entrevista por Renan Guerra
Duda Beat é uma pernambucana radicada no Rio que apareceu inicialmente fazendo backing vocals nos discos de Letrux e Castello Branco. Ela canta, porém, desde os 13 anos, e, do tipo que se apaixona e se entrega, Duda transformou suas experiências amorosa em canções e assim nasceu seu disco de estreia, o recém-lançado “Sinto Muito” (2018).
Seu release de lançamento fala que ela “transforma sofrência em arte e amor próprio”, porém não sou afeito ao neologismo sofrência – uma espécie de sofrimento + carência, algo bem próximo da dor de cotovelo, que virou praticamente um sub-gênero musical da atualidade. Sou do tipo fã de Maria Bethânia, que entende a dor de amor como parte fundamental da arte e é nesse mar que Duda Beat navega.
Nesse contexto, essas dores e experiências amorosas de Duda são o combustível que move “Sinto Muito”, um disco que transita por diferentes gêneros de forma sedutora: tecnobrega, axé, indie, baladas românticas, tudo serve para que a cantora exponha suas emoções e coloque seus sentimentos na vitrine, para que nós dancemos e nos identifiquemos com cada verso.
Habitando num universo extremamente pop, “Sinto Muito” tem potencial para ser a paixão dos alternativos em 2018, por isso mesmo conversei com Duda sobre a criação do disco, sua carreira e seus amores. Confira abaixo:
Há quanto tempo você mora no Rio de Janeiro?
Cheguei ao Rio de Janeiro no final de 2005, eu tinha terminado o terceiro ano – o colegial. Vim tentar medicina aqui no Rio. A minha tia já morava aqui, eu sempre vinha passar as férias no Rio, e decidi que viria morar. No início foi um choque pro meu pai e pra minha mãe, por que eles não queriam de jeito nenhum que eu morasse aqui – a minha mãe até me apoiou mais, “não, aí tem quatro faculdades federais, então são mais possibilidades de você tentar medicina”. Então acabei vindo, me matriculando no cursinho. Então o meu trânsito foi mais ou menos esse, eu tinha uns 18 anos quando eu vim.
E aí você chegou a fazer a faculdade de Medicina?
Não. Cheguei no Rio, fiquei sete anos tentando vestibular para medicina e não passei. Daí quando foi no último ano eu decidi: “ah, se eu não passar eu vou tentar direito ou alguma coisa na área”. A minha nota também não deu, por que no último ano eu meio que chutei o pau da barraca, não me dediquei tanto, falei “ah, agora que se dane, eu vou ver o que vai dar”. Acabou que não deu nem pra direito e nem pra medicina. Dai me lembro que estava pesquisando na UniRio e o curso que tinha a mesma grade de direito no início era Ciência Política, aí eu falei “bom, vou começar a fazer ciência política e aí depois eu transfiro a faculdade lá dentro, o primeiro semestre era igual e aí eu transfiro”. Só que quando eu entrei em CP eu me apaixonei. E estou me formando agora no meio do ano, sou cientista política além de cantora!
E nessa época que você estava tentando o vestibular você já compunha ou ainda não?
Não. No início eu não compunha, só cantava. E canto desde os 13 anos, mais ou menos. Teve uma época que frequentei igreja, então comecei a cantar na igreja. Foi muito legal, pois eram eu e mais três meninas, e então o pastor da igreja falou: “Não, vou te dar um solo”, e foi a primeira vez que ganhei um solo! Foi muito emocionante, super fofo. Depois parei de frequentar a igreja, por que, enfim, estava estudando, fazendo mil coisas. E comecei a ter uma banda no científico, do primeiro ano até o terceiro ano, no colégio, lá em Recife. A banda tocava covers nos intervalos das aulas; a gente cantava Cláudia Leitte, Ivete Sangalo, O Rappa, era super divertido. Mas quando vim pro Rio eu não tava tão focada assim na música, tive essa banda lá que acabou por que vim morar aqui e tal. No Rio eu já conhecia o Castello Branco, já eram meus amigos, por que eu sempre vinha passar as férias aqui desde os 14 anos. Gabriel toca na R. Sigma, Castello era o cantor da R. Sigma, então convivi com o Tomás [Tróia], que é o produtor do meu disco, com o Diogo Strausz, Castelo desde essa época, conhecia eles há bastante tempo. Quando vim morar aqui o R. Sigma estava meio que acabando, o Lucas [Castello Branco] resolveu fazer carreira solo, e ele já tinha me ouvido cantar, por que rolava um violãozinho na casa de um e de outro, e ele me chamou pra fazer participação no primeiro disco dele, “Serviço” (2014), numa música que se chama “Céu da Boca”. A gente deu umas ensaiadas, mas depois ele foi morar em São Paulo, por que pra ele era melhor, ele tinha mais perspectivas lá, e eu não cantei mais com ele. Isso ficou guardado dentro de mim, continuei fazendo a minha vida assim, estudando, tinha acabado de entrar na faculdade. Agora no segundo disco dele [“Sintoma”, de 2017], fiz backing vocal também. E com a Letícia Novais também, canto “Que Estrago” com ela, mãeana e Martha V (que são uns amores ) no disco da Letrux. E é isso, a minha trajetória musical é mais ou menos essa. E nesse meio tempo, enfim – sou libriana, sofro muito por amor, quando me apaixono, me entrego totalmente, acho que dá pra perceber um pouco no meu disco –, eu tive amores que nunca era o que eu queria. Na real, eu sempre era muito mais apaixonada, me doava muito mais e essas pessoas não me levavam tão a sério. No final de 2015, eu já tava sentindo muito sabe? Estava fazendo a faculdade, mas estava emocionalmente muito desgastada. Uma super amiga minha, que é uma super fotógrafa também, a Ana Alexandrino, me indicou um retiro espiritual que se chama vipassana, não sei se você já ouviu falar.
