por Marcelo Costa
O Radiohead tal qual o conhecemos hoje em dia “nasceu” com “In Rainbows” (2007), um álbum que celebrava a independência da banda (de maneira revolucionária e radical) após um contrato de seis discos (e 10 anos) com as mainstream Parlophone / EMI terminar com o lançamento de “Hail to the Thief” (2003), disco que soava um primeiro sinal de amadurecimento após o trauma do sucesso de “Ok Computer” (1997) e dos dois anti-álbuns subsequentes (“Kid A”, 2000; e “Kid B”, de 2001), mas que ainda era rock no modelo da antiga indústria, de um velho mundo que estava se esfarelando (ainda que no primeiro single do disco, “There There”, o guitarrista deixasse seus instrumentos nas costas para atacar ferozmente um kit de percussão).
Sem patrões, o Radiohead mergulhou de peito aberto neste novo universo de possibilidades surgido com a liberação (libertação) de “In Rainbows”, mandando um recado anti tudo para as massas, algo que impressionou na turnê que se seguiu, mais eletrônica (ainda que o Brasil, em 2009, tenha visto uma versão amaciada dessa tour – um presente – por conta de ser a estreia deles aqui) e que ficou ainda mais perceptível quanto o desfocado “The King of Limbs” (2011) chegou às lojas, trazendo consigo o clipe de “Lotus Flower”, com Thom Yorke mostrando sua porção dançarino, algo bastante contrastante (até virou meme) se pegarmos a imagem sufocante daquele rapaz com a cabeça em um aquário sendo enchido de água no clipe pungente de “No Surprises”.
À felicidade da liberdade da indústria (e da aposta capitalista de uma empresa que visa apenas o lucro) foi acrescida uma nova sensação de liberdade para Thom Yorke com “A Moon Shaped Pool” (2016): a liberdade de estar solteiro, ainda que seja uma sensação que surge amarrada ao desespero (fracasso?) de um fim de um relacionamento de 23 anos. Desta forma, se “In Rainbows” era um álbum para o mundo externo (e para a festa); “A Moon Shaped Pool” é um disco interno (para a alma), mais reflexivo, mais cinza, mais… melancólico. Se em álbum, o Radiohead parecia pisar no freio, ao vivo a sensação que a “A Moon Shaped Pool Tour” (recém passada pelo Brasil) deixou é de que o Radiohead nunca esteve tão à vontade sobre um palco como está hoje em dia.
A sensação é de que eles (e principalmente Thom Yorke) se divertem em surpreender o público num show que traz alterações seguras de repertório de uma apresentação para a outra, sem obrigar a banda a correr grandes riscos, mas fisgando o fã tanto pelo que entra quanto pelo que fica fora do set, uma brincadeira de gato e rato que pode cristalizar a execução de “My Iron Lung” (um show de riffs de Jonny Greenwood) na memória de fãs mais antigos tanto quanto fazer bocejar em “The Gloaming”. E o segredo dos shows do Radiohed está exatamente no detalhe deste anti-climax: se eles tocassem cinco faixas de “Ok Computer” seguidas, a chance de um fã enfartar seria grande. Se fossem cinco eletrônicas tortas, o show poderia virar uma rave nerd. A banda provoca e alterna momentos, e a emoção sobe e desce como uma montanha russa.
Desta forma, assim como a grande maioria dos shows desta turnê, a noite em São Paulo foi aberta com a lenta “Daydreaming”, mais um momento do Radiohead indo na contramão do establisment pop. A iluminação se abre no meio da canção num arranjo belo que, infelizmente, o público da pista 2 só verá de muito longe, já que os telões serão usados para sobreposições artísticas, e o palco baixo fará com que muita gente saia do estádio Alianz sem ter realmente visto os integrantes do Radiohead no palco (Ed O’Brien vestiu uma camisa da seleção brasileira no final do show, e muita gente da pista 2 nem deve ter percebido). Para a pista 2, o show do Radiohead foi visual, mas sem a presença da banda, uma decisão triste que penalizou fãs que não puderam pagar os ingressos de R$ 700 da pista 1.
“Ful Stop”, como praxe, deu sequência ao set, e dai em diante, o Radiohead fez em São Paulo poucas coisas diferentes do que vem fazendo em outros shows da turnê (aliás, São Paulo foi o único show da América Latina que não teve nenhuma música tocada apenas aqui), e basta assistir a alguns dos nove shows que eles disponibilizaram na integra no Youtube anteriormente para sacar arranjos e a construção melódica de uma noite sem grandes surpresas, mas, ainda assim, com momentos de emoção, como a câmera no olho de Thom Yorke em “You And Whose Army?”, Jonny armado de arco de violino em “Pyramid Song” e a empolgante versão electro de “Everything in Its Right Place”, com Ed e Jonny abandonando as guitarras e partindo para as programações. Em “Bloom” (após uma emocional “Let Down”), Jonny também larga a guitarra e parte para a percussão, mas volta ao instrumento para dar um show de riffs na segunda parte de “2 + 2 = 5”.
