por Marcelo Costa
Shye Ben Tzur é um compositor, produtor, poeta e performer israelense que vive na Índia e em Israel. Ele compõe Qawwalis, música instrumental e devocional cantada nas línguas hebraica, urdu e hindi, sua primeira coleção de poemas, “Soul Expression”, foi publicada em 1999 em Israel, enquanto seu disco de estreia, “Heeyam” (“Amor Supremo” em árabe) data de 2003. Especializado em trabalhar com músicos do Rajastão, o maior Estado da Índia cuja capital é Jaipur, a vida de Shye deu uma leve guinada quando um rock star do primeiro escalão do universo pop se encantou por seu trabalho. Nascia o Junun, que se apresenta no Brasil dentro do Soundhearts Festival com Aldo The Band, Flying Lotus e Radiohead (20/04 no Rio de Janeiro, 22/04 em São Paulo).
“Conheci Jonny (Greenwood, guitarrista do Radiohead) de maneira meio acidental”, conta Shye ao Scream & Yell de algum aeroporto do mundo. “Eu estava em Calcutá e um amigo me ligou dizendo que Jonny havia ouvido a minha música, tinha gostado, e perguntou se eu estava interessado em conhecê-lo”, relembra Shye. Eles se encontraram, conversaram sobre a natureza da composição e os métodos de trabalho da música indiana, mas uma colaboração só iria acontecer em Londres, tempos depois, quando Shye apareceu na cidade com músicos do Rajastão para um show, e Jonny fez uma participação. “Foi tão divertido que quisemos fazer algo junto novamente”.
O projeto Junun nasce de um filme (“Junun”, 2015) dirigido por Paul Thomas Anderson (Jonny assina a trilha dos filmes “Sangue Negro”, “O Mestre”, “Vicio Inerente” e “Trama Fantasma”) com produção musical de Nigel Godrich (colaborador do Radiohead desde “The Bends”, de 1995), que construiu um estúdio dentro do Forte Mehrangarh, o mais antigo da Índia, erguido por volta de 1460, para captar a beleza e a intimidade de um grupo de artistas criando… música. Era um passo natural a colaboração se estender aos palcos, e Shye conta como está sendo essa experiência de sair em turnê pelo mundo com o Radiohead e Jonny Greenwold (que integra a banda Junun junto ao grupo Rajasthan Express). Confira.
Shye, tudo bem? Como você conheceu Jonny Greenwood e como surgiu o Junun?
Conheci Jonny de maneira meio acidental. Lembro-me que eu estava em Calcutá, e alguém me ligou dizendo que Jonny Greenwood tinha ouvido a minha música, que ele tinha gostado muito e perguntado se eu estava interessado em conhecê-lo. É óbvio, fiquei muito feliz com aquele telefonema. E curioso. Nós nos conhecemos um tempo depois. O Jonny, além de ser um ótimo guitarrista e compositor, é um cara extremamente curioso por música e arte. Encontramo-nos para uma conversa e falamos sobre a natureza da composição e os métodos de trabalho da música indiana, era esse tipo de coisa em que ele estava interessado em saber. Foi uma reunião muito, muito prazerosa. Depois disso, mantivemos contato e ele foi me ver numa performance com outros músicos do Rajastão na Austrália. Depois, o recebemos num show que fizemos em Londres e foi muito divertido, tão divertido que quisemos fazer algo juntos novamente. Fazer um álbum foi uma grande desculpa para experimentarmos música juntos. Esse foi o começo de tudo.
Como você definiria a música do Junun para brasileiros que nunca a ouviram?
Humm, diria que é uma música muita rítmica, muito orgânica e, de certa forma, meio trance. Não de uma maneira eletrônica, de um trance eletrônico, mas… não sei como dizer… é difícil para mim descrever, talvez seja mais simples para alguém de fora, porque a música do Junun faz muito parte de mim, está muito conectada a mim. Acho que talvez seja mais fácil para pessoas não tão próximas e ligadas ao projeto quanto eu. Mas espero que o público sinta a mesma forma de elevação que a gente experimenta quando está tocando.
Como é para você estar tocando em um festival do Radiohead por diversas cidades da América do Sul (além de São Paulo e Rio, o Junun se apresentará em Buenos Aires, Santiago, Lima e Bogotá)?
Me sinto muito, muito sortudo. É um line-up incrível e fazer parte disso não é como tocar em um show qualquer, mas sim fazer parte de um grande evento construído a partir de diversas sonoridades. E nós somos apenas uma dessas sonoridades. Isso é muito empolgante. Tocamos com o Radiohead na Europa e é sempre muito gratificante. A gente ama a música tanto quanto eles e, de alguma forma, estar no mesmo palco diante deste público, claro, as pessoas vêm para ver o Radiohead, mas, de repente, estamos ali no palco dividindo a nossa música com Jonny e com esse público e têm sido sempre muito especial. Nunca estive na América do Sul, nem eu e nenhum dos outros músicos da banda, exceto pelo Jonny. Para todos nós será uma experiência nova, e hoje em dia já não é tão comum na vida ter uma experiência completamente nova. Estamos todos muito animados.
