entrevista por Leonardo Vinhas
Segundo sua própria definição, Bituin “é um quarteto de música latino-americana experimental, integrado pelos irmãos Daniel e Santiago de Mendoza, respectivamente no contrabaixo e bateria, e as irmãs Juanita e Valentina Añez nas vozes. Nós quatro fazemos arranjamos para diferentes compositores de América Latina”. Simples e sem floreios – porém, como em sua música, a simplicidade aparente não dá conta de esclarecer a proposta artística.
Na verdade, o Bituin é uma das bandas mais celebradas da nova cena jazz colombiana, e passou pelo Brasil com uma “turnê relâmpago” em agosto com o apoio do programa de circulação internacional IDARTES. Nos dois shows em São Paulo, a banda mostrou que baixo, bateria e voz são mais que suficientes para criar uma música dinâmica, imprevisível e envolvente quando os músicos conhecem a fundo seus instrumentos. A arte do quarteto não se presta ao consumo fugaz e alvissareiro: ao contrário, requer a atenção do ouvinte, especialmente ao vivo, para que a “experiência” – essa palavra tão desgastada pelo mau uso – possa ser completa e surpreendente.
Os caminhos que Daniel de Mendoza encontra em seu contrabaixo não se prendem aos graves mais óbvios, indo de Monk Montgomery a Javier Malosetti. As vozes de Juanita e Valentina (que também atuam em um celebrado duo, Las Añez, dedicado à canção colombiana) trabalham os fonemas com modulações amplas, valendo-se tanto de scats e vocalises como das letras das canções, e realmente é difícil explicar em palavras como a bateria de Santiago de Mendoza consegue dar a liga nesses elementos aparentemente opostos. Mas veja qualquer um dos vídeos aqui disponíveis para ver que a mistura funciona.
Por ora, a banda tem apenas dois discos, “Paisaje Abierto” (2011) e “Entre tu Pueblo y Mi Pueblo” (2014), e o terceiro (“Lluvia En El Maizal”) já está a caminho, com data de lançamento para o final do mês de agosto de 2018. Os discos se amplificam pela forte presença do quarteto nos palcos, um dos temas desse papo rápido com o Scream & Yell. As respostas foram dadas coletivamente, diretamente do aeroporto de Guarulhos, pouco antes de embarcar de volta a Colômbia.
A música de vocês se aproxima bastante do jazz sem deixar de lado seu DNA colombiano. Como se dá essa relação entre as duas estéticas?
O folclore e a música tradicional que nos influenciam vem de vários países da América Latina, mas nosso terceiro disco será especialmente influenciado por nosso país, a Colômbia. Já o jazz, ele é mais do free jazz moderno e de vanguarda. Esse apreço por jazz e folclore é o que fundimos em nossa música, certamente com olhar e estilo bem colombianos, principalmente de Bogotá, que é a cidade onde todos nos criamos e vivemos. Tudo isso faz com que costumemos chamar nosso show de “música latino-americana experimental” ou de “jazz latino-americano de vanguarda”.
O trabalho de Juanita e Valentina com Las Añez já tem uma presença forte no cenário musical colombiano. Como vocês separam as prioridades de ambos os projetos quanto a gravações, turnês, divulgação?
Las Áñez é o nome de um duo vocal de “nueva canción latinoamericana”, integrado pelas irmãs Añez, mas é um show diferente, com outras canções. O Bituin foi criado três anos antes de Las Áñez, e desde então se movimenta mais no circuito do jazz e da música experimental. É nesse contexto que o Bituin tem prioridade: em eventos onde se aprecia a world music vanguardista.
Já que essa é a primeira vez por aqui, é justo perguntar o que o país representava no imaginário da banda.
Brasil era um destino que não estava dentro do nosso radar. Talvez pelo idioma ou por pouco conhecimento, tínhamos outros países em mente antes do Brasil. De fato, jamais imaginamos estar tocando aqui tão rápido. Apesar disso, quando surgiu a possibilidade de fazê-lo, ficamos emocionados em compartilhar nosso trabalho com a comunidade brasileira. O imaginário que tínhamos do Brasil era o de um país cheio de ritmo, cores e música, mas talvez não tão próximo ou aberto à música latino-americana e em espanhol. A realidade foi bem próxima a esse imaginário, pois as pessoas são muito queridas e sorridentes, e a música se respira no ar. Além disso, o público foi muito receptivo e aberto à nossa música, de modo que curtimos muito cada um dos nossos shows, e já estamos pensando desde agora em uma próxima turnê no Brasil.
Tanto em tradição como no presente, a Colômbia é um país ricamente musical. Mas nem sempre a realidade financeira caminha de mãos dadas com a artística. É possível sobreviver na cena jazz colombiana?
Em nossa cidade e nosso país existem apoios financeiros para a arte. A riqueza musical do país, e às vezes a burocracia, tornam exigente e competitiva a condição de ser contemplado nos concursos estatais. Ainda assim, os recursos estão aí para os músicos, organizados e transparentes, e por isso estamos gratos pelas muitas vezes que fizemos uso dos recursos econômicos dos concursos colombianos para nos apresentarmos em várias cidades.
Um dilema clássico do jazz, em especial do free jazz, é levar para o estúdio a imprevisibilidade dos shows. Como vocês tratam essa questão, já que sua música abre espaço para muita improvisação?
A gravação sonora é um fenômeno relativamente novo na história da música. Durante muito tempo, os compositores se viram na necessidade de escrever sua música em partitura para que ela não se perdesse no tempo e pudesse ser tocada e recordada por outros músicos e pelo público em geral. O jazz, e mais ainda o free jazz e a livre improvisação, é o tipo de música que não se costuma colocar em partitura de forma geral, pois grande parte dos sons são criações instantâneas do momento. Por este motivo, poder registrar esta música em uma gravação foi um lucro enorme para o gênero, já que agora ela pode ser imortalizada e lembrada por muito tempo. Com o Bituin acontece algo parecido, e ainda que os shows sejam muito importantes para nós e seja comum a ocorrência de momentos únicos, também damos muita importância à gravação e aos trabalhos discográficos, já que sabemos que dessa maneira nossa música pode se manter através do tempo e funcionar como um registro do momento em que vivemos.
A experiência da música, principalmente da que vocês fazem, é mais forte ao vivo e com a atenção dedicada. As pessoas hoje estão muito mais conectadas com seus aparelhos de telefonia móvel do que com aquilo que está na frente delas. Como vocês, que têm tanta ênfase no trabalho de palco, veem essa diluição da experiência da música ao vivo?
É verdade que nossa música está desenhada para ser feita ao vivo, principalmente com instrumentos acústicos e com algumas variações que a diferencia de um show para outro. Isso tem muito a ver com a influência do jazz como uma maneira de fazer música ao vivo, em tempo real e levando em conta o espaço onde se toca. Esperamos que o celular e a Internet não sejam mais que uma ferramenta a mais, uma maneira a mais de convidar mais pessoas a nos ver ao vivo.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.