entrevista por Renan Guerra
Desde 2008, a chilena Fran Straube canta e toca bateria na banda Miss Garrison, trio elogiado de Santiago, que, inclusive, foi um dos destaques do festival Circulart 2017 para o Aeromoças e Tenistas Russas, em texto publicado no Scream & Yell. Com três álbuns no currículo – “Tire Y Empuje” de 2010; “deAaB” de 2013; e “Al Sol De Noche” de 2016 – e vários singles, o Miss Garrison vem galgando disco a disco, show a show, ano a ano, um lugar de destaque entre as novas bandas latinas prontas para o mundo, mas Fran Straube quer mais.
Inquieta e criativa, Fran também começou a criar de forma solo e lançou canções iniciais sob o nome Rubio. Bem recebido por seu público, o projeto ganhou forma e diferentes abordagens partindo de uma série de EPs com as letras de seu nome – “R”, “U”, “B”, “I” e “O” – a shows em diferentes palcos, sendo o mais recente no Lolla Chile, ocorrido em março. Com o Rubio, Fran já fez turnê nos Estados Unidos, passando pelos palcos do Nuevo Fest Latin Roots, na Filadélfia, e do Out in the Street, em Nova York.
Mais recente lançamento do Rubio, “O” mantém o caráter bastante dançante da série de EPs, e consegue casar de forma certeira espiritualidade com pistas de dança. Essa fusão é bem delineada na coreografia pós-moderna de seu mais recente videoclipe, da faixa “Hacia el fondo”, dirigido por Pepe Alarcón. No papo abaixo, Fran fala sobre suas escolhas estéticas e criativas e sua proposta de opção pelo lançamento em frações. Confira abaixo nosso papo:
Em que momento você sentiu que era necessário fazer um trabalho solo?
Eu nunca pensei que fosse algo necessário, na verdade eu nunca imaginei ter um projeto solo. Aconteceu apenas por ser uma mente muito inquieta e criativa. A Miss Garrison não ocupava todo o meu o tempo e na minha solidão eu comecei a fazer demos, ideias, e lancei de uma forma muito lo-fi um videoclipe de uma música que tinha feito. Ele teve um bom feedback e é aí que o projeto solo começou. Um ano atrás, levei isso a sério e estou muito feliz com a forma como as coisas aconteceram.
O seu trabalho como Rubio é algo paralelo, já que a Miss Garrison segue em plena atividade. Como você concilia os dois?
Graças ao universo, posso viver com os dois. Espero que eles nunca compitam. Pelo contrário, espero de todo o coração que eles sempre vivam em harmonia. Os dois projetos estão avançando cada um em seu caminho e é muito bonito. Eu me sinto muito grata, passei anos me dedicando à música porque é o meu motor de vida. Espero fazer isso para sempre.
O Miss Garrison já mostrava um contato com a música eletrônica em seus últimos discos, porém ainda segue um formato mais padrão de banda ao vivo, já o Rubio é um trabalho totalmente eletrônico. Essa foi uma decisão premeditada ou que surgiu durante a produção das canções?
Ambas as coisas. Sendo um projeto solo, a composição começa no estúdio, então as sonoridades e timbres mudam. A Miss Garrison é muito sala de ensaios, então os amplificadores e a bateria têm um papel importante. Já a Rubio tem uma sonoridade infinita. Muitas das composições começam na pré-produção. Imagino como é o som e gravo assim. Hoje existem tantos instrumentos com sonoridades especiais, tanto acústicas quanto eletrônicas, e é bom poder experimentá-las.
Ao invés de lançar um disco, você preferiu o lançamento de 5 EPs, intitulados com as letras do nome do projeto. Esse formato é uma escolha mais estética ou mercadológica? Já que podemos entender que o formato de disco é algo cada vez menos consumido pelo público.
Foi uma ideia que surgiu em conjunto com meu empresário. Acho interessante o fenômeno que (essa série de EPs) produziu, tanto na composição quanto nas pessoas, já que as músicas eu ia inventando no momento, de acordo com o lançamento de cada EP. E isso me ajudou muito a manter as músicas frescas e não pensar muito nelas. Esses EPs também são como um diário de vida, cada um me lembra do estado em que estava vivendo aquele momento. Tanto nas letras como no timbre e humor das músicas. A ideia de fazer isso me deu a oportunidade também de desenvolver um tema e uma estética em cada arte e história de cada álbum. E isso produziu uma espera muito boa no público. As pessoas esperavam cada material e não sabiam o que esperar. Foi um ano cheio de criatividade.
Os EPs foram produzidos ao lado de Pablo Stipicic. Como funciona esse processo de criação e produção ao lado dele?
Adoro, sempre sonhei em conhecer alguém assim, somos dois seres criativos sem egos onde tudo flui muito bem. Nos trancamos dias inteiros criando e vibrando para cada som que saia. Quero continuar trabalhando com ele e ele comigo. Nós temos uma ótima sinergia criativa. Estou muito animada por tê-lo conhecido.
Percebo algo quase espiritual em algumas das suas canções. Você é uma pessoa religiosa, mística? Essa perspectiva espiritual é algo importante para você?
Sim, sou muito espiritual. A natureza e o grande mistério da vida chegam até mim no fundo do meu coração. Sou super sensível, movida por muitas coisas deste mundo que não posso ignorar. A vida é muito profunda e sinto o dever de comunicá-la, compartilhá-la e ser capaz de criar um chamado nas pessoas. Sinto-me humildemente enraizada na mensagem que sinto por dentro: honrar os ancestrais, a magia, as luzes e a escuridão são algo que valorizo muito. Música para mim é algo muito terapêutico, é meu refúgio e meu modo de cura. Acho que é a melhor terapia.
Muitos dos artistas chilenos que ouço têm essa comunicação com o pop e as experimentações eletrônicas, como Alex Anwandter, Pedropiedra, Gepe, Javiera Mena. Você sente alguma conexão ou influência de seu trabalho com o de seus contemporâneos?
Na verdade, não muito. Valorizo o profissionalismo que existe na música chilena e o grande talento dos músicos, mas não sei se me sinto tão influenciada pelo pop que se escuta no Chile. Ainda assim nós, chilenos, somos muito introvertidos e trabalhadores e amo isso. Há uma magia na música chilena e me alegra que cada música vibre com seu estilo.
Suas canções também remetem ao trip-hop anos 90, mas soando atual, como James Blake, por exemplo. Quais são as suas referências? O que tem escutado, lido, assistido?
James Blake foi um dos artistas contemporâneos que tocou meu coração e me deu um click na forma de enxergar a música. Quando o conheci foi “uuf!!!”. Foi uma mudança em mim. Não sei se minha música é parecida com a dele, mas quem sabe a gente venha do mesmo planeta. As referências musicais estão impregnadas em mim de uma maneira não muito concreta, assim nasce minha própria música. Hoje em dia, graças à internet, ouço muita música e estilos diferentes, sou melomaníaca e nunca pensei nas composições com uma referência, mas devo sim honrar a tanta música que chega aos meus ouvidos e me dá arrepios e me inspira a continuar criando.
Essa é uma pergunta clichê, mas que sempre faço aos artistas estrangeiros: você tem contato com a música brasileira?
Eu amo o Brasil, já passei algumas vezes por ai e adoro o espírito e a alegria do país. A verdade é que eu não conheço muito da música brasileira, mas a música de raiz me atinge muito forte, são músicas feitas com o coração e isso é sentido no mundo todo.
Eu sinto que ainda há uma desconexão do Brasil do resto da América Latina. A diferença linguística é um ponto a mais para isso, mesmo assim, parecemos ainda muito distantes. Por aqui é mais usual que se consuma música dos EUA e da Europa do que de países vizinhos da América Latina. Você também percebe esse distanciamento e gostaria que houvesse mais trocas entre o Brasil e os outros países latinos?
Sim, sinto bastante. Acho que é porque o Brasil é tão grande que vocês não precisam de tanto intercâmbio, estão vibrando com as próprias coisas, mas eu gostaria que vocês compartilhassem mais (risos)… Adoraria conhecer mais sobre vocês. Acho que é o Brasil é um país muito poderoso, espiritual, e que o mundo deveria conhecê-los. Há uma energia muito boa.
Você é baterista e cantora, então é natural que eu lhe pergunte como tem percebido esses debates que tem florescido sobre a presença feminina nos espaços e a luta por igualdade? Este é um tema importante para você nesse momento?
Desde que comecei me diziam que a bateria é um instrumento de homem, mas eu me fingi de surda e segui meu caminho. Acredito que mulheres que se dedicam à arte têm que ter uma personalidade forte e capacidade para lutar contra essas desigualdades e não desistir. Acredito que fui respeitada pelo mundo porque não ouço essas desigualdades e me fortaleço com a minha mensagem. Sinto-me muito honrada por ser uma figura pública e poder inspirar novas gerações de mulheres a seguir seus sonhos e sua verdade, pois estamos neste mundo para sermos felizes e vibramos com aquilo que nos apaixona.