por Cainan Willy
Por mais de 20 anos, o Brasil viveu um período de repressão com uma Ditadura Militar instaurada no país através de um golpe militar que derrubou o então presidente João Goulart, em 1964, e ficou ainda mais violenta com a promulgação do Ato Institucional Número Cinco, em dezembro de 1968. O governo militar ficou marcado pela opressão e também pela censura. Baseados no argumento de defesa contra o perigo comunista, na Ditadura pessoas foram assassinadas, direitos garantidos pela constituição brasileira foram vetados e artistas de todos os tipos perseguidos.
Odair José foi um desses artistas perseguidos. Popularmente conhecido como um artista brega, Odair recebeu a denominação de “Imoral”, visto que, aos olhos dos censores nos anos de chumbo, suas canções eram um verdadeiro atentado contra a moral e aos bons costumes. Nenhuma justificativa bastava.
Um dos grandes hits de sua carreira, “Pare De Tomar A Pílula (Uma Vida Só)”, é um dos maiores exemplos da perseguição sofrida por Odair. A canção de amor fala sobre um marido perdidamente apaixonado por sua esposa que, ao perceber seu medo de engravidar, resolve incentiva-la a deixar de tomar a pílula anticoncepcional mostrando que desejava muito a paternidade. “Os homens (da Ditadura) barraram, falaram que a canção atrapalhava o controle da natalidade no Brasil”, comentou Odair, que tentou se justificar: “Minha canção tinha o propósito de apresentar ao povo o que era uma pílula e também qual o proposito dela”. Sucesso absoluto em toda a América Latina, a canção foi terminantemente proibida criando um episódio marcante, narrado de forma cômica no livro “Eu Não Sou Cachorro Não”, de Paulo César de Araújo: “No auge do sucesso da canção, Odair José não podia toca-la ao vivo. Nos shows, sempre acompanhado por policiais, os fãs pediam o grande sucesso insistentemente. Se tocasse, Odair apanhava da Ditadura. Se não tocasse, corria o risco de apanhar do público”.
Assim seguia o jovem compositor, cantando sobre a vida de brasileiros e sendo tão perseguido quanto Chico Buarque. Seu erro era cantar sobre o amor. A verdadeira ousadia veio em 1977, quando Odair José lançou o disco “O Filho de José e Maria”. Considerado uma ópera-rock, o álbum foi barrado pela Ditadura, sua reprodução pública foi censurada e a comercialização sofreu muito com o disco sendo porcamente distribuído pela gravadora, dando ao registro um viés cult. Recriar a história de Jesus Cristo, o tal filho de José e Maria, não foi algo visto com bons olhos, o descontento foi tamanho que rendeu ao músico uma excomunhão da igreja católica.
40 anos após o lançamento do disco mais icônico de sua jornada, Odair José subiu ao palco do Sesc 24 de Maio, no centro de São Paulo, para três datas excepcionais. Na noite de estreia, uma sexta-feira 13, a apresentação começou com uma musica do mais recente disco de Odair, “Gatos e Ratos” (2016). “Moral Imoral” mostrou à plateia qual seria o foco da noite com frases como “repressão é um conceito atrasado/ um olhar no passado/ uma mente doente que não pode aceitar/ um desejo normal”, ainda parecem chocar as pessoas.
Com o decorrer do show foram apresentadas canções que Odair nunca havia tocado ao vivo, devido a censura. “O Crime da Barra”, canção que fecha “Coisas Simples” (1978) é uma das mais surpreendentes e chocantes. A faixa fala sobre o cruel assassinato da estudante Cláudia Lessin Rodrigues, de 21 anos, cujo suspeito era filho de um milionário suíço, uma história real que Odair conta meio que por cima no show, explicando: “Envolvia gente importante, com dinheiro no bolso”. Basta pesquisar para encontrar informações sobre o caso.
Algumas outras faixas ocultas surgem no repertório, como “Revista Proibida”, que conta a hsitória de um jovem que compra uma revista de mulheres nuas e se depara com sua ex-namoradinha, que por sinal ainda era muito amada – o mesmo sentimento foi retratado por Arrigo Barnabé anos depois em “Office-Boy”, canção do clássico disco “Clara Crocodilo” (1980). Odair segue em frente e faixas como “Cristo Quem é Você?” e “Vida Que Não Para” são gratas surpresas.
Seu publico mais velho é agraciado com sucessos de sua carreira, e canções não censuradas como “Cadê Você?”, “A Noite Mais Linda do Mundo”, “Deixe Essa Vergonha de Lado” e “Dê um Chega na Tristeza” fazem a alegria do povo que as canta em coro. Com quase 50 anos de carreira, Odair coleciona hits e se mostra atualizado, jovem e antenado ao que acontece no Brasil, diferente de muitos nomes daquela época.
– Cainan Willy (www.facebook.com/CainanWily) e editor chefe do site Pacovios.