastre Solar” (2018), produzido por Diogo Strausz, que já trabalhou com Mahmundi e Alice Caymmi, e lançado através do selo SLAP, da Som Livre.
“Desastre Solar” apresenta uma cantora segura que passeia por vários estilos musicais (rock, axé, pagode) e aposta, sempre com muita personalidade, em canções inéditas de Gui Amabis (“Mais Um Whisky”), Jonas Sá (“Me Dê a Mão”) e Marcelo Jeneci (“Me Sinto Bem”, parceria dele com Isabel Lenza), entre outros, além de regravar Novos Baianos (“Radical”), Marcos Valle (“Tira a Mão”) e da italiana “Estrada do Sol”.
Na conversa abaixo, Laura fala sobre o processo de gravação do disco (“Quis buscar minha identidade e partir prum cenário mais solar, extrovertido, explosivo”), Marcelo Jeneci (“Foi um caminho lindo”), a inspiração na cena musical feminina atual, os desafios de ser interprete (“A minha tarefa é dar voz”), a escolha do diversificado repertório (“Eu gosto de música: se eu me emociono e vejo verdade naquilo, basta”) e muito mais. Confira!
Em “Desastre Solar” você aposta em várias facetas musicais que resultam num disco desafiador, ainda mais para quem esperava algo próximo ao que você fazia junto ao Jeneci. Como foi o processo de composição do álbum?
Eu achava que justamente por ter várias facetas, num mundo de navegação em abas, isso tornasse o meu disco mais acessível! (risos) Eu quis buscar minha identidade, e partir prum cenário mais solar, extrovertido, explosivo. No trabalho com o Jeneci explorei um lugar mais melancólico, romântico, introspectivo – até mesmo na maneira de cantar. Foram mais de três anos de processo (do “Desastre Solar”), começando com pesquisas de repertório, experimentando bandas, músicos diferentes, fazendo alguns shows, gravando testes, desenhando os personagens que queria interpretar. Tivemos cinco dias para gravar as bases ao vivo, todos enfurnados num pequeno paraíso em Araras (RJ), depois foi um ano de pós produção, eu e Diogo meticulosamente revirando as camadas das faixas. E aí ainda teve o processo da arte, que foi delicioso de fazer e totalmente inédito pra mim.
Após 10 anos de contribuições junto ao Marcelo Jeneci quais as lições e aprendizados foram adquiridos?
Difícil resumir 10 anos em poucas linhas. Aprendi muito sobre relações de trabalho, amizade, equipe. Também sobre música, especialmente sobre performance ao vivo, arranjo, e como usar a voz (meu instrumento). Foi um caminho lindo. As 15 pessoas da equipe que nos revolvia são preciosidades raras.
Cada vez mais é perceptível uma maior presença feminina no universo musical brasileiro. Esta justa reconfiguração da cena serviu de inspiração para que você seguisse o seu próprio caminho?
Com certeza entender que era hora de cuidar de mim, e fazer algo meu, teve muito a ver com a libertação feminina e a tal reconfiguração social pela qual estamos passando. Demorei bastante para ver graça no meu próprio trabalho, minha própria fala, meu próprio caminho. Na nossa cultura é mais fácil a mulher se enxergar ao lado de um homem, do que sozinha e à frente.
O disco tem uma série de convidados especiais. Como se deu a seleção e quais contribuições eles trouxeram ao resultado final?
