Texto por Renan Guerra
Fotos por Silas Henrique (veja galeria)
Ava Rocha lançou recentemente “Trança”, seu terceiro disco solo, um trabalho complexo e caudaloso, que pede atenção. Com apoio da Natura Musical, o disco tem produção de Fabiano Estevão e Eduardo Manso, que assina a direção musical ao lado de Negro Leo. Com 19 canções, “Trança” é feito de encontros, são cerca de 35 participações, com uma ficha técnica que inclui nomes como Iara Rennó, Tulipa Ruiz, Bruno di Lullo, Dinho Almeida, Negro Leo, Alessandra Leão, Juliana Perdigão, Linn da Quebrada, Domenico Lancelotti, Curumin, Kiko Dinucci e Juçara Marçal, entre outros.
Apesar de todos esses nomes presentes no disco, em sua noite de estreia, no icônico palco do Auditório Ibirapuera, a grande estrela de “Trança” foi realmente Ava. As cortinas do teatro se abriram e a cantora surgiu com um grande chapéu, rosto coberto por cabelos e a banda em posição que remetia a um ritual – alguns de joelhos, muitos de chapéu – enquanto os tambores batiam e o show começava de forma intensa com a linda “Maré Erê”. A opção de deixar o fundo do palco aberto para o Parque do Ibirapuera, trazendo certa névoa da noite para o ambiente, reforçava esse caráter místico do show.
A partir daí foram quase duas horas em que Ava não fez concessões e não simplificou as coisas, entregando um show desafiante que intensifica as questões propostas por “Trança”. O novo disco foi apresentado na íntegra e a única faixa das antigas a aparecer no set foi “Hermética”, do “Ava Patrya Yndia Yracema” (2015), em nova versão, quase ao final da noite.
Faixas como “Lilith”, “Febre”, “Trança” e “Periférica” ganham força ao vivo e mostram esse poder quase xamânico de Ava, que versa sobre o feminino, o onírico e o amor de forma extremamente pessoal. O grande momento do show, porém, é “Joana Dark”: algo entre o funk e o punk, a faixa de caráter feminista é um chamado intenso e envolvente, que se torna único ao vermos a cantora de quatro pelo palco, descendo e se contorcendo pelas escadas do Auditório.
Ava se compreende sempre como uma artista de cinema, por isso mesmo, seu show é extremamente performático, com momentos imageticamente arrebatadores: ela e seus múltiplos chapéus; ela e a reprodução de sua cabeça; as tranças artísticas que apareciam como cenário ou utensílios no palco; bem como o momento mais fofo da noite: quando Uma – filha de Ava, que já estava impaciente na platéia – invade o palco e dança em torno da mãe, numa espécie de performance bastante pessoal, de caráter fortemente simbólico no quesito “encontro de gerações”, já que a mãe de Ava também estava presente na primeira fileira do show.
Com uma banda poderosa e um repertório desafiador, a estreia de “Trança” nem parecia uma estreia, tudo parecia estar no seu lugar certo, na hora certa, na luz certa. O disco, que parece quase hermético em suas primeiras audições, se torna múltiplo no palco e prova que é daqueles que é preciso descobrir aos poucos, para assim ir se compreendendo suas nuances. No final da noite, a sensação geral era de ter visto um momento único e importante, daquelas coisas do tipo sentir-se feliz por poder estar ali, naquele momento, presenciando aquilo.
Ver Ava ao vivo, cantando suas composições e dando voz aos seus parceiros geracionais é a prova de que ela é um acontecimento de nosso tempo. Vira e mexe, quando surgem novas cantoras na MPB, fazem-se paralelos: fulana é a nova Bethânia, cicrana a nova Gal, beltrana a nova Marisa Monte. Ava é sempre a nova Ava. O passado a influencia, mas não a limita, ela não presta reverências, nem segue antigos padrões. Como dizia a canção de Belchior, “O que transforma o velho no novo / bendito fruto do povo será / […] / Sempre desobedecer / Nunca reverenciar”.
Desobediente e ousada, Ava Rocha se prova como artista fundamental do nosso tempo, com coragem para realmente fazer arte que instiga, propõe e chacoalha as paredes sempre muito corretas da atual neo-MPB. Figura única e forte, Ava Rocha é necessária em tempos bicudos como esses.
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites A Escotilha. Escreve para o Scream & Yell desde 2014.
Não conhecia a Ava e fui ao show após o convite de uma amiga. Me surpreendi com a performance e a intensidade das músicas. Show excelente. E belo texto também!
As últimas resenhas aqui do Scream Yell que li – Ava Rocha, Carne Doce e Letrux – acho que estão pecando pelo excesso, parece texto de fã e não de um site jornalístico. Quem lê esses textos e não conhece as artistas tem a impressão de que esses shows entraram para a história como um “falso brilhante” da Elis ou um “Gal Fatal!” e pelo que conheço dessas artistas, inclusive pelos shows que vi, passam longe disso. São cantoras talentosas mas esse hype exagerado desanima.
