por Marcelo Costa
“You Were Never Really Here”, de Lynne Ramsay (2017)
Ainda sem previsão de estreia no Brasil nem título nacional, o suspense que recebeu ovação de sete minutos no Festival de Cannes 2017 e rendeu a Joaquin Phoenix o prêmio de Melhor Ator e a cineasta Lynne Ramsay a estatueta de Melhor Roteiro é daqueles cuja trama surge picotada de forma a largar pistas desconexas pelo caminho enquanto preenche a narrativa com imagens que, muitas vezes, parecem não levar a lugar nenhum, mas incomodam (muito). Adaptado do romance de mesmo nome do nova-iorquino Jonathan Ames lançado em 2013, “You Were Never Really Here” peca em originalidade, mas funciona em oferecer um caminho para Ramsay incomodar o espectador (com a trilha sonora de Jonny Greenwold, do Radiohead, colaborando bastante na função) novamente – seu longa anterior é “Precisamos Falar Sobre Kevin”, de 2011. Na trama, Joaquin Phoenix interpreta um ex-veterano de guerra (Zzzzzz) que também trabalhou para o FBI (Zzzzzz) e, agora, ganha dinheiro como assassino de aluguel (Zzzzzz). Entre as suas “especialidades” está a de recuperar crianças desaparecidas e, por isso, ele aceita um último serviço (Zzzzzz): um político candidato a governador (Zzzzzz) quer que ele encontre sua filha, e faz apenas um pedido – “que a pessoa que a sequestrou sofra” (Zzzzzz). Sofrimento é algo que Joe entende bem. Sua arma predileta é um… martelo, e esse anti-Thor demonstra sinais de abuso na infância tanto quanto traumas pós-Guerra e um “vicio” em se asfixiar com um saco de plástico na cabeça. A estranheza da coisa toda não para por ai e envolve conspiração politica, uma casa de bonecas, uma idosa assassinada a sangue frio e um interessante diálogo entre alguém que iria matar e será morto com alguém que iria morrer e vai matar. Se a trama bate recordes de clichê, a mão de Ramsay (tanto no roteiro quanto na direção) a torna cult e, vá lá, interessante. Joaquin Phoenix está ótimo, mas sete segundos de aplausos já soaria um exagero…
Nota: 6
“A Cidade do Futuro”, de Marília Hughes e Cláudio Marques (2018)
O município de Serra do Ramalho foi criado durante a Ditadura Militar brasileira para abrigar as cerca de 73 mil pessoas deslocadas dos seus lares para dar lugar à represa de Sobradinho. Essa é a tal ‘cidade do futuro’ prometida pelos militares nos anos 70, localizada no interior da Bahia, no Vale do São Francisco. Um filme oficial do regime militar na época entra em cena e promete dias melhores para os moradores removidos, mais uma prova real da falácia dos milicos, já que a nova cidade seria deixada à própria sorte, as perdas dos moradores seriam incontáveis (“Os militares chegavam, olhavam a casa e diziam: ‘Vale R$ 10 mil’. E nós: ‘Moço, ela vale no mínimo R$ 20 mil’. E eles: ‘É melhor você aceitar os R$ 10 mil ou então vai ser encoberto de água junto com a casa’”) e o destrato público uma nova regra social. É nesse ambiente de abandono que vivem os professores Gilmar (Gilmar Araújo) e Milla (Milla Suzart) mais o jovem Igor (Igor Santos). Gilmar e Igor vivem um romance enquanto Milla logo depois estará aos beijos e promessas com uma garota. Milla, porém, está grávida de Gilmar, e esse novo bebê, o futuro, irá causar várias reviravoltas na rotina da pequena Serra do Ramalho, já que o trio (Gilmar, Igor e Milla) decidirá assumir o bebê como deles, o que fará com que a família de Milla a coloque para fora de casa, com que ela perca o emprego na escola e com que Igor seja constantemente assediado nas ruas, culminando em uma forte agressão de ex-amigos vaqueiros em uma fazenda. Em determinado momento, o romance de Gilmar e Igor caminha em direção do destino cruel retratado por Ang Lee em “O Segredo de Brokeback Mountain”, mas Marília Hughes e Cláudio Marques enveredam por outro caminho numa relação pansexual que poderá fazer de Serra do Ramalho não a cidade do futuro que os militares mentiram, mas a cidade do futuro em que o amor (a igualdade, a fraternidade, a bondade) irá vencer qualquer barreira. Um belo filme que segue no nível da boa estreia da dupla, com “Depois da Chuva” (Bruno Capelas discorda disso) (2013).
Nota: 8
“O Dia Depois”, de Hong Sang-soo (2017)
São 4h30 da manhã. Emoldurado por um belo retrato preto e branco da sala de uma casa, o espectador observa um hesitante Kim Bongwan (Kwon Haehyo) sair do banheiro, refletir sob o dia que virá e preparar-se com um desjejum. A esposa Song Haejoo (Yunhee Cho) entra em cena e começa um delicioso interrogatório, que se inicia de modo leve (“O que você vai fazer? Por que sair tão cedo?”) e vai ganhando peso e contornos dramáticos (“Algo te incomoda? Você anda estranho nos últimos dias”) até atingir o clímax: “Você tem uma namorada, não tem? Está saindo com outra pessoa?”, questiona a mulher. São os quatro minutos iniciais de “Geh-hu” (no original; em inglês “The Day After”), o terceiro filme que o cineasta sul-coreano Hong Sang-soo lançou em 2017, e a sensação de ser arremessado dentro de uma anti-comédia romântica emociona. No primeiro corte após essa cena, a dúvida da esposa é sanada: sim, o marido está saindo com outra pessoa. Ou melhor, estava. Hong Sang-soo brinca com o espaço tempo num filme que mesmo nos momentos densos soa leve e provocativo ao questionar o (falso e decadente) romantismo dos relacionamentos, que todos (ou a esmagadora maioria dos seres-humanos) sonha viver, mas que na verdade não é um sonho, e sim vida real. Além do casal entram em cena a amante (Kim Sae-byeok), ex-secretaria que trabalhava na pequena editora de Kim Bongwan e foi demitida após o fim do romance, e Song Ah-reum (Kim Min-hee, que brilha aqui tanto quanto em “A Criada”), que assume seu lugar, e é confundida pela esposa do editor, que a estapeia (em seu primeiro dia de trabalho) acreditando ser ela a amante. No final, delicado, Hong Sang-soo retoma a cena inicial, desta vez com o editor e a secretaria estapeada conversando muito tempo depois. É o último balde d’água sobre o amor. E é tão bonito quanto a cidade coberta pela neve em preto e branco.
Nota: 9
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
Nossa, Mac! Espero que eu discorde se você quanto ao filme “You Were Never Really here”. Tô querendo ver faz tempo ele.
Me conta depois! Fui com sede ao pote e quebrei a cara 🙂
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Eu vi. A única coisa que mudaria seria a nota. Daria um pouco mais. Gostei dele, mas poderia ter ido muito além. Acho o personagem do Joaquin Phoenix subutilizado. Queria ver mais dele, de seu espiral de loucura, depressão e autodestruição. Tb não gostei muito da trilha do Jonny Greenwood nesse filme. E achei a duração muito curta. Fiquei com a mesma sensação quando assisti “Ida”. Quando tava ficando bom, acaba. Daria 7 ou 7,5.