Não conheço não.
É um retiro espiritual muito legal, de meditação, você passa 10 dias meditando, é muito acolhedor. Você não fala, você fica imersa realmente naquele universo e você aprende algumas técnicas lá. E mudou muito a minha vida! Tudo que eu sofria eu escrevia, mas eu não tinha o intuito de transformar isso em músicas, mas lá eu meio que decidi: “Não, eu vou compor, por que isso vai ser uma forma de me curar, de botar isso pra fora, vai ser legal pra mim, vamos ver no que vai dar”. Nesse meio tempo eu já tinha escrito algumas coisas, e o Tomás Tróia, que é o produtor do meu disco, nessa época foi morar em São Paulo, com o Lucas – o Castello Branco. Ele passou uma temporada lá e estava voltando, foi meio que na mesma época do meu retiro. Tomás sempre foi super meu amigo, e falei: “Bom, vou mostrar esses meus rascunhos pro Tomás, vamos ver se rola, vamos ver se ele curte, se ele fala alguma coisa que ele achou legal”. Na época, mostrei a [faixa] “Pro Mundo Ouvir”, que hoje em dia está totalmente diferente, por que foi a música que mais passou por modificações durante o processo, mas mostrei-a e mostrei mais algumas outras, mais duas, acho que a “De Repente” também e outra que nem entrou no disco. Rolou uma empatia muito grande dele pelo que eu escrevia, por que como ele era meu super amigo, ele me ouvia reclamar daquelas coisas, sabe? Ele falou: “Não, vamos começar a ver o que a gente faz, vem aqui, eu vou fazendo uns arranjos pras músicas”, eu chegava normalmente pra ele com letra e melodia e ele que fez arranjo, compôs comigo, por que os arranjos na música são tudo.
Essa produção demorou cerca dois anos nesse ritmo, certo?
Exatamente. A gente trabalhou tudo com muito carinho. E não só por isso: eu, como artista independente, sou quem pago as minhas coisas, entendeu? Sou a produtora fonográfica do meu disco, então tive que trabalhar para também bancar o meu sonho. Não é fácil, não é rápido, também por isso. Mas ao mesmo tempo fui muito contemplada com a ajuda de amigos maravilhosos, por que toda essa galera trabalhou comigo, acreditou no meu trabalho, enfim, foi uma ajuda super mútua e que hoje resultou nesse disco que eu amo tanto, por ser o meu primeiro e fala muito sobre mim. É uma coisa muito linda!
Numa das suas falas no release de lançamento você diz “confesso que tornar pública a minha vida, dessa forma, dá um frio da barriga”. Esse frio na barriga surge pelo fato de suas canções serem muito pessoais e íntimas?
Sim, totalmente. Vou te falar: senti frio na barriga de expor, mas ao mesmo tempo eu tinha certeza que as pessoas iam se identificar. Acho que um dos objetivos desse meu discurso totalmente honesto e pessoal foi tocar de certa forma as pessoas que se identificam com isso. Não é o fato de a gente estar numa sociedade onde as pessoas não querem mais nada com ninguém, por que isso é um fato, até brinco com meus amigos: “Desde que inventaram essa história de ficar, o povo que quer romance se lascou”. A gente acaba se apaixonando, não tem quem não se apaixone na vida, em algum momento, e pra quem ama é muito difícil, para quem ama e não é correspondido, no caso. Então, fiquei sim com frio na barriga de me expor, mas ao mesmo tempo queria mostrar pras pessoas que elas transformem sua dor de alguma forma. Fazer esse disco foi uma cura pra mim e, ao mesmo tempo, se você prestar atenção, chega ao final do disco, mais ou menos ali na [faixa] “Bolo de Rolo”, eu já estou totalmente empoderada. Enfim, é isso que quero passar pras pessoas, saber que o amor vem, mas o amor vai embora e o mais importante é você saber o que você vai fazer com isso.
