Boteco: Cinco cervejarias, Dez cervejas

por Marcelo Costa

Abrindo uma sequencia de duas cervejas por cada casa pela curitibana Maniacs Brewing, que já havia passado por aqui com sua primeira IPA  e agora retorna com a Yankee, outra IPA, mas uma New England com lúpulos Mosaic e Simcoe e maltes Pilsen e Vienna além de trigo e aveia em flocos. De coloração amarela turva, como pede o estilo, e creme branco de boa formação e média alta retenção, a Maniacs Yankee NE IPA exibe um aroma intensamente frutado com sugestões de mamão, abacaxi, tangerina e maracujá em destaque sobre uma base discreta de doçura. Na boca, a mesma sensação de suco de frutas no primeiro toque (mais mamão e tangerina) seguida de picancia bem leve e amargor moderado (60 IBUs bem comportados). A textura é levemente picante e cremosa. Dai pra frente, um suco alcoólico (7.5%) bastante agradável com mamão e tangerina se destacando até o final, levemente picante e com um tracinho de resina. No retrogosto, mais cítrico, mais picância, ainda que leve, e um final deliciosamente refrescante. Delicia.

A segunda Maniacs da sequencia é um outro latão de 473 ml, uma Double IPA com os lúpulos Magnum, Huel Melon, Amarillo e Mandarina Bavária, base de malte Pilsen e uma pancada de álcool. De coloração alaranjada com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Maniacs Double IPA traz um aroma com bastante frutado cítrico sugerindo manga, maracujá e tangerina, mas deixando também perceber leve resinoso e, ainda, Cryo Hops (lúpulo em pó) e potencia alcoólica (são 8.9%). Na boca, leve doçura caramelada acompanhada de um intenso acento cítrico no primeiro toque seguida de amargor resinoso (80 IBUs honestos), a mesma percepção de Cryo Hops adiantada pelo aroma e, ainda, álcool. A textura é picante, com percepção acentuada de álcool sobre a língua (que, infelizmente, incomoda). Dai para frente, uma cerveja extrema com muita percepção de lúpulo (frutas cítricas bombando) e de álcool – o malte foi dar um passeio. No final, amargor e álcool. No retrogosto, leve cítrico, resinoso leve e mais álcool.

Do Brasil para a Alemanha com duas Freigeist, sendo que a primeira é uma impressionante Imperial IPA lupuladissima, com IBU pra lá de 100 pegando tributo para as resinosas West Coasts californianas. Trata-se da Miss California, uma cerveja de coloração âmbar e creme bege espesso de ótima formação e média alta retenção. No nariz, aromas cítricos se unem a doçura caramelada numa sugestão de geleia de laranja acompanhada de presença herbal (pinho), resina e discreta percepção de álcool (8%). Na boca, a sensação de geleia de laranja alcoólica bate ponto logo no primeiro toque seguida de amargor herbal e resinoso ultra potente, honrado a cacetada de IBUs que eles dizem conter no líquido. A textura sobre a língua é cremosa e picante. Dai para frente, segue um conjunto que deixa para trás um traço de resina e de amargor em meio a notas carameladas, cítricas e herbais. No final, picância de álcool e resina. No retrogosto, leve adstringência, geleia de laranja, caramelo, pinho e resina. Exagerada, mas boa.

A segunda dos alemães da Freigeist é uma colaborativa com os norte-americanos da Against The Grain (que já passaram por aqui com a The Brown Note e com a Double Balling além de uma colab com a Way, de Curitiba: Against The Cacau), Ünderweär, uma Rauchbier de coloração marrom escura (quase preta) e creme bege de baixa formação e rápida dispersão. No aroma, o malte defumado se destaca e traz sugestões de fumaça, fumo e turfa deixando escapar ainda um pequeno traço de doçura e de calda de ameixa. Na boca, doçura com algo de barril e conhaque mais turfa no primeiro toque, e que se abre para um conjunto levemente adocicado e turfado, com presença bem sutil dos 8% de álcool e nada de amargor. A textura é suave com discreta picância. Dai pra frente o conjunto combina turfa, doçura de calda de ameixa e álcool de maneira deliciosa. No final, doçura e turfado, que ainda retornam triunfantes no retrogosto. Bela.