Discordo. Acho os três textos (todos do Renan Guerra) na medida exata. Não sei se você já viu os três shows (fica difícil contemporizar sem ter visto), mas o da Letrux já é meio comum todos dizerem que é um show sensacional (a entrevista publicada hoje com o Leo Moraes, que entre outras coisas é dono da A Autêntica em BH, reforça isso). Já no texto sobre o show da Carne Doce, o Renan tomou bastante cuidado exatamente para não dar uma impressão maior (e frases como “Foi uma noite que comprovou que a Carne Doce está sem dúvida crescendo” exemplifica isso). Esse terceiro texto dele em sequencia foi o que mais gostei (ainda sem ter visto esse show novo) porque é o que mais faz ter vontade de ver o show – e ele deixa claro que gostou. É complicado ler uma crítica que diz que o texto “peca pelo excesso” quando a própria crítica peca pelo excesso ao comparar com shows clássicos. No fim das contas, a cobra morde o próprio rabo. É uma pena que você tenha ficado desanimado, mas prefiro não pensar nos negativistas: cada um que ler o texto e tiver vontade de ver esse show, e comprovar o que o resenhista achou, fez valer a pena ter publicado.
Ps. Renan, eu ia te escrever por e-mail para elogiar essa sequencia de resenha de shows. Faço-a publicamente aqui: parabéns! 🙂
Minha crítica não é nada pessoal ao Renan Guerra, já li vários textos ótimos que gostei muito aqui no Scream&Yell, site que acompanho há muito tempo mas acho que passou um pouco do ponto principalmente esse da Ava – “Ver Ava ao vivo, cantando suas composições e dando voz aos seus parceiros geracionais é a prova de que ela é um acontecimento de nosso tempo” … “Ava é sempre a nova Ava. O passado a influencia, mas não a limita, ela não presta reverências, nem segue antigos padrões” …”Desobediente e ousada, Ava Rocha se prova como artista fundamental do nosso tempo”- já vi show ao vivo dela (abrindo pro Wilco) e passou longe desse momento histórico aí. Mas é só uma opinião de quem acompanha esse site, e acho que faz parte dessa relação público-site não só jogar confete mas emitir a opinião sobre o que realmente sente. Seu blog, por exemplo, MAC, adoro quando você posta os flyers de festivais que estão rolando pelo mundo mas acho aqueles posts “Café com Dylan”, além de intermináveis bem maçantes. E por aí vai, abraços!
Não é nem questão de se preocupar com questão de confete, mas sim com direito que cada um tem de dar a sua opinião, e dela ter diferentes enfoques por quem a recebe. Isso é natural não só aqui nesse site como em toda a comunicação. Então, por exemplo, se eu for ler uma resenha sobre um show do My Bloody Valentine, a sensação pré de bocejos será sempre enorme pq eu já tenho uma opinião formada sobre a banda, já vi shows deles, e não me comove. O que não quer dizer que a pessoa que escreva do show estará errada se disser umas maravilhas. Opiniões. O que sempre vou questionar é essa tendencia a promoção do coito interrompido: “Acho que passou um pouco do ponto principalmente esse da Ava”. Sempre vai ter um juizão dos costumes querendo dizer que é isso é exagerado, que aquilo ali é maçante e aquilo lá não deveria nem ter sido publicado. E a gente, dentro da ótica que o site seguiu nesses quase 20 anos, vai continuar publicando coisas que os outros acham exagerado, maçante e que nem deveriam ser publicadas. É uma das coisas bacanas da independência: não ligar pra confete.
Mas no caso você também está sendo um juizão de costumes ao criticar a minha opinião. Entendeu o paradoxo? Se eu falasse que o texto é perfeito que a Ava é o melhor show do mundo provavelmente você não me responderia com todo esse ímpeto. E em nenhum momento falei para não ter esse tipo de texto, acho muito melhor ter esse tipo de texto do que não ter nenhum, só achei exagerado. E nem falo no geral do Scream & Yell, esse texto dos cds super valorizados por exemplo achei interessantíssimo, até fui procurar ver se tinha algum desses, o ponto foram esses shows de cantoras que achei exagerados, mas como disse anteriormente é apenas minha opinião sobre alguns textos, não sobre o site nem sobre o autor.
Eu tô criticando a sua cagação de regra, o impeto de querer dizer como o jornalista deve ou não escrever para atender o seu gosto. Isso eu acho escroto. Uma coisa é dizer: “Olha, vi o show da Ava no Popload Festival e achei uma merda, não concordo com isso tudo ai não, acho a resenha exagerada”. Outra é querer mediar como o jornalista deve escrever: “Acho que estão pecando pelo excesso, parece texto de fã e não de um site jornalístico”. Há uma diferença enorme de tom, e eu acho o segundo desrespeitoso. Se tu emitisse a sua opinião concordando ou discordando, foda-se, é a sua opinião e você tem total direito a ela. Porém, não foi isso que você fez. Agora, se você não entende isso, paciência. Segue o jogo.
Dizer que um texto é cheio de excessos e que parece ter sido escrito por fã (sendo que há várias frases nesse sentido que inclusive citei acima)é ser escroto? Minha visão de escrotice é bem diferente disso. E chega a ser engraçado defender o direito do autor do texto escrever o que quiser (o que é digno) mas ofender o leitor chamando de escroto por ter uma visão que o editor não concorda. Acho estranho essa atitude inclusive por ser leitor desse site há anos e atitude essas que inclusive vai contra muitos valores de textos que já foram escritos aqui.
Como já escrevi acima, paciência.
Ainda não tive a oportunidade de ver um show dela, mas tenho acompanhando ela, realmente e algo instigante, diferente de todas as cantoras atuais, alias outra que me surpreendeu foi a Maria Beraldo.