Nesse sentido que você fala de certo empoderamento, é algo que eu vejo presente no disco, por isso, em contraponto, eu me questiono o porquê do título “Sinto Muito”, quando percebo que o disco não tem esse caráter de pedido de desculpas, mas sim de se entender e se empoderar, sabe?
Exatamente. O “Sinto Muito”, na verdade, ele tem duas conotações: é um “sinto muito amor”, eu sinto muito esse sentimento, mas ao mesmo tempo é um “sinto muito, você me perdeu”.
Ah sim!
No final da história toda, acabei me dando muito bem, né? Acabou que estou com o Tomás [Tróia] hoje em dia e eu estou totalmente realizada nesse sentido amoroso. É um cara que é muito companheiro, meu melhor amigo. E o mais curioso é isso: o meu grande amor tava do meu lado, entendeu? E eu não tinha atentado pra isso, então até pra isso esse disco serviu. Pra nos unir, tanto criativamente quanto amorosamente.
Apesar de você morar muito tempo no Rio de Janeiro, o seu disco tem muito de Pernambuco. Como é essa sua relação com a música popular pernambucana?
Isso é uma das coisas que eu sempre conversava com o Tomás durante o processo, era o fato de, ao mesmo tempo, de você perceber nessas músicas que tem uma pegada americanizada, eu sempre ficava assim: “ô, vamos trazer uma coisa da minha terra, sabe?”. Ele olhava pra minha cara e falava assim: “Eduarda, você vai abrir a boca e o povo vai saber que você é recifense, não tem muito como esconder isso”. Eu quis trazer alguns ritmos de lá, a “Bixinho”, por exemplo, é uma música muito brasileira, a gente fez questão de ter isso no álbum, de ter a parte americanizada, mundial – nem vamos falar americanizada, vamos dizer mundial – e ter essa parte Brasil, que é muito importante. E uma coisa curiosa: o meu nome de verdade é Eduarda Bittencourt, e na hora de eu escolher essa história do nome, eu fiquei muito tensa, acho que foi uma das coisas mais difíceis: “Qual o nome que eu vou ter?”. Por que Duda, só Duda, ia ficar Duda Bittencourt, não! Duda Bittencourt é a médica, é a cientista política. Aí eu me atentei para o fato de que um dos movimentos mais importantes da minha terra é o Manguebeat e falei: “Táí, eu posso usar isso, não vou ser piegas, nem estou querendo ser americanizada, é da minha terra e acabou”. Então, o Bittencourt virou um Beat. Perfeito pra mim. A minha influência é tanto musical quanto no meu nome. Total!
Além disso, uma das coisas que me encantou no seu trabalho foi o cuidado estético e visual: o clipe de “Bixinho”, os vídeos no canal e tal. E você mesma falou que banca todas essas coisas. Essa é uma preocupação importante para você?
Essa preocupação de visual é muito minha, e é também muito das parceiras que faço. Das fotos do encarte, por exemplo, fiz com um grande artista aqui do Rio de Janeiro que se chama “Vida Fodona” – é o Raphael Narciso –, então ele trouxe muito dele ali também. Já o clipe da “Bixinho” foi uma parceria minha com a Obvious Agency. Todas essas pessoas são super minhas amigas, eu tenho total liberdade para dizer o que eu gosto e o que eu não gosto. Mas, por exemplo, a Marcela Ceribelli [diretora criativa da Obvious], que é minha amiga de muito tempo, ela me trouxe um pouco das referências estéticas dela, como eu já curtia foi fácil, entendeu. Foi a mesma coisa do disco: trabalhar com o Tomás era muito fácil pra mim, por que a gente tem as mesmas referências, a gente tem o gosto parecido. O mais importante nesse processo, quando você vai escolher essas parcerias, é você se identificar com o que elas trazem pra você e isso rolou em todos os âmbitos. Vão sair outros clipes, mais pra frente agora, aí você vai ver essa mistura que tem a estética dos artistas, mas tem a minha também. E rolou química nessas parcerias. Na parte criativa e estética é 50/50.
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites A Escotilha. Escreve para o Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Ana Alexandrino / Divulgação.
Fiquei hipnotizado pela voz dela! Vi todos os vídeos que tinham no youtube. Estes no Colab são lindos.