por Marcelo Costa
Em algum momento da virada do século, Dave Grohl recebeu (da mídia e dos fãs) a coroa de “cara mais bacana do rock mundial”, e a honraria subiu a cabeça do eterno ex-baterista do Nirvana, que virou arroz de festa em shows dos outros enquanto a discografia de sua banda descia a ladeira deixando estupefatos aqueles que não entendiam a idolatria extrema à banda de Dave Grohl. Se juntarmos as canções que realmente valem a pena do fraco “One By One” (2002), do exagerado “In Your Honor” (2005) e do mediano “Echoes, Silence, Patience and Grace” (2009) conseguiríamos um disco nota 7 (com muita boa vontade). Mas dai com a formação finalmente fixa, o quinteto pariu um discaço, “Wasting Light” (2011), e uma baita série de documentários (inspirada no U2) que ofuscava um disquinho mequetrefe, “Sonic Highways” (2014).
O cenário 2017, então, era esse: Dave Grohl virou um mala que mais fala nos shows do que toca e seus documentários estão bem melhores do que os discos de sua banda. Então por que perder tempo ouvindo o nono disco de inéditas dos caras? Não vale a pena, seja sincero, mas um play involuntário em “Concrete and Gold” revela algo inacreditável: o disco é bom pra cacete, ao menos na primeira metade. Desta forma, esqueça as participações engana público (Justin Timberlake, Alison Mosshart e Paul McCartney) que estão ali só para “valori$ar” o produto final, mas nada acrescentam ao todo, e concentre-se na ideia do projeto: “Queríamos chocar os extremos do hard rock com o pop, algo que soasse como o Motorhead tocando ‘Sgt Peppers’ ou Slayer tocando ‘Pet Sounds’”, disse Dave. O resultado soa um Imagine Dragons raivoso (?) e extremamente melódico. A principal influência do disco, segundo Grohl, é o momento de esperança e medo pelo qual vive os Estados Unidos hoje.
“Concrete and Gold” abre com uma citação torta do melhor álbum que o Foo Fighters gravou em sua história: “The Colour and the Shape”, de 1997. Da mesma forma que o segundo álbum do grupo abria com uma baladinha suave de menos de um minuto e meio de duração, “Doll”, “Concrete and Gold” é introduzido pela doce vinhetinha (que explode na metade de sua curta duração) “T-Shirt”, que atualiza “Doll” para os tempos atuais, com os anos de experiência de Dave marcados nas costas como chicotadas: se em “Doll”, Dave dizia que não se sentia bem preparado, aqui ele se mostra a vontade para mostrar o que aprendeu em 20 anos: “Se tem uma coisa que eu aprendi / É que se as coisas melhoram demais / Elas vão piorar”. A faixa seguinte, “Run”, foi o primeiro clipe, e aposta na fórmula introdução melódica seguida de uma explosão hard rock e de um refrão pop, método que também é usado na poderosa “The Sky Is a Neighborhood”, segundo single e clipe do disco, com refrão cantado em coro (com apoio de Alison Mosshart, do The Kills).
Tanto “Run” quanto “The Sky Is a Neighborhood” acenam para o desespero da situação do mundo nos tempos atuais, no geral, e dos Estados Unidos da América controlado por um menino mimado, no privado. Na primeira canção, Dave avisa: “Os ratos estão marchando (…), Os cães estão perseguindo (…), Nós somos as apostas da nação: Se tudo for deletado, o que você irá fazer?”. Já “The Sky Is a Neighborhood” questiona: “Problemas à direita e a esquerda: De que lado você está?”. A primeira metade do álbum aposta mais intensamente no rock como mostra a estranha “Make it Right”, com bateria e percussão torta numa junção de psychobilly com world music partida ao meio por um riff de guitarra blueseiro enquanto Dave grita que “não precisa de um mártir”. Já “La Dee Da” soa tanto Royal Blood quanto BRMC com um baixo sujão na introdução varrendo o caos para debaixo do tapete (a letra cita nominalmente a Casa Branca).
Após a tempestade sônica da primeira metade do disco, a banda baixa a bola em “Dirty Water”, a sexta faixa do disco, que começa cadenciada e parte em um crescendo até alcançar os cinco minutos de duração enquanto Dave recebe um rápido Bob Dylan: “Eu sinto um terremoto chegando”. Em “Happy Ever After (Zero Hour)”, o espirito que visita Dave é o dos Beatles do “White Album”, numa balada acústica que soa muito mais interessante (“Não há Super-Heróis agora”, avisa o vocalista) do que “Arrows”, um dos pontos mais baixos do álbum, faixa menor que retoma ao universo esquecível de “Sonic Highways”. Em “Sunday Rain”, quem toca a bateria é Paul McCartney, e todo o barulho que Taylor