Saindo da Alemanha e voltando para o Brasil, mais precisamente para a Fazenda Santa Terezinha, em Paraisópolis, Minas Gerais, casa da Zalaz, que retorna ao site com sua Tomarilho, uma Sour Ale com tomate de árvore (também conhecido como tomate francês ou mesmo tomarilho), lúpulos made in USA, cevada, trigo e lactobacilos. O resultado é uma cerveja levemente avermelhada com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, exibe um aroma frutado puxado para o frutado com algo que remete a goiaba branca, maracujá bem suave e tomate doce – ainda é possível sentir um leve azedinho. Na boca, doçura rápida no primeiro toque puxada pra goiaba e tomate com o azedinho suave batendo ponto na sequencia, delicioso, refrescante e acrescido de leve frutado (meio cítrico). A textura é levemente frisante. Dai pra frente, frutado, acidez, doçura, cítrico e muita refrescancia. No final, leve azedinho. No retrogosto, adstringência sutil, doçura e sensação maior de tomate, em primeiro plano, e goiaba. Delícia.

A segunda vinda da fazenda é a Carvalho e Café, Coffee Porter (com café cultivado na própria fazenda) cuja receita junta café torrado, chips de carvalho, café extraído a frio e sete maltes. O resultado é uma cerveja de coloração marrom bastante escura, quase preta, com creme bege de média formação e boa retenção. No nariz, café (sem tanta presença de torra, mas trazendo uma suave doçura) e madeira se unem de maneira deliciosa e perfumada, ainda que o aroma não permaneça durante tanto tempo. Na boca, café e torra bastante suave e com doçura incrível no primeiro toque seguida de amadeirado delicioso e mais presença de torra, aqui influenciando o amargor, suave, mas presente. A textura é suave com leve picância de álcool (os 7% só aparecem quando o liquido descansa sobre a língua, mas estão muito bem inseridos) e, dai pra frente, segue um conjunto… delicioso, com bastante café, mas também muita doçura (sem puxar tanto açúcar, mas sim para a doçura do bom café). No final, café doce (mas, novamente, não a doçura de açúcar, e sim a doçura do próprio grão). No retrogosto, mais café e mais madeira numa Coffee Porter deliciosa.

De Minas Gerais para Amager, ilha dinamarquesa em Øresund que abriga uma parte de Copenhague, a capital da Dinamarca e batiza a badalada cervejaria Amager Bryghus, fundada em 2007 e desde 2009 entre as 100 mais do site Ratebeer. A cerveja que fez a fama da Amager é essa Hr. Frederiksen, uma Russian Imperial Stout com oito tipos diferentes de malte, lúpulo made in USA Centennial e 10.5% de graduação alcoólica. De coloração marrom escura, praticamente preta, e creme bege de boa formação e média alta retenção, a Amager Hr. Frederiksen apresenta um aroma tendendo à doçura do chocolate ao leite com percepção, ainda, de ameixa, uva passa, frutado cítrico remetendo a laranja e café. Na boca, doçura achocolata no primeiro toque, ainda que maior presença de café, leve turfado, ameixa e laranja. O amargor (85 IBUs justos), derivado da torra do malte e do lúpulo, é potente, e ainda traz um tiquinho de álcool na cola. A textura é mais picante (de álcool e, talvez, de lúpulo) do que sedosa, que é o que se espera de uma pancada dessas, e dai pra frente surge um conjunto soberbo, que melhora ainda mais quando o liquido aquece na taça, com sugestão de turfa, cacau, café, chocolate ao leite e… álcool. No final, melado, álcool e leve café. No retrogosto, calor alcoólico, café, cacau, turfa e chocolate. Apaixonado.

A segunda Amager é uma colaborativa com a norueguesa Lervig Aktiebryggeri (que já passou por aqui tanto com quatro cervejas próprias quanto com outras três que eles produziram para a Mikkeller), uma Imperial Coconut Porter que recebe adição de coco, fruto que, segundo a história que batiza o rótulo, foi descoberto por marinheiros perdidos provavelmente nas Ilhas Maldivas que, cochilando debaixo de uma árvore, achavam que estavam sendo atacados por Brown Boobies, ave marinha gigante, quando na “verdade” eram cocos caindo da árvore. De coloração marrom escura, quase preta, com creme bege de boa formação e média alta retenção, a Amager Lervig Brown Boobies Falling exibe um aroma com notas que valorizam os maltes torrados puxando para chocolate amargo e café, com o coco bastante suave tornando-se mais presente conforme a cerveja aquece no copo. Há, ainda, leve turfado. Na boca, coco mais presente, mas perdendo espaço para o chocolate no primeiro toque. Dai pra frente, o coco ganha espaço e se equivale ao café e ao chocolate (meio ao leite, meio amargo). A textura é suave, mas com picância, que parece ser de álcool (e são só 7.5%). Dai pra frente segue-se um conjunto saboroso, que tenta equilibrar chocolate e coco, mas o primeiro se torna mais presente, com o coco, sutil, fazendo charme. No final, mais chocolate que coco (como em todo o percurso). No retrogosto, um Prestigio com muito menos coco, mas ainda assim saboroso. Bela cerveja!

Da Alemanha para uma das cervejarias favoritas de São Paulo, a Trilha, especializada em cervejas on tap, mas que agora oferece três rótulos em lata em seu tap room no bairro de Perdizes: além da icônica Melonrise estão disponíveis a Foggy e esta Citra-Me, uma New England IPA Single Hop (de lúpulo Citra) com coloração amarela densa, juicy, e creme branco de boa formação e permanência. No nariz, aroma intenso de frutas assim que a lata é aberta com sugestão de manga, abacaxi e melão além de percepção de levedura tanto quanto de cryo hops – o que em si já antecipa harsch. Na boca, um primeiro toque incrível de doçura de suco de manga no primeiro toque seguida de mais notas doces e cítricas, amargor equilibrado e o harsch que já era esperado, suave, mas presente. A textura é suave e traz, ainda, condimentação e picância. Dai pra frente surge um belo conjunto, um suco cítrico alcoólico delicioso que finaliza com leve harsch e sensação de cryo hops, duas sugestões que retornam marcantes no retrogosto junto ao cítrico. Bela.

Fechando a série com mais uma Juicy IPA da Trilha, a Foggy, lançada on tap em fevereiro de 2018, e agora com lote também disponível em lata. De coloração amarela densa, juicy, e creme branco de boa formação e permanência, a Trilha Foggy exibe um aroma intenso de frutas, mas com destaque para mamão, manga, abacaxi e laranja (além de, assim como a Citra-Me, percepção de levedura e leve harsch derivado da lupulagem em cryo hops). Na boca, uma doçura frutada deliciosa e um pouquinho mais sutil do que na Citra-Me no primeiro toque seguida de um perfil mais frutado na sequencia com amargor equilibrado e harsch moderado. A textura sobre a língua é bastante suave, ainda que repita a experiência anterior com picância e condimentação derivadas da levedura e do harsch do cryo hops. Dai pra frente, um conjunto ainda mais saboroso do que a Citra-Me, que parece dialogar melhor com os “exageros” de cryo e de levedura, que surgem aqui levemente mais domadas, ainda que deliciosamente rebeldes. No final, leve harsch e sensação de cryo hops (sem nada de amargor) com suave frutado, tudo isso integrando o retrogosto, que ainda acrescente adstringência suave. Densa e bela.

Balanço
Começando o percurso pelas cervejas da Maniacs com a Yankee, uma NE bem saborosa, com muito frutado  e refrescancia. Já a segunda Maniacs, a Double IPA, exibe ótimas características cítricas, mas o álcool aparece presente em vários pontos do percurso, e atrapalha uma cerveja interessante. De uma Imperial IPA para outra com alemã Freigeist Miss California, uma West Coast norte-americana (ainda que alemã) potentíssima, amarga, resinosa, frutada, caramelada e exagerada. Interessante. Melhor ainda é a Ünderweär, uma Smoked Beer que a Freigeist produziu junto com a Against The Grain, uma delicinha turfada e com algo de calda de ameixa. A Zalaz Tomarilho oferece um leve azedinho num conjunto que surpreende. Dos mineiros, ainda é melhor a Zalaz Café e Carvalho, com bastante café, mas também doçura sem puxar tanto açúcar, mas sim para a doçura do bom café. Lindo. Da Dinamarca, a Amager Hr. Frederiksen foi uma excelente surpresa! Já esperava algo grandioso, mas esse belo conjunto é divino. A colab da Amager com a Lervig, Brown Boobies Falling, é bem bacana, mas inferior a primeira. Já as duas Trilhas são excelentes, ainda que haja Cryo Hops na goela (você irá arrotar lúpulo por dias).

Maniacs Yankee
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3,66/5

Maniacs Double IPA
– Produto: Imperial IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.9%
– Nota: 3,21/5

Freigeist Miss California IPA
– Produto: Imperial IPA
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3,40/5

Freigeist Ünderweär
– Produto: Smoked Beer
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3,75/5

Zalaz Tomarilho
– Produto: Sour
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.3%
– Nota: 3,60/5

Zalaz Carvalho & Café
– Produto: Coffee Porter
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,74/5

Amager Hr. Frederiksen
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 10.5%
– Nota: 4,45/5

Amager Lervig Brown Boobies Falling
– Produto Imperial Porter
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3,94/5

Trilha Citra-Me
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,85/5

Trilha Foggy
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3,87/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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