entrevista por Bruno Lisboa
O compacto em vinil azul “Sex, Rockets and Filth Songs”, dos Mechanics, foi o ponta pé inicial de um dos selos musicais brasileiros mais relevantes deste século: a Monstro Discos. Passados 20 anos, a Monstro é um exemplo de resistência artística, pois sobreviveu as inúmeras crises que o mercado fonográfico tem sofrido e segue com muita lenha para queimar. Sob a sua chancela mais 180 títulos foram lançados – entre CDs, compactos em vinil, fitas K7, VHS, DVDs, além de livros, HQs e álbum de figurinhas. Sempre tendo o rock and roll como força motriz.
Autoramas, Cascadura, Canastra, Dead Rocks, Devotos DNSA, Frank Jorge, Girlie Hell, Júpiter Maçã, Lucy and the Popsonics, Marcelo Gross, Macaco Bong, Mechanics, MQN, Mundo Livre S/A, Retrofoguetes, Sapatos Bicolores, Superguidis, Violins, Walverdes e Wry, entre tantas outras, foram algumas bandas que tiveram trabalhos lançados pelo selo e ajudaram a construir esta longa história. Para além dos lançamentos de discos, a Monstro é responsável também pelo já tradicional, Goiânia Noise Festival, que este ano chega a sua 24ª edição.
Como forma de celebrar as duas décadas de existência, a Monstro Discos acaba de colocar no mercado um aplicativo gratuito (disponível aqui) para smatphones que servirá também como uma espécie de clube de vantagens e recompensas para os fãs onde o usuário que fizer a assinatura do clube poderá ter acesso a conteúdo exclusivo sobre os artistas da casa e muitos mais. Esta é uma das várias iniciativas que serão promovidas neste ano. Outra, celebrada, será a reedição de discos clássicos do underground em vinil: “Batizada de Série Ouro, trata-se de um resgate de discos raros ou fora de catálogo, para os quais, hoje em dia, há um buraco no mercado”, explica Leo Bigode.
O primeiro lançamento da Série Ouro será o antológico “A Sétima Efervescência”, de Júpiter Maçã, em vinil duplo com tiragem de mil exemplares, sendo que, destas, 300 são vinis coloridos contendo encarte com textos e fotos. Foram mantidos capas e acabamento originais, a remasterização sonora ficou a cargo de Egisto dal Santo, que, além de ter integrado bandas lendárias como a Colarinhos Caóticos, foi produtor de outros artistas do cast do selo Antídoto, da gravadora Acit, a exemplo da Tequila Baby. “A Sétima Efervescência” já está em pré-venda na loja online da Monstro Discos. “Sobre futuros lançamentos, já estamos negociando com bandas como Korzus, Os Cabeloduro, Muzzarelas”, adianta.
Em entrevista exclusiva ao Scream & Yelll, a dupla de Léos (Bigoge e Razuk) fala sobre a receita de longevidade do selo (“A gente vai se moldando, mas sempre fazendo o que a gente realmente acredita”), o caráter de resistência (“Podemos nos adaptar a novas condições, mas nunca a aderir a algo de forma oportunista só porque está em evidência, porque é a moda, porque é o que a massa quer”), a expansão das áreas de interesse da gravadora, o mercado fonográfico atual (“Autogestão é coisa do passado”) e muito mais. Vida longa a Monstro Discos!!! Confira o bate papo!
O mercado fonográfico nós últimos anos sofreu drásticas mudanças, principalmente com o advento da internet. Mas alheios e atentos a isso vocês conseguiram seguir em frente e comemoram 20 anos de existência. Qual a receita da longevidade?
Bigode: Talvez porque fizemos (e fazemos) tudo com a premissa de procurar um caminho alternativo, sem necessariamente ter que ter só resultados. É claro que precisamos de dinheiro, mas a gente sempre fez as coisas porque achamos foda. Nunca foi uma imposição números, vender tantos discos. Essas coisas do mercado mainstream que sempre fomos contra. Além disso, tem o fato da gente ser meio tonto mesmo, fazer porque gosta e tal… nossos contemporâneos aqui de 20 anos atrás que começaram a trabalhar com sertanejo hoje estão milionários. Somos uns toscos (risos).
Razuk: Muita persistência… e muito mais burrice mesmo! (risos) Mas falando sério, acho que é porque fazemos algo que acreditamos. Nós amamos rock, está no nosso DNA. E fazemos isso porque realmente acreditamos. Dinheiro sempre foi algo secundário… algo consequente e não o fim em si. Em relação às mudanças, temos de ser resilientes (pra usar um termo em voga). Temos de saber nos adaptar às mudanças do mercado, do público, das bandas… mas sem perder a nossa essência. Porque quando você perde isso, você deixa de ser verdadeiro e cai em descrédito. Então, a gente vai se moldando, mas sempre fazendo o que a gente realmente acredita.
O rock, de um modo geral, tem cada vez mais perdido espaço (seja na mídia, seja de público) se comparado à ascensão de outros gêneros musicais, mas vocês seguem alheios a isso, ditando as próprias regras, atendendo aos próprios interesses. Esse caráter de resistência é o essencial para quem quer lidar com rock and roll hoje?
Bigode: Eu acho que queremos manter as coisas que sempre fizemos, desde 98. Se for preciso fazer uma parada que a gente não se amarra eu sinceramente prefiro pendurar as chuteiras. No mercado de música independente hoje tem muita gente agindo exatamente a favor de um discurso que sempre fomos contra. Eu até entendo que é por uma questão de sobrevivência. Manter a essência do que é a Monstro pra mim é o mais importante. Se for pra pegar nossa história e legado; amassar e jogar no lixo abrindo concessões eu prefiro fechar tudo e montar uma barraca de pastel na feira.
Razuk: É um pouco do que falei acima. É nosso DNA e a gente não muda isso. Podemos nos adaptar a novas condições, mas nunca a aderir a algo de forma oportunista só porque está em evidência, porque é a moda, porque é o que a massa quer.
Para além do lançamento de discos a Monstro apostou no decorrer destas duas décadas de existência na curadoria de festivais, turnês, lançamento de livros, HQs, DVDs, empreendimentos que ajudaram a fomentar a cena independente de ontem e de hoje. Por mais que tudo esteja conectado, como se deu este interesse em expandir a área de interesse da gravadora?
Bigode: Aconteceu de forma natural, uma demanda mesmo do mercado, de parceiros. Mais gente pensando como nós. E vários braços foram surgindo, vários tentáculos. Não foi nada mercadológico sabe… lançar um VHS já era uma loucura em 2000… (mas) fomos lá e lançamos… fazer um festival … criar ramificações de ações legais de cultura. A Monstro é rock, mas é uma Cia de Cultura.
Razuk: Pelas mudanças do mercado e do público. Para não ficarmos parados no tempo. Ainda temos muito orgulho dos DISCOS em nosso nome e não queremos parar de lançar discos. Estamos com novos projetos e um deles será uma série de discos em vinil. Mas também apostamos no digital, lançamos um app com uma ideia super bacana de ser um canal de comunicação, mas também um clube de recompensas no qual os fãs mais engajados serão premiados ou os que resolverem assinar terão acesso a conteúdos e experiências exclusivas… e tem os shows e festivais. As bandas precisam mostrar seu trabalho. Se não tem mais venda de disco, elas precisam de palcos, de circular… então, vamos tentar proporcionar isso.
O cast da Monstro é um dos mais variados do Brasil, tendo algumas das bandas e discos mais relevantes do cenário nacional em seu catálogo, fator este que deve orgulha-los. Para vocês como foram estes 20 anos de labuta?
Bigode: Os 20 anos passaram rápido. Sei lá, eu costumo dizer que o tempo engole a gente. Se há 20 anos estávamos na balada enchendo a cara hoje estamos casados e com filhos adolescentes, empresa formalizada, pagamos impostos, funcionários, contador, aluguel e tal. Eu posso dizer que a Monstro construiu uma cena, sobretudo em Goiânia. Obviamente não somos donos nem inventamos nada, mas existe um divisor aí, pelo menos pra nossa região do que era Goiânia antes e depois da Monstro. De certa forma colocamos a cidade no mapa. Temos muito orgulho de ter lançado tanta banda legal e representativa, em várias fases, de vários gêneros. Teve muita dificuldade, como temos hoje em dia. Cada hora é um leão pra matar. Agora por exemplo com essa nova conexão da musica com as pessoas nem se fala. Precisamos ser ninjas. (risos)
Razuk: Cara, modéstia às favas, nosso catálogo é foda mesmo. Tem alguns discos ali que são eternos. Dá um puta orgulho mesmo. E sei que as bandas também sentem orgulho de ter lançado o trabalho com o nosso selo ali. O trabalho é mesmo duro e de formiguinha… mas olhando pra trás é muito bacana ver tudo que foi construído. E isso nos dá gás pra outros tantos anos pela frente.
Em 2014 vocês entraram de cabeça no formato digital e hoje as plataformas tem se tornado a principal referência para quem consome música. Em contrapartida vocês seguem apostando no formato físico (K7, vinil, cd, dvd). Como está o mercado nesta seara? Ainda é viável seguir apostando no formato?
Bigode: O formato físico ainda esta passando pela transformação que começou lá nos anos 1990. Ainda estamos em processo de adaptação. Os CDs e demais materiais físicos não irão acabar. Eles se adaptaram. O vinil talvez seja um formato definitivo pra quem gosta e ouve musica. Os CDs são importantes porque ainda existem lojas e pessoas que ouvem, K7 vai virar aquele fetiche pra hard fã. Comercialmente em quase a maioria é um investimento que não tem retorno financeiro, mas grande retorno institucional. Ainda se leva em conta “discografia”, essas coisas. Mas como falei ainda estamos em adaptação pra um modelo novo. Tem banda lançando singles (e não mais lançando discos) e eu tenho a impressão que isso se perde, mas pode ser só uma impressão minha. O fato é que iremos continuar lançando e investindo em formatos mais malucos, pra pegar quem esta nessa pela música. Claro que também com foco no mercado digital que ainda não virou, mas que ainda achamos que vai virar…
Razuk: Viável não é. Mas, como falei, nós gostamos de discos. Muitas bandas também gostam. Então, chega junto que a gente faz. CD as vendas são praticamente nulas hoje em dia. E eu, particularmente, acho ruim isso. Eu gosto de ouvir. Mas hoje nem os carros vem mais com CD player. Então, não dá pra ficar lamentando. Temos de partir pra outros formatos. Vamos lançar CD até quando der. Vamos criar novos projetos em vinil até quando der… mas também estamos pesado no digital, com uma parceria bem legal com a Ditto Music. E resultados ali já começam a aparecer. O lance é não se acomodar. Não ficar na zona de conforto.
Hoje em dia, mesmo com inúmeras dificuldades, selos musicais e produtores veteranos continuam em frente, influenciando as novas gerações que seguem colocando em voga, assim como vocês, a ideologia do “faça você mesmo”. Qual a dica que vocês podem oferecer para a molecada que está com vontade de colocar a mão na massa?
Bigode: Banda nenhuma deve ficar esperando que as coisas caiam do céu. E nem devem achar que patrocinar no Facebook é a salvação. Autogestão já é coisa do passado (quem não sabe o que é isso nem entra no jogo), hoje além de se manter e cuidar de todo o processo a banda precisa ter claro que circular (shows fora da sua cidade, longe do papai e da mamãe) é importante num mercado e numa cena insalubre. Lançar material com frequência e, acho o mais importante, pras bandas de rock: elas precisam se unir, juntar, fazer conexões reais, sair das redes sociais nesse sentido, armar pontes. Os fanzines faziam essa ponte que parece que hoje o Facebook não faz (por incrível que pareça). As bandas precisam ir umas pras cidades das outras, tocar em inferninhos, se matar pra 50 pessoas. Essa é a cena. Se não quiser isso vai fazer funk ou sertanejo indie ou gemer na nova música brasileira que talvez faça mais sucesso.
Razuk: A dica é: coloquem a mão na massa! Muita coisa bacana surgiu nos últimos anos porque uma molecada arregaçou as mangas. Quando começamos, em Goiânia, era tudo nebuloso, obscuro… outro dia o Gustavo Mini, dos Walverdes, escreveu que “a Monstro não abriu portas – abriu picadas e construiu pontes onde muitos achavam que não era possível ou não fazia sentido. E uma turma grande e diversa, literalmente de todos os cantos do país, andou por essas picadas e cruzou essas pontes”. É foda demais ver isso. E é real. Então, por mais piegas que seja esse conselho, ele é válido: enfia a cara! Acredite!
Como surgiu a ideia da Série Ouro? E que começo com o pé direito com “A Sétima Efervescência”, hein! Os próximos lançamentos serão surpresa ou já dá para adiantar algo?
Essa ideia surgiu um tempo atrás, em conversas nossas (ainda com o Márcio Jr. presente) lá na Monstro. O lance da paixão por vinil, da Monstro sempre ter lançado vinil… e de vermos como o formato ganhou espaço, mas as gravadoras vão atrás só de lançar ou relançar discos mais óbvios. Mas e os clássicos do underground? As pepitas que a gente sempre ouviu em CD e que não ganharam versões em vinil. Daí, no velho conceito do faça você mesmo, resolvemos criar essa “Série Ouro”. Fomos construindo e amadurecendo a ideia, levantando alguns discos que se encaixavam nesse conceito… e desde o ano passado começamos a negociar com a família do Júpiter esse lançamento. O primeiro precisava ser um disco pra destruir! E esse é o maior deles! A Monstro é o selo que mais lançou discos do Júpiter. A gente tinha uma relação muito bacana com ele e a mãe dele logo viu isso. Ela topou na hora e desde então estamos trabalhando porque não é algo barato, mas é fundamental pro que queremos da Monstro. Sobre futuros lançamentos, já estamos negociando com bandas como Korzus, Os Cabeloduro, Muzzarelas… como falei, a Série Ouro será com os clássicos fundamentais do rock independente e sem cair muito no óbvio, no esquema vinil-caça-níquel.
Quais são os planos da Monstro para celebrar as duas décadas de existência?
Bigode: Temos muitos planos. Engraçado é que ter 20 anos deu um puta gás pra gente. Temos algumas coisas na manga… um aplicativo exclusivo pra Monstro e seus fãs, uma série especial em vinil (chamada Série Ouro), um longo calendário de shows locais, o Noise com 24 anos… vários lançamentos que em breve divulgaremos… muita coisa rolando. Acho que o mais importante é a gente saber que iremos estar fazendo o que gostamos daqui 20 anos. A gente se fala em 2038.
Razuk: É isso! Fiquem ligados em nossas redes sociais (Instagram, Twitter, Facebook), baixem o nosso app (é gratuito) e acompanhem que tem muita coisa massa pra rolar esse ano! Porque nós somos rock!
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão.