entrevista por Bruno Lisboa
Formada em 2007 em Belo Horizonte, o Pense é um dos principais representantes da nova geração do hardcore made in Brazil. Dona de uma presença de palco enérgica, uma discografia sólida e um público devoto, a banda tem em sua formação atual Lucas Guerra (vocal), Cristiano Souza (guitarra), Judá Ramos (baixo), Ítalo Nonato (guitarra) e Charles Taylo (bateria).
Com três discos de estúdio lançados e um registro ao vivo (o DVD/CD “Viva Como Se Houvesse um Final”), o álbum mais recente foi lançado em maio deste ano: “Realidade, Vida e Fé” celebra a primeira década em atividade mantendo em voga o peso e a velocidade perpetuada em discos anteriores (“Espelho da Alma”, de 2011 e “Além Daquilo Que Te Cega”, de 2014) com letras que primam pelo engajamento, o otimismo e a reflexão quanto a realidade atual. Toda a discografia da banda está disponível de forma gratuita no site oficial (www.penseoficial.com.br).
Na entrevista abaixo, o baixista Judá fala sobre o processo de criação e gravação do novo disco (“O prazo foi curto então tudo foi feito com muito cuidado e atenção”), a mudança na formação com a entrada do baterista Charles Taylo (“Hoje podemos dizer que estamos em nossa melhor forma”), amadurecimento e a conquista do público de um público diversificado: “Agente não sabe bem o porquê deste ‘fenômeno’, mas creio muito que as letras ajudam bastante, pois são letras que remetem ao cotidiano do cidadão comum brasileiro”, arrisca.
Ele ainda analisa a importância de investir no merchandising (“Sem um merchandising bom a banda deixa de dar passos maiores”), o tom político das letras (“Não é só votar em fulano e prender o ciclano que tá tudo bem, o problema é interior antes de tudo”), espiritualidade, a cena hardcore atual (“Eu vejo que esse lance da ‘cena’ hardcore tem acabado”), a convivência entre bandas da nova e da velha guarda em festivais (“O respeito sempre vai existir”), planos futuros e muito mais. Sem mais delongas, Vai Pense!
O recém-lançado “Realidade, Vida e Fé” é um disco coeso, pungente, com letras diretas que refletem o cotidiano. Como foi o processo de criação e gravação do disco?
Foi bem parecido com o do “Além Daquilo Que Te Cega”. O Lucas e o Ítalo se encontravam semanalmente para criar arranjos, e o que eles achavam bom passavam pro restante da banda dar um toque sútil de mudança ou não. O prazo foi curto, então tudo foi feito com muito cuidado e atenção. Nos empenhamos muito pra conseguir cumprir os prazos que colocamos.
Este é o primeiro disco com participação efetiva do Charles Taylo (baterista). Quais as contribuições ele trouxe para a banda?
O Charles é um cara muito talentoso e, principalmente, muito esforçado. Foi uma “contratação” de peso pro time, pois ele conseguiu segurar a onda do ex-baterista, que também era um excelente músico, e ainda conseguiu colocar sua pegada e seu estilo nas músicas. Tudo se encaixou perfeitamente. Hoje podemos dizer que estamos em nossa melhor forma.
A banda celebrou 10 anos de estrada em 2017. Como foi esse período? Quais as diferenças você visualizam dos primeiros anos até hoje?
O Pense tem 10 anos. E apesar do tempo a banda só foi ter uma notoriedade maior depois que lançamos nosso primeiro CD, em 2011. Foi quando começamos a aparecer em listas e blogs de hardcore e começaram a aparecer alguns convites para shows. São muitas as diferenças que a gente nota desde então. A banda amadureceu muito tanto musicalmente quanto pessoalmente. Atualmente a banda tem um número maior de visibilidade e de fãs, que foram conquistados com muito trabalho e dedicação.
Tive a oportunidade de assistir uma apresentação de vocês junto ao Sugar Kane e ao Escória em BH. É interessante observar que o público da Pense é diversificado, pois tanto os veteranos da cena (como eu) assistem tudo lá detrás enquanto a molecada se deleita, cantando a plenos pulmões, entrando nas rodas de mosh. A que se deve este fenômeno?
Isso é engraçado, e a gente não sabe bem o porquê deste “fenômeno”, mas creio muito que as letras ajudam bastante, pois são letras que remetem ao cotidiano do cidadão comum brasileiro. Rola aquela identificação, e talvez a sonoridade do Pense consiga ser original o bastante pra fazer o seu público, e não seguir a métrica de hc melódico necessariamente, que acabam identificando como ser um som de adolescente, jovens etc.
Vocês investem bastante no quesito merchandising. Como artistas independentes que são, essa é uma parte essencial do trabalho tanto quanto tocar?
É uma parte muito importante, não é a principal, mas sem um merchandising bom a banda deixa de dar passos maiores. A gente investe nisso, pois tem retorno, a partir do momento em que a banda de alguma forma representa o fã, ela precisa que esse fã se sinta parte da banda, e nada melhor do que camisas, bonés, bermudas pra essa junção tomar forma.
Por mais que a banda não levante bandeiras políticas, a política (como tema) circunda várias músicas da Pense. Como vocês observam o cenário atual?
O Pense trata de questões políticas indiretamente, a mudança exterior é reflexo de uma mudança interior, política é um tema muito sútil pra ser tratado como bandeira ou como certo e errado, vai bem além só disso. A gente tem visto o caos que o cenário político brasileiro está e sem dúvidas não vai ser do dia pra noite que a mudança positiva vai acontecer. Não é só votar em fulano e prender o ciclano que tá tudo bem, o problema é interior antes de tudo.
Além da política, filosofia e a religião são temas recorrentes das letras da Pense. Além da interioridade, vocês acreditam que estes alicerces são fundamentais para formação do caráter do cidadão?
Na verdade, o Pense em nenhum momento fala de religião. O que tento trazer nas letras é a questão da espiritualidade. Dentro da banda nós temos pontos de vista diferentes sobre o que é “Deus” então não tenho pretensão de levantar uma bandeira pra defender uma crença específica. Já a questão da espiritualidade pra mim é toda e qualquer pratica de amor, e isso transcende qualquer fundamentalismo religioso. Acredito que isso é a coisa mais fundamental pra construção do caráter de qualquer ser humano.
“Utopia”, música presente neste novo álbum, soa como resposta a um artigo recente do Bauman sobre o estado de depressão profundo das sociedades contemporâneas que não se permitem mais acreditar que o mundo possa ser diferente. Como podemos voltar a acreditar na mudança em tempos onde a apatia domina?
Estamos em constante processo de mutação, nada é estável, o mundo é um lugar muito diferente do que era há vários anos atrás, a mudança não somente é possível como é certa, se ela vai ser pra melhor eu não sei, mas independente do caminho que as pessoas estão tomando eu sou o dono das minhas escolhas, portanto, eu sou o responsável pelas consequências da minha vida. Todo momento é uma oportunidade de fazer diferente. É na fila da padaria, na conversa com o amigo, no trabalho ou em qualquer outro lugar. Cada segundo você se depara com várias possibilidades e cabe a você escolher aquela que vai conduzir sua vida para melhor. A utopia é a ideia de que vamos atingir a perfeição… É claro que não vamos, mas é tentando que a gente evolui.
Em tempos de bandas veteranas encerrando suas atividades e casas de shows tradicionais (como Hangar 110) fechando as portas, como vocês vem a cena hardcore de hoje? Com parte da nova geração, como vocês tem vivenciado esta transição?
Eu vejo que esse lance da “cena” hardcore tem acabado. Estamos cada vez mais imersos em outros meios e bandas de diferentes estilos tem tocado no mesmo evento. Acho isso positivo. Significa que as pessoas estão abrindo mais a cabeça e aprendendo a conviver melhor com o diferente.
Outro fator interessante ao sucesso da banda é o fato de que vocês figuram em grandes festivais em pé de igualdade a bandas veteranas. Internamente, predomina o respeito entre a nova e a geração old school?
Começamos a ter experiências com festivais no ano passado e tem sido bem interessante. Antes bandas que a gente só via pela tv hoje a gente se esbarra em camarins e palcos. O respeito sempre vai existir, estamos nessa hoje, pois lá atrás alguém lutou e fez muito pela cena do rock no Brasil. Estamos vivendo uma fase de transição creio eu, bandas antigas acabando, ou tocando bem pouco e muitas bandas novas ganhando espaço.
A turnê de lançamento foi iniciada com shows em Sâo Paulo e Belo Horizonte. Quais são os planos futuros da banda?
Até então está nos planos rodar o máximo que a gente conseguir com a tour do cd novo, alcançar o máximo de pessoas possíveis com nossas músicas, divertir e aproveitar esse momento tão legal em nossas vidas.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Luringa / Divulgação
Melhor banda da nova geração do Hardcore brasileiro.
Vai pense!
Banda muito boa! Representa sua essência!