Entre as surpresas do set, uma versão poderosa de “My Iron Lung” e o lirismo de “No Surprises”, com Thom Yorke balbuciando ao final da canção uma frase “polêmica”: “Oh, we’re doing no alarms and no surprises, when everything stays exactly the same. Anybody causa any trouble? Stick him in prison” (confira no começo do primeiro vídeo no final do texto). A música “No Surprises” versa sobre ficar anestesiado com uma estrutura social que nos enlouquece (o emprego que nos mata lentamente, o governo que não fala por nós, a casa, o jardim, coisas que desejamos – ou que a sociedade nos faz desejar – mas que muitas vezes não nos completam). Essa estrutura social deseja manter tudo exatamente como está e quem causa algum problema nessa estrutura pode ser jogado na prisão. Se “problema” na frase pode ser tirar a pessoa dessa vida tediosa que a sufoca (incluindo tira-la da pobreza, ou dar a ela suporte para lutar contra as injustiças e contra essa máquina de moer gente que é a vida), Thom então poderia estar realmente falando sobre o ex-presidente Lula – vale ressaltar que Thom é fã declarado do Noam Chomsky, defensor assumido do ex-presidente. Na hora da frase no show, teve até fã gritando #LulaLivre (é possível ouvir o grito após a frase no primeiro vídeo).
Por fim, as lanternas de celular iluminando o estádio escuro em “Exit Music (for a Film)” foi um dos momentos mais bonitos do ano (o baixista Colin Greenwood até pegou uma câmera digital para registrar o momento), num show que, em boa parte da noite, Thom Yorke bancou o anti-modelo que foge completamente do padrão do que se vê em revistas, jornais, TVs e campanhas publicitárias por ai. Com o cabelo preso num coque (de roqueiro setentista), barba por fazer, barriguinha (de cerveja?) saliente na camisa, todo torto, Thom dança, sensualiza (em vários momentos da noite) e se solta como se provocando que “se ele pode, nós podemos também”. Ok, provavelmente o bullying ao “cidadão comum” fosse maior, imagine você bancando o Thom Yorke na festinha da turma, mas não importa: Thom faz a parte dele, que é desconstruir mitos (inclusive o mito do gênio torto, que não segue o padrão de beleza da sociedade, nem o de genialidade), e posa feliz com o feito. Ele está realmente se divertindo no show, e nos diverte também. O que mais se pode esperar de um grande pop star (torto)?
Fora isso, o show ainda garante obviedades bacanas e muitas ausências: essa versão de “Idioteque” ao vivo poderia durar dias, quiça anos, que todos continuarão dançando. Que versão sensacional! “Weird Fishes/Arpeggi”, “The Numbers” e “Bodysnatchers” também renderam grandes momentos. Já “Paranoid Android” é absolutamente impecável, ainda que não ter Jonny fazendo os solos no telão (uma imagem besta surgiu bem na hora da explosão da música) seja uma anti-climax, algo que o Radiohead parece curtir como método de provocar o público. Numa comparação futebolística com o show anterior, o time Radiohead 2018 está jogando muito mais solto, fez belas jogadas e até conseguiu marcar uns golaços e garantir fácil uma vitória no Alianz diante de 30 mil pessoas, mas aquele time do Radiohead 2009 era uma seleção, uma ode ao futebol arte e um show de bola. Aquele Radiohead moleque deixou saudades.
Se a apresentação de 2009 ganha fácil dá de 2018, o mesmo não pode ser dito do local, talvez a grande vitória do público neste ano: tirando a divisão de pistas que prejudicou imensamente que estava na pista 2 devido a falta de telão e ao palco baixo, chegar e sair do estádio do Palmeiras é extremamente sossegado e incomparável com o caos da organização do Just a Fest, na Chácara do Jóquei, em 2009. No computo geral, o Radiohead fez mais um grande show em São Paulo, repleto de bons momentos. A diferença é que no show de 2009 eles pareciam seres intocáveis, deuses da música no Olimpo Pop, ainda um tiquinho conectados com o modo de fazer música (e show) da velha indústria. Agora em 2018 eles soam… humanos. Uma anti-banda que, hoje em dia, se diverte no palco tanto quanto o público na plateia. Que não demorem muito para voltar.