As participações especiais são todos aqueles músicos que gravaram na pós-produção, e não compunham a banda-base. A escolha deles foi muito natural – no processo da pós, a cada camada que entendíamos ser necessária pensávamos quem seria a melhor pessoa para gravá-la, e (não coincidentemente) eram também grandes amigos. O Jonas Sá gravou na música que ele fez pra mim, o Lucas Oliveira também (essa participação foi muito especial, e a cada instrumento que ele gravava a faixa ia ganhando mais sentido). Precisávamos de percussões em quase todas as faixas, e a pessoa certa pra isso era o Marcelo Callado. Nos vocais, a rainha lady Ledjane Motta (que eu conheci por causa dos trabalhos do Diogo). Nos metais, os afiados Marlon Sette e Altair Martins. A preciosa Joana Queiroz além de compor o naipe de sopros, gravou o solo de “Me Dê a Mão”. A musicalidade da Joana é algo difícil de se definir e estrondoso de se admirar. E por fim, o Guilherme Lírio, que nos acompanhou nas gravações das bases, e que compõe a minha banda nos shows.
O disco foi produzido pelo cada vez mais requisitado Diogo Strausz. Como foi trabalhar com ele?
O Diogo é um músico incrível. Grande produtor, e os arranjos são o requinte especial. Primeiro a gente ficou amigo, e fomos criando mais intimidade, e alinhando a linguagem e expectativa musical desse disco. Foi uma delícia. Ele além de tudo é muito inteligente emocionalmente, se envolve muito e participa de tudo que vem junto com a produção (divagações e crises existenciais – risos). É impressionante assistir ele trabalhando. Como vêm as criações, como ele administra as funções, e a delicadeza na condução dos músicos. Ele consegue extrair o melhor de todos, e exatamente o que ele vislumbra.
No disco você atua como interprete de compositores como Gui Amabis, Jonas Sá e Lucas Oliveira. A experiência de repaginar ou dar voz a outros cantautores é exercício dos mais difíceis?
Não. Na verdade é essa a minha especialidade, e o meu deleite. A minha tarefa é dar voz. Encontrar a nova fantasia que vou vestir o mesmo personagem. A outra maneira de contar a mesma história. E como eu escolhi canções que têm muito sentido pra mim, fica fácil.
A escolha por fazer releituras de canções como “Radical” (Novos Baianos) e “Deixa Acontecer” (Grupo Revelação) revelam um pouco da sua predileção sonora. Ouvir de tudo parece ser parte essencial do seu trabalho. Procede?
Procede. De fato, eu escuto diversos estilos musicais. Eu gosto de música: se eu me emociono e vejo verdade naquilo, basta. Nem saberia dizer qual a minha predileção, na verdade esse é apenas o primeiro disco, e o mais difícil foi justamente definir quais facetas eu exploraria, porque desejo explorar muitos mais ainda… mas sim, adoro Novos Baianos, e adoro pagode e samba em geral.
O single “Respeito” soa como uma resposta direta a aqueles que seguem alimentando o circulo de ódio a torto e a direito. Como você vê o cenário político/social brasileiro da atualidade?
Acho que não apenas os que circulam o ódio, mas aqueles que simplesmente desconhecem a noção de respeito (e esses são muitos). Acho chocante e aterrorizante o nível de desrespeito que chegamos. É como se agora fosse assumido que o normal é roubar, não tolerar qualquer diferença, ignorar leis e regras, o bem-comum, o espaço comum, os direitos e deveres. Os privilegiados entendem seus facilitadores como direitos. E nem enxergam o oprimido e a opressão – desrespeito. Acho que vivemos o auge de uma crise de responsabilidade. Justamente por ser tão comum transgredir os limites e regras, fica claro como o brasileiro tem dificuldade de enxergar a extensão de cada ato seu, que dirá responder por eles. e aí o desrespeito é mera consequência, quando devia ser pré-requisito.
E a estrada, e o futuro?
A minha banda completa é: Pedro Fonte (bateria), Guilherme Lírio (baixo), Lux Ferreira (teclados), Paulo Emmery (guitarra) e Marcelo Callado (percussão). Os planos são rodar bastante esse show, e também o show bailinho do “Desastre”, eu e o Lux, teclados, beats e voz. Queria fazer muitos festivais e festas, especialmente de rua, não só shows em teatro ou casas de show. Tem um clipe sendo preparado e umas live sessions prontas, já vão ao ar.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014.