por Marcelo Costa
Até o final do ano passado, 2017, Lenildo Gomes era um cara de bastidores. Produtor e gestor cultural, sociólogo e professor com experiência no ensino, gestão e elaboração de projetos e ações no campo das artes e da cultura, Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará com pesquisa na área de Cinema e Especialista em Gestão e Políticas Culturais, Lenildo trocou Manaus por Fortaleza nos anos 90 envolvendo-se na produção de eventos culturais, seja através da Secult-CE, seja de maneira independente com o coletivo Mercúrio – Gestão, Produção e Ações Colaborativas, que teve como fruto o selo Mercúrio Música.
Tendo a música como inspiração e referencia, no final de 2017, Lenildo lançou a primeira de duas obras que o trazem para frente dos holofotes, o livro “Música ao Fundo, Poucos Acordes, Uma Voz Rouca”, editado de maneira independente, um diário com “fragmentos de lembranças, amores corrosivos e cacos de tempo”, conforme adianta Vancader Brito na introdução, que ainda descreve: “Lenildo compõe cenas marginais nas quais o amor e os restos mortais dos amantes podem gritar sem pudores que viveram”. A segunda, já em junho de 2018, foi o disco de estreia da dronedeus.
Nascida diretamente da experiência com o livro, a dronedeus é um trio que mistura spoken word, trip hop e experimentalismos eletrônicos com Lenildo declamando seus poemas (ora com megafone e diversos pedais de efeito) enquanto Vitor Colares (baixo, casiotone e sintetizador) e Rodrigo Colares (batidas, sintetizador e samples) criam uma massa sonora que se alia a projeções e vídeos na “tentativa de criar uma espécie de sarau musicado”, explica Lenildo. No bate papo abaixo, ele fala sobre o livro, sobre o disco “proletariadx” (download gratuito no Bandcamp) e o momento atual da cena musical de Fortaleza. Confira!
Como surgiu a ideia do livro “Música ao Fundo, Poucos Acordes, Uma Voz Rouca”?
Ele tem uma referência da música, que é muito presente na minha vida. A partir disso, comecei a pensar várias histórias de amores e desamores, angustias e sofrimentos, e comecei a lembrar da minha trajetória, percebendo que sempre havia uma música relacionada com cada momento…
Os textos são todos novos ou há material que estava na gaveta…
Tem coisa velha, coisa de 20 e poucos anos nesse livro! Claro, dei uma revisada, uma atualizada, porque eu tinha duas premissas: uma estética, cuja opção era fazer uma coisa mínima, experimental mesmo, então, por exemplo, há texto de uma linha, mas há textos maiores também; a outra premissa era tentar retratar um pouco essa minha história com a música, mas na maioria das vezes são personagens femininos, o universo de algumas mulheres. As pessoas me perguntam se sou eu, se eu conheci, e tanta gente pode se identificar… O trabalho foi buscar, dentre centenas de textos que tenho, como recortar alguns (e dar um sentido). Decidi organizar em capítulos, seguindo uma proposta da Nádia Sousa, minha companheira, então há uns capítulos mais violentos, de ultraviolência mesmo, mas também há aqueles recortes de amor e dor, o clássico sofrimento, mas todos eles são permeados pela música. Por isso o título. Dai convidei uma amiga, a Raísa Cristina, que é artista em Fortaleza, para fazer a capa e quatro ilustrações que acompanham. Há um cuidado com o papel, com o tipo de fonte, de parecer algo mais velho, de parecer um diário, essa borda recortada…
Como é essa tua ligação com a música? Além do livro tem o coletivo, o selo, a banda…
O coletivo é a minha primeira experiência com música. Se chama Mercúrio e trabalha com várias linguagens artísticas: literatura, artes visuais, audiovisual, moda… A ideia de coletivo é um encontro de pessoas. Já o selo surgiu quase que como uma resposta a uma necessidade da galera da cidade, devido a minha relação com a música em Fortaleza e na produção e organização de eventos. A proposta do selo é juntar as pessoas, mas não numa perspectivas só de “jogar” o álbum na rede, virtualmente falando, e sim num trabalho de colaboração: ter o selo, produzir o evento, inscrever projeto no edital, mas numa relação de parceria mesmo. Buscamos artistas que têm dialogado com a contemporaneidade da música, como o Máquinas, o Astronauta Marinho, que é mais antigo na cena da cidade, a Vacilant, e a Clau Aniz, que é uma garota sensacional – lançamos o primeiro disco dela, “Filha de Mil Mulheres”. E tem a dronedeus, que é o meu projeto e também saiu por esse selo. Resumindo, a ideia do selo é criar uma rede de colaboração.
Dar uma agitada na cena da cidade…
É. Outras bandas de outros estados têm nos procurado. Fizemos (shows d)a Bike, a Kalouv, alguns projetos do Vitor Brauer também já passaram por lá. Estamos trabalhando nessa ideia da rede juntando selos, casas, produtoras e artistas para criar uma estrutura mínima de colaboração no sentido de que, às vezes, não é só grana: só de divulgar o evento do outro você já dá um up. Estamos fazendo um documentário, já entrevistamos algumas bandas…
Apenas bandas locais?
Só banda local. A ideia é mapear a cena local.
E como está a cena local cearense agora? O Selvagens à Procura de Lei tem um público fiel…
Se a gente puxar ainda antes tem Cidadão Instigado, Montage, essa galera que saiu da cidade. Mais contemporâneo têm Selvagens, Daniel Groove… Mas fora isso, acho que Fortaleza vive seu melhor momento na música. Fico ouvindo algumas coisas e penso: caramba, por que essas coisas não estão saindo pra fora da cidade? Porque são coisas muito bacanas. Fortaleza é uma cidade muito receptiva à experiência estética da narrativa. Cada vez mais. É surpreendente. Porém, acho que o alto investimento do poder publico, com eventos como o Maloca Dragão, que é gigantesco, e mesmo com a programação normal do Dragão do Mar, que é muito massa para a cidade, causa pouca reação no público. Acho que temos produção de mais e público de menos. Porém, criativamente é um grande momento. Por exemplo, o Dragão do Mar criou o Porto Dragão Sessions, selecionou 30 bandas e chamou seis pessoas de fora da cidade para ouvir. A ideia era selecionar 10, mas o que chegou para nós é que a galera (Alexandre Matias, Arthur Fritzgibbon, Daniel Ganjaman, Fabiana Batistela, Pena Schimidt e Roberta Martinelli) ficou bastante impressionada com os trabalhos. E selecionaram 15 deixando os outros 15 de standbye. E era só 10!
Que bacana! Voltando à Mercúrio Música, como o selo foi se formando?
O Máquinas foi a primeira banda. Quando o primeiro disco deles saiu na lista de Melhores do Ano do Scream & Yell, nós ainda não tínhamos o selo, mas estávamos muito próximos deles. Agora já estamos a dois, dois anos e meio juntos. Nos aproximamos do Astronauta Marinho em 2017 e criamos uma relação bacana, tanto que lançamos o “Perspecta” em 2018, que é um disco para aparecer em lista de melhores do ano. É sensacional. E tem a dronedeus, que é meu projeto de trip hop experimental. Alguns textos do livro “Música ao Fundo, Poucos Acordes, Uma Voz Rouca” viraram música, spoken world. Há duas pessoas comigo na banda: Vitor Colares e Rodrigo Colares, os dois da Fóssil. Lançamos o disco (“proletariadx”) em junho e estamos investindo em outro formato para a música porque a gente tem projeções, vídeos, o formato da apresentação é uma tentativa de criar uma espécie de sarau musicado. Estamos muito livres e com desejo de experimentar o formato da apresentação em outros lugares (um escritório, uma fábrica têxtil, uma praça de camelos). É muito equipamento eletrônico, é tanto fio, mas é uma experiência massa. A dronedeus é massa. Está tudo no Bandcamp da Mercúrio Música.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.