Set List –em São Paulo (22/04/2018)
01. Daydreaming
02. Ful Stop
03. 15 Step
04. Myxomatosis
05. You and Whose Army?
06. All I Need
07. Pyramid Song
08. Everything in Its Right Place
09. Let Down
10. Bloom
11. The Numbers
12. My Iron Lung
13. The Gloaming
14. No Surprises
15. Weird Fishes/Arpeggi
16. 2 + 2 = 5
17. Idioteque
Bis 1:
18. Exit Music (for a Film)
19. Nude
20. Identikit
21. There There
22. Lotus Flower
23. Bodysnatchers
Bis 2:
24. Present Tense
25. Paranoid Android
26. Fake Plastic Trees
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne. Todas as fotos por Stephan Solon / Divulgação
Fui nos dois, sendo que esse de cadeira. No de 2009 quase não vi o palco. Não sei qual foi o melhor. Esse não teve aquele momento surpresa de interação com o público como quando seguiram cantando o final de Paranoid Android e o Thom atrasou Karma Police para interagir a capela com a gente. Colocaria mais alguns momentos. Lotus Flower por exemplo quase entrei numa relação erótica comigo mesmo rsrsrs
Hahahaha, sensacional!
hahahaa cara que loco…tambem senti uma energia sexual da galera em lotus flower especialmente kkkk o que pra mim foi engracado, pq acho que li que ele fez essa música quando a filha nasceu kkkkk olha as ondaaa
Gostei do show! (E também achei o som bem problemático na pista 2 Mac) =/
Setlist variado, teve surpresas boas como 2+2=5, Myxomatosis, No Surprises (sic) e Let Down (que não esperava ser repetida neste show) ?.
Achei meio bate-estaca algumas horas, nas primeiras 10 músicas, pelo menos, banda parecia tocando meio que uma atrás da outra, quase nem dando tempo pra respirar (‘Everything is in the right’, por exemplo, apareceu muito cedo no setlist) e por aí… Senti falta de mais músicas do AMSP e alguma faixa ‘rara’ pra dar aquele clima – In Limbo, Blow Out alguma do amnesiac ou até algum lado-b do Ok Computer teriam sido 10/10, mas né, com o repertório que eles tem, impossível satisfazer geral kkkk.
Nota 8 pra mim – o de 2009 ainda ganha.
Em novembro de 2008, varei a noite na frente do Pacaembu pra comprar ingresso. Junto com alguns outros colegas lunáticos, conseguimos ser os primeiros a tê-los em mãos, bem antes de quem tinha comprado online.
Dia 20 de março de 2009, me encontrei na madrugada com uns amigos e viajamos pro Rio de carro pela manhã. Chegamos e fomos direto pra Apoteose, numa correria pra conseguir um lugar relativamente perto na pista única. Nunca vou esquecer aquela versão de How To Disappear Completely. Depois da noite mágica, fomos bebemorar na Lapa até altas horas.
No sábado, pegamos a estrada de volta pra Sampa e chegamos no fim da tarde. Passei em casa, troquei de roupa e voei pra Chácara do Jockey com outro grupo. Varamos a noite na fila, à base de whisky e histórias. Levei meu violão e ficamos tocando Radiohead por horas. Antes de abrirem os portões, chegamos a andar ao longo da fila ensinando todo mundo a bater as palmas em 5 por 4 de 15 Step. O esforço compensou e conseguimos ficar espremidos na grade. Dei a sorte de ficar bem em frente ao Thom. Quando eles tocaram Nude, senti que foi pra mim.
Corta pra 2018. Nesses nove anos, entrei pra uma banda cover de Radiohead (como vocalista) e com o tempo meus pais se apaixonaram pelo repertório da banda. E ontem eu estava nas cadeiras inferiores com os dois ao meu lado. Meu pai ama Let Down e Present Tense. Minha mãe dançou toda feliz com 2+2-5, There There e Idioteque.
E volta pra 2003, quando eu conheci Radiohead e comecei a tentar tocar aquelas músicas no violão. Minha avó materna teve um derrame naquele ano, e por alguns meses, minha mãe cruzava São Paulo todo dia para passar o dia com ela no hospital. Muitas vezes ela voltava para casa à noite e eu estava praticando Fake Plastic Trees. Depois que minha avó faleceu naquele ano, minha mãe passou a não conseguir mais ouvir essa música sem desabar em lágrimas. Por isso, desde que comecei a banda cover, Fake Plastic Trees é a música que mais me deixa com a voz embargada quando sei que minha mãe está na plateia. Então no show de ontem, quando percebemos que aquela música iria encerrar o show, nos olhamos e nos abraçamos, emocionados.
Então não consigo comparar 2009 e 2018. No primeiro show eu tinha 23 anos e coloquei pra fora meu lado mais fã. Fiz uma maratona que eu nunca tinha feito por artista nenhum e que nunca mais tornei a fazer. No segundo eu tinha 32 e foi um momento tão catártico quanto, mas mais maduro e sereno, que consolidou tudo o que essa banda representa pra mim.
Belo relato, fiquei emocionado. Um abraço, e boa sorte nos seus projetos.
Guilherme….simplesmente show seu relato….conseguiu me emocionar …..e olha que não sou fã da banda.