Como funciona o Junun ao vivo?
A experiência ao vivo é tudo o que representa a música do Junun! É um tipo de experiência para ser ouvida e vivida ao vivo. Na maioria das vezes, a gente não sabe o que vai tocar até entrar no palco. E decidimos o repertório de acordo com o que estamos sentindo naquele momento. Nossa música não fica restrita a uma estrutura. As composições são muito elásticas e permitem muita improvisação. E isso é um show para nós: criar ao vivo. Espero que o público consiga sentir isso, e que ele divida esse sentimento com a gente.
Vocês vão tocar em duas grandes capitais brasileiras: Rio de Janeiro e São Paulo. Quais são suas expectativas?
Para ser honesto, como nunca estive no Brasil, tento não esperar nada. Gosto de ir a lugares novos sem criar expectativas para ver através dos meus próprios olhos pela primeira vez, e não pela experiência de outros. Às vezes, quando tenho tempo (em turnê), pego o meu caderno, vou para alguma parte diferente da cidade, e me perco, de certa forma. Isso se reflete nos meus escritos e revela algo de novo dentro de mim, para mim mesmo. Isso é algo que me deixa muito animado. Sei que o Brasil possui uma cultura muito rica na sua música, então quero chegar como uma página em branco, sem nenhuma expectativa, muito inocente, aberto a essa nova experiência, e ver o que vai acontecer. Estou curioso como isso irá desenrolar e me influenciar. Estou muito animado com essa oportunidade, com certeza. E muito ansioso para encontrar vocês.
O som da percussão é muito forte na sonoridade do Junun, o que aproxima o som de vocês com a sonoridade de alguns lugares no Brasil, como a Bahia, como Recife, terra do Manguebeat. Você conhece algo de música brasileira?
Não conheço muito. Claro, quando escuto, consigo facilmente dizer que aquilo que está tocando é brasileiro e não de outro lugar. A cultura brasileira sempre me pareceu muito rica e grandiosa, e tenho vontade de ser como um turista ouvindo a música de vocês. Não sei, mas é isso: sempre que ouço alguma coisa vinda do Brasil, sinto que, a sua própria maneira, ela é muito grandiosa e perfeita, mas ainda preciso de uma introdução correta. Acho que essa viagem poderá ser uma boa chance para me familiarizar, me abrir e experimentar a música brasileira. É o começo de um novo aprendizado.
O documentário “Junun”, do Paul Thomas Anderson, não foi exibido no Brasil, mas fiquei muito curioso sobre ele. Sobre o que é?
Cara, amei muito esse documentário. Estávamos no Forte Mehrangarh, em Jaipur, no Rajastão. Éramos uma equipe de cerca de 30 pessoas, das quais 20 eram músicos. Estávamos concentrados em tocar. Nigel Godrich e Sam Petts-Davies construíram um estúdio dentro desse forte (de 1460!) buscando captar a sonoridade natural do Forte Mehrangarh. Eles foram muito criativos e registraram uma sonoridade muito especial para o álbum. Sharona Katan, que é uma grande artista visual, estava fazendo a fotografia do filme. Ian Patrick ficou encarregado das fotos (ele pretende fazer uma exposição). E com eles veio Paul Thomas Anderson, que deu o direcionamento de filme para todo o projeto. Estávamos de alguma forma todos juntos, mas cada grupo estava envolvido em seu próprio processo criativo, sem interferir um no processo do outro. Quando, eventualmente, eu via o Paul (Thomas Anderson) trabalhando, eu não sabia o que ele estava fazendo, o que ele estava buscando, nenhum de nós estava sabendo o que o outro estava fazendo. Apenas estávamos dividindo, de uma forma muito intensa, e bonita, um mesmo espaço criativo. E foi muito impressionante e especial ver o que ele conseguiu fazer com o filme. Não há diálogos, não há personagens, não há uma história, um grande drama, só os músicos e não há nada que aponte para a personalidade de cada um. Porém, ao mesmo tempo, Paul criou no espaço de quase uma hora algo que o espectador sente, vê, ouve e o torna intimo daqueles músicos. Você se torna parte do processo de criar alguma coisa, que é esse álbum do Junun. É muito tocante sentir a maneira como tudo foi conduzido. Funcionou! É um documentário muito poderoso e especial.
“Junun” é seu terceiro álbum. Primeiro você lançou “Heeyam” em 2003, e, depois, “Shoshan”, em 2010. Você já está pensando em um disco novo?
Penso em um novo álbum e trabalhos criativos o tempo todo. É uma coisa que amo fazer e o meu processo criativo começa no pensamento. Escrevo o tempo todo: coisas, músicas, experimento. Eventualmente algum tipo de composição acaba encontrando uma espécie de corpo de trabalho. Não sei exatamente como irá soar o próximo álbum, mas é algo que ainda estou pensando, explorando. Vamos verno que vai dar. Quando fizemos o Junun, não tínhamos a mínima ideia do que iria sair, de como iria soar até finalizarmos. Essa é uma das partes mais bonitas do processo criativo. Essa busca é constante.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne