Quinteto fundado por Antoine Olivier, percussionista francês radicado no Brasil, e pelo saxofonista e compositor brasileiro Glaucus Linx, o Alabê KetuJazz une a percussão do candomblé da nação Ketu com a liberdade estilística do jazz num retorno do gênero às suas raízes africanas, um encontro do aprendiz com o seu mestre. Único na história da música brasileira, o projeto lançou seu primeiro álbum de estúdio, homônimo, em todas as plataformas de música digital em agosto de 2018.
Antoine foi aprendiz do mestre das percussões afro-brasileiras Dofono de Omulu durante 10 anos, estudando tanto a linguagem dos tambores quanto como dialogar com os dançadores em transe de possessão pelos orixás. Já Glaucus tem uma ligação ancestral com o universo do candomblé, reforçada pela convivência com as culturas africanas e orientais. Em sua longa estadia na França, tocou com vários artistas como Salif Keita (Mali), Clément Masdongar (Tchad), Kiala (Nigéria/Togo), Jules N’Diaye (Senegal), Orchestre Nationale de Barbès (Argélia).
Juntos, Glaucus e Antoine criaram músicas a partir dos rituais, em que o saxofone assume o papel do dançador contando uma história em movimentos musicais. “O grande diferencial de nossa música é que não estamos fazendo uma fusão de vários estilos musicais com música africana e jazz. As canções foram criadas de maneira orgânica a partir dos tambores do jeito que eles são tocados e arranjados dentro do ritual. O jazz é só uma influência na maneira de deixar espaço para improvisação e liberdade”, explica Antoine Olivier.
O batuque sagrado do Candomblé da nação Ketu traz sua complexidade e poder para um cenário contemporâneo. O disco, produzido por Olivier e Linx, foi gravado buscando manter os sons mais próximos dos toques sagrados. O projeto conta com participações especiais de Carlos Malta, Henrique Bunde, Tiago Magalhães e Gabriel Guenther; além de nomes do candomblé como a Ekedy Nicinha, a Mãe Nildinha de Ogum, Raoul de Ogum (Ogã Alabê do axé Opo Afonjah), Ogã Eli (casa de Oxumaré), Alabê Lazinho, Ogã Licinho e Alabê Joilson São Pedro.
Abaixo, Antoine Olivier comenta o disco faixa a faixa! Ouça aqui o disco!
01. Saudações
Cantiga para Exú: Ekedy Nicinha de Oxumarê
Cantiga para Ogum: Ialorixá Nildinha de Ogum (Ilê Lara Omim)
Atabaques: Antoine Olivier
Da mesma forma que o grupo sempre canta para Exú e Ogum antes de subir no palco, abrimos o disco com saudações para pedirmos suas bênçãos, para abrirem nossos caminhos e vencermos nossas lutas. É um imenso prazer e honra ter a participação dessas duas grandes damas do Candomblé.
02. Vássi para Omolú em Si Bemol Menor
Saxofone soprano: Glaucus Linx
Flauta baixo e clarone: Carlos Malta
Rum: Antoine Olivier
Rumpi: Ogan Licinho (filho da mãe Lindinha do Gantois)
Lê: Ogan Ely de Omolú (Axé Oxumarê)
Gã: Ogan Emerson Munrra (Axé Tumba Junsara)
Vássi para Omolú é o lamento de agonia e sofrimento interiores que extravasam os corações e se manifestam em melodias profundas e pungentes, como preces e gritos, dirigidos ao Orixá da cura. Nessa música contamos com a participação excepcional do grande multi instrumentista Carlos Malta. Ele contribui de maneira brilhante com suas texturas e contrapontos que revelaram as profundezas espirituais que residiam nessa composição. Carlos Malta nos presenteou com o seu terceiro olhar. Axé, Mr Malta!
03. Aguéré – A Caça de Odé
Saxofone tenor: Glaucus Linx
Saxofones barítonos: Henrique Band
Rum: Antoine Olivier
Rumpi: Tiago de Magalhães
Lê: Otun Alabê Raul de Ogum (Axé Òpó Àfonjá RJ)
Gã: Antônio de Jagun
Nesse toque, dedicado a Oxóssi, o senhor da caça, abordamos quase que literalmente a história. Na abertura, o caçador invoca os orixás para obter força e sorte, evoluindo a melodia à medida em que penetra na floresta, até encontrar a caça (solo sax tenor), onde o saxofone assume o papel do animal, enquanto o Rum assume o papel do caçador desferindo suas flechas (a cada batida aguda). O animal, atingido, cai e dá seu último suspiro; o caçador volta, enfim, para a aldeia, triunfante, cansado e exibindo o seu troféu precioso! Nessa música contamos com a participação do saxofonista barítono Henrique Band, que criou um arranjo riquíssimo em sonoridades incomuns, contribuindo maravilhosamente para a criação do cenário de fundo.
04. Opanijé Xaxará
Saxofone tenor: Glaucus Linx
Rum: Antoine Olivier
Rumpi: Ogan Ely de Omolú (Axé Oxumarê)
Lê: Tiago de Magalhães
Gã: Gabriel Guenther
Opanijé é o toque sagrado entoado para o Orixá Omolú, que é acompanhado por uma dança dramática, dialogando com a dualidade e efemeridade das coisas. A melodia do sax simboliza o Orixá presente, contando sua história através do movimento do som, assumindo o papel do Orixá incorporado na festa de Candomblé. A música surgiu de dentro do toque dos atabaques seguindo o ritual. É a potência da vida e da cura homenageando Omolú, passando pelas nuances de nossas existências, pelos ires e vires de nossa evolução espiritual. O início é força da vida e da cura homenageando o Orixá, e as paradas rítmicas anunciam a doença e morte. O fim marca a volta à cura e à saúde.
05. Igbí Adijá
Saxofone tenor: Glaucus Linx
Adijá: Ialorixá Nildinha de Ogum (Ilê Lara Omim)
Rum: Antoine Olivier
Rumpi: Murilo de Ogum (Ilê Lara Omim)
Lê: Dofono de Omulú
Gã: Antônio de Jagun
Igbi quer dizer caracol em Yorubá, e o toque é dedicado ao Orixá Oxalufã, simbolizando a sabedoria que vem com a idade. O Adijá (sineta de metal), é o instrumento sagrado tocado pelas pessoas mais respeitadas e presentes na casa. A introdução representa a homenagem à harmonia da criação, seguida de sua contemplação em louvores melódicos; o movimento seguinte conta o passeio pelos diferentes recantos da terra, com suas diferentes pulsações, retornando aos louvores do Orixá, até sua partida sob motivos rítmicos decrescentes.
06. Bravum Sete Cores
Saxofone tenor e soprano: Glaucus Linx
Rum: Antoine Olivier
Rumpi: Ogan Joílson São Pedro
Lê: Dofono de Omulú
Gã: Gabriel Guenther
O ritmo bravum é associado ao Orixá Oxumarê, simbolizado pela cobra arco-íris de sete cores. Como o Orixá, a música é muito dinâmica e positiva, explorando o movimento constante e os ciclos. A melodia tem uma certa inspiração em Maurice Ravel, pela repetição dos motivos melódicos e ciclos ímpares (como em seu Bolero). Nos ataques e paradas rítmicas – a dança da serpente – onde a cobra dança de maneira mais expressiva, Glaucus sopra os dois saxofones simultâneamente, num momento pleno de energia primal e bruta, que explode em adrenalina, representando a potência da serpente. O atabaque rum se expressa em um solo também pleno de energia, ao final do qual o sax retoma a melodia inicial e serpenteia, a cada vez mais suavemente, hipnotizando os atabaques e adormecendo-os.
07. Ijexá Gnawa
Saxofone soprano: Glaucus Linx
Rum: Antoine Olivier
Rumpi: Dofono de Omulú
Lê: Jose Izquierdo
Gã: Ogan Joílson São Pedro
Karkabous Gnawa: Cyril Atef
A melodia de inspiração Norte Africana é muita expressiva e faz bastante uso dos quartos de tom, sonoridade inerente ao universo islâmico. Essa música é dedicada a Oxum, Orixá da feminidade, da beleza e do amor, mas com uma abordagem mais espiritual, inspirada do Sufismo (seita mais purista do Islã), onde a espiritualidade mostra a sensibilidade e sensualidade das melodias orientais, sem cair na facilidade da sedução carnal; o gozo é êxtase espiritual. Ora yê yê ô! O grande percussionista franco-iraniano Cyril Atef toca os karkabous (castanholas de metal) utilizadas pelos Gnawas, músicos/médiuns da África do Norte (Marrocos, Mauritânia e Argélia). O mestre chileno da percussão Jose Izquierdo contribuiu com seu suingue único.
08. Savalú Motumbá
Saxofone tenor: Glaucus Linx
Rum: Antoine Olivier
Rumpi: Dofono de Omulú
Lê: Ogan Lázaro (filho do Ogan Arranha)
Gã: Ogan Joilson São Pedro
Esse toque é dedicado a Nanã, Orixá da terra, da vida e da morte. Ela é dona do axé, a fonte de energia de tudo que existe. A melodia de inspiração caribenha celebra a vida e a fecundidade. Nossa inspiração veio das celebrações dos solstícios, feitas por todos os povos que dependiam dos frutos da Mãe-Terra; muita alegria, muita festividade em torno do princípio feminino, que dá a Luz e gera a Vida, mantendo a Humanidade na marcha evolutiva. Vemos as mulheres louvando a Terra, cantando e dançando, sendo elas mesmas as grandes representantes de Nanã no plano terrestre!
09. Batá Nippon
Saxofone soprano: Glaucus Linx
Rum: Antoine Olivier
Rumpi: Ogan Ely de Omolú (Axé Oxumarê)
Lê: Tiago de Magalhães
Gã: Antônio de Jagun
Nessa música unimos a meditação profunda, inspirada pela serenidade do velho Oxalufã, com a filosofia do oriente extremo. A melodia sempre questionando sem nunca responder, celebra um amanhecer sem fim. O atabaque, além de usar a linguagem tradicional do rum, é também inspirado pela percussão tradicional japonesa do teatro Nô e Kabuki, usando dinâmicas extremas e acompanhando cada passo da história. Melodias ascendentes e de interpelação. Interrogativas em conjunção com o Universo infinito.
10. Ramunha Final
Rum: Dofono de Omulú
Rumpi: Ogan Lazaro (filho do Ogan Arranha)
Lê: Ogan Licinho (filho de Mãe Lindinha do Gantois)
Gã: Ekedy Nicinha de Oxumarê
O grande mestre dos atabaques Dofono de Omulú me ensinou a arte dos tambores e, após anos de estudo e de participações na festas de Candomblé com Dofono, fundei o grupo Alabê KetuJazz com Glaucus Linx. Desde o inicio, o mestre apoiou e participou dos shows do grupo, sendo ainda o Babalorixá da banda. A ramunha é o toque que encerra a festa de Candomblé e Dofono de Omolú mostra aqui a força e poder do axé de um grande mestre do Ketu. Agradecemos muito por tudo o que ele nos ensinou, tanto no plano musical quanto no espiritual. Atôtô mestre!