por Marcelo Costa
Às vésperas de completar 40 anos de história punk rock n’ roll (o Cólera foi formado em 1979!), um dos grupos mais importantes do movimento punk brasileiro coloca nas ruas “Acorde! Acorde! Acorde!” (ouça e baixe no Bandcamp), seu primeiro álbum de inéditas em 14 anos e também o primeiro disco sem Redson, que faleceu em setembro de 2011, quando o grupo se preparava para iniciar a produção do novo material, deixando para os companheiros de banda não só os rascunhos de letras e canções inéditas, mas principalmente a missão de levar em frente a mensagem e o nome da banda.
“Ficamos muito tempo sem lançar nada por estarmos preocupados em fazer sons novos”, revela o baterista Pierre, irmão de Redson e único integrante da formação que se juntou em 1979. O baixista Val entrou no ano seguinte, 1980, e é com Val, Pierre e Redson que o Cólera se tornaria conhecido por punks de todo o mundo através de discos, shows e turnês. “Geralmente os álbuns do Cólera demoram alguns anos para serem produzidos, mas, por motivos óbvios, o ‘Acorde! Acorde! Acorde!’ demorou muito mais”, explica Val, que aproveita a deixa para agradecer: “Nos sentimos muito honrados de termos Wendell Barros e Fabio Belluci fazendo parte da nossa história”.
Wendell era roadie do Cólera, e num registro simbólico lançado em DVD, o show de 2011 “Punhos & Vozes – Rasgando no Ar!”, canta, a pedido do próprio Redson, a última música, “Histeria”. Wendell assumiu o vocal do Cólera em 2012 e os fãs o aprovaram de primeira. Já o guitarrista Fábio teve uma fita demo de sua primeira banda produzida por Redson em 2004. “A gente tinha 13 anos e é surreal pensar que um cara de uma banda consagrada pudesse produzir a gente. E ele produziu”, orgulha-se. Fábio assumiu a guitarra do Cólera em 2014 e desde então os quatro vêm trabalhando no novo disco e juntando as peças que formam o poderoso ‘Acorde! Acorde! Acorde!’ “Todo o processo de ensaios, composição, gravação e mixagem durou três anos”, conta Wendell. “Estamos muito felizes com o resultado final”.
Não é para menos. “Acorde! Acorde! Acorde!” condensa em 16 canções (três delas versões demo com Redson em 2009 que surgem como faixas bônus) toda a energia que o Cólera mostrou nas últimas quatro décadas. “Abre a porta e aumenta o som / Bípedes pensantes querem comunicação”, intima a explosiva “Somos Cromossomos”, que abre o disco. “Capacete Vermelho” já vem sendo tocada ao vivo desde 2012, e ganha agora sua versão final. Segundo Wendell, “tivemos que procurar as letras, algumas delas já escritas, outras em rascunho, montar o quebra cabeça e compor em cima das que faltavam ser finalizadas”. O desafio foi cumprido com honras.
“Acorde! Acorde! Acorde!” traz faixas como “Turbulências”, com a metaleira de Felippe Pipeta (trompete), Victor Fão (trombone) e Bio Bonato (sax) comendo solta no arranjo vigoroso; já “Décimo-Terceiro” é uma critica feroz a quem se rende ao capitalismo, “Ostentando o que não pode ter / Impulsivos gastando sem perceber”. Na mesma linha, “Creation” cobra atitude de cada pessoa: “Sempre tem alguém usando alguém! Sempre tem alguém sugando alguém! Tente essa droga mudar”.
Um dos destaques do álbum é a Ópera do Caos, conceito desenvolvido por Redson que agrupa 5 novas faixas na forma de uma ópera punk. “Mr. Gamble” é o primeiro ato e conta a história de um ditador, seus métodos para ascender ao poder, e todos os artifícios de manipulação que utiliza para alcançar seus objetivos. No segundo ato, “Mezza Mezza”, uma pessoa em busca de autoconhecimento descobre que a ação não se limita ao plano físico. “Fá Dó Lá”, o terceiro ato, defende que sabedoria e discernimento são como uma máscara de gás para sobreviver ao desespero imposto pelas bombas da mídia. “Caos”, o quarto ato, é o apogeu da tirania, que flagra milhões de pessoas reféns de um homem e um botão. “Hino”, a apoteose da Ópera do Caos, relembra como superamos anos difíceis de ditadura militar sem ceder à censura e às constantes abordagens policiais, contando apenas com uma arma muito poderosa que o sistema não conseguiu neutralizar: a música. “Não vamos calar”, diz o refrão.
“Por um tempo achei que estava tudo perdido”, confidencia Pierre. “Mas o apoio da família, amigos e seguidores, fez com que continuássemos”, revela. “Superamos os obstáculos e ai está ‘Acorde! Acorde! Acorde!’, concluído, gravado, mixado e masterizado. É um trabalho feito com a paixão de quem acredita na nossa história”, diz Val. “Está sendo uma honra levar adiante o legado que o Redson nos deixou gravando e lançando o disco que ele tanto queria ter gravado”, observa Wendell. “Discos como ‘Tente Mudar o Amanhã’, de 1984, e ‘Pela Paz, de 1986, foram muito importantes para mim e espero que Acorde! Acorde! Acorde! represente o mesmo para a molecada de agora”, deseja Fábio. “Nós continuamos insistindo em nosso objetivo, que é o título do nosso primeiro álbum: tente mudar o amanhã. E assim seguimos”, encerra Val. Agora é com você: “Acorde! Acorde! Acorde!”.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne