entrevista por Renan Guerra
Mahmundi já não é mais uma promessa, muito menos uma surpresa. Seu talento já ficou bem claro e definido em seu disco de estreia, o auto-intitulado “Mahmundi” (2016). Agora ela lança “Para Dias Ruins”, seu segundo álbum, o primeiro trabalho pela Universal Music, e prova de uma vez por todas que está prontinha para ser gigante!
Mahmundi é Marcela Vale, a menina carioca que trabalhou no Circo Voador, foi comparada a Marina Lima e canta o amor de forma verdadeiramente própria. Esses epítetos todos, porém, escondem uma mulher forte, que domina diferentes frentes musicais e que consegue ser simples e certeira na hora de construir canções pop que falam de forma universal sobre o amor, o cotidiano e a felicidade. E é com esse olhar positivo que ela lança seu novo disco, como um antídoto contra o caos instalado nesses nossos tempos.
Com show de estreia no Sesc Pompeia, “Para Dias Ruins” mostrou uma artista desenvolta no palco, que fez fãs cantarem hits, chorarem, e dança no meio da plateia lançando pequenas epifanias sobre ser e existir. Neste bate papo moderno abaixo (perguntas por e-mail, respostas em áudio), falamos sobre a produção do disco novo, as suas inspirações e aspirações e sobre outras tensões que nos permeiam. Confira a entrevista abaixo:
No evento de lançamento de “Para Dias Ruins”, você falava que já tinha um disco praticamente pronto e acabou decidindo mudar no meio do caminho. Como foi o processo de construção deste álbum?
A construção do “Para Dias Ruins” foi um período de fazer pesquisa, resgatar algumas canções e resgatar a forma de fazer canção. Foi bem legal, por que sempre trabalhei como técnica, mas nunca tinha me colocado à prova de fazer ritmos clássicos de que eu gostava muito, então “Para Dias Ruins” tem essa construção. Antes eu já tinha uma ideia, daí abandonei essa ideia e comecei de novo, até pra estudar, para aprender como me desenvolver como artista e cantora.
Também no lançamento você falava sobre sua mãe pedir para que se ouvisse mais a sua voz nas suas músicas. Nesse sentido, o novo disco parece ainda mais pop e acessível. Aparentemente, você não parece ser da linha de artistas independentes que têm medo do sucesso popular. Como você encara essa possibilidade?
Gosto de música pop, gosto de pessoas e cada vez mais gosto de lidar com o Brasil. Quando você vai entendendo a forma de se fazer sucesso, que é um reflexo muito desse modelo americanizado, acho que você vai crescendo, vai entendendo de comunicação, a coisa da voz, da mensagem. No Brasil se faz muito necessário essa coisa de se comunicar com grandes multidões, e as pessoas gostam bastante também. Gosto de ser popular e acessível, e acho que (esse novo disco) abriu o caminho para eu ser mais acessível. Acho que estou caminhando cada dia mais pra ser popular, mas acho (também) que (estou) entendendo esse processo a fundo, sem nenhum afobamento. Está sendo ótimo fazer isso com calma. Acho que no futuro a gente tem que… eu, particularmente, tenho muita coisa pra aprender, pra ver. Não só eu, como meus amigos artistas, então é isso: não é nem uma questão de ter medo, é só me preparar para fazer isso com cautela, com segurança e com entendimento.
Esse é seu primeiro trabalho com uma grande gravadora. Como foi esse processo: você notou diferenças grandes? Você teve a mesma liberdade de produção?
As diferenças que notei indo para a Universal é que eu tinha uma estrutura de quem já teve outras experiências. Era diferente de eu estar dando pitaco, entendendo algumas coisas. Meus pitacos eram muito musicais, mas eu precisava de uma estrutura que me ajudasse a coordenar essa conceito de como produzir, de como aprender a fazer produção, fora e dentro do próprio trabalho. Então foi realmente um aprendizado, foi especial e tem sido. A Universal é muito grande, acho que hoje uma das maiores gravadoras do mundo, e a gente têm acesso a vários artistas e pessoas que estão lá desde o começo, então pra mim foi muito rico estar lá. E tive uma liberdade de produção, consegui fazer tudo que eu quis e ter entrado em 2018 numa gravadora é fundamental para saber lidar com um mercado novo, com pessoas novas, então foi muito importante. Amadureci bastante nesses dois anos, com esse suporte. E espero estar preparada para participar de uma indústria efetivamente como produtora musical já nos próximos anos.
“Para Dias Ruins” resgata algumas canções já conhecidas anteriormente, como “Felicidade”, do seu primeiro EP. Qual era o intuito de repaginar essas canções antigas?
Quando comecei a fazer algumas músicas minhas em 2012, eu tinha uma ideia de som, mas precisva aprender a fazer aquilo. Porém, naquele momento, eu não tinha referências de pessoas com quem gostaria de trabalhar, então fui fazendo, fazendo, e então seis anos depois comecei a olhar para essas músicas na essência das canções, e já tinha estudado um pouco mais de mixagem, de gravação, de produção e tal, então o intuito foi resgatar realmente essas canções e tirar o melhor delas enquanto… canções. Então esse trabalho de mixagem e de produção, saber os timbres certos, foi muito importante para trazer essas canções para o agora, com mais maturidade para executá-las. Realmente foi bom, é bom você dar um espaço, um tempo e conseguir trazer essa música de volta, ressignificar é realmente importante.
O novo disco já tem dois lindos clipes. O de “Qual é a Sua?”, por exemplo, foi gravado na Bahia. Como foi a concepção desse vídeo?
Gravar na Bahia é também pelo lance de diversificar um pouco desse olhar da minha caminhada pelo Brasil. Eu sempre gostei de falar do meu lugar, o Rio de Janeiro, mas viajando pelo Brasil comecei a entender essa unidade das coisas, e isso me fez muito bem. Gravar “Qual é a Sua?” na Bahia e passar dois dias na cidade – na verdade eu passei três dias lá – comendo acarajé, caminhando, andando, vendo as pessoas – e foram lugares que de fato a gente caminhou, eu e o Henrique Alqualo, o diretor do clipe. Foi bom tem feito isso com pessoas normais, com amigos, então acho que também é uma parte do Brasil, uma outra quentura, um outro romance, uma fotografia bem bonita, por que o Brasil é isso, os cenários naturais… Gosto muito de lidar com cenários naturais por que o povo brasileiro tem muito essa coisa da imagem, de que gosto também. Foi realmente muito importante.
Uma das canções mais bonitas do disco, a meu ver, é “As Voltas”, acho extremamente delicado o uso (e não uso) dos pronomes. Entendo-a como uma canção que celebra todas as formas de amar e a liberdade de ser o que se é. Essa era sua intenção com a música?
“As Voltas” é uma composição do Qinho, na verdade, que é um compositor carioca que adoro e acho que foi importante compartilhar dessa composição e fazer um arranjo diferente da proposta da música dele. (Apesar de que) Não é tão diferente do arranjo dele, mas de uma voz masculina para uma voz feminina já mudam muita coisas. Adoro essa música justamente pela liberdade e, também, às vezes, quando a gente está aprendendo num processo de se relacionar, a gente sofre muito, a gente briga muito, mas o amor pode ser ressignificado. “As Voltas” fala: “Vão dizer que isso não se deve fazer”, e tem isso também, às vezes a gente vai ficar se cobrando sobre o que as pessoas vão achar de você; mas eu acho que o importante é você saber o momento de dar oportunidade pro amor voltar ou como construir outros amores, tem muito isso também. Acho que a gente tem que estar atento a todas as novidades. “As Voltas” fala muito dessa coisa da volta pra esse amor, esse primeiro amor. Então é isso, a intenção era realmente liberdade.
“Para d+Dias Ruins” é um disco de amor em meio ao caos. Podemos dizer que você seria uma pessoa de pensamento positivo? Como você tem se enxergado nesse cenário polarizado pré-eleições?
O “Para Dias Ruins” fala desses meus últimos anos, que foram bem complicados. Recorri a terapia, a meditação, recorri ao auto-conhecimento para não fazer o mundo me afundar. Acho que várias pessoas no Brasil, e não só no Brasil, mas no mundo, ainda que no Brasil a gente passe por muitos problemas, tem esse problema da pobreza e da falta de alfabetização e de dinheiro e de ser um país rico e estar sempre lidando com a miséria, então isso tudo gera uma pobreza mental, uma miséria espiritual, que acaba refletindo e as pessoas não conseguem muito chegar, e dão fim a sua vida por não entenderem. E eu tava passando por isso, como uma brasileira legítima, de ver tudo desmoronando e trazendo até essas questões eleitorais, já que isso tudo é muito novo pra gente. Efetivamente nesses últimos anos a gente tem deixado esses assuntos das eleições mais à tona, as pessoas têm falado e tal, está muito complicada essa situação toda. Mas enxergo uma melhoria, apesar dessa melhoria ser uma novidade, ela vem também com uma violência, vem com uma agressividade. Mas a gente não está chegando num processo de fim, acho que a gente está chegando em um processo de evolução. E em todos os períodos evolutivos acontecem essas rupturas. É isso: chego ao final desses dias ruins na verdade dizendo que é importante se posicionar, é importante saber como você reage a dias ruins, não simplesmente desistir de ser quem você é em dias ruins – tanto para as eleições, para a vida íntima, pública, relacionamentos. É sobre se posicionar e repensar a forma de encarar dias ruins.
Você é cantora, compositora, instrumentista e produtora, você ainda sente aquela desconfiança masculina perante o seu trabalho? Vejo você próxima de outros artistas de sua geração, como o Emicida, Alice Caymmi e Letrux, para citar alguns. Além desses, quais outros artistas jovens você acompanha e fazem parte da sua playlist?
Existem vários artistas – brasileiros – que admiro muito e acho que a gente está passando por um momento muito fértil, em que a internet possibilita muita gente de estar aí acontecendo. E o mercado está muito mais plural e não é só mais masculino e feminino, é muito mais plural para o público LGBT, pro público negro, pra todas as frentes. E não só de música, mas também de entretenimento, os youtubers, pessoas que se comunicam, acho que tem sido uma época muito rica pro Brasil, a gente tem colocado muita gente fera aí falando, então fico muito orgulhosa. E sobre produção e essa coisa do mundo masculino, é uma coisa que já aprendi a entender que vai fazer parte, o mundo está cauterizado numa forma de pensar, naturalmente as pessoas vão lá e vão falar “ai, você é mulher”, “ai, você é não sei o que”, isso é meio chato, por que eu já passei do tempo em que eu estava reativa com isso e agora eu fico só esperando que essa ignorância se dissolva e que a gente consiga falar de igual pra igual. Isso é longo, o nascer é longo, o desenvolver é longo, mas eu acredito que daqui pra frente as coisas vão mudar cada vez mais e a gente vai ver muito mais mulheres trabalhando, cantando, produzindo, não só mulher fazendo necessariamente x ou y, mas ela estando em um lugar onde ela quiser, de fato. Essa frase é maravilhosa: o lugar da mulher e de qualquer pessoa é onde ela quiser estar, com respeito, amor ao próximo, respeito a si próprio, tudo é possível.
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o site A Escotilha. Escreve para o Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Edvaldo Santos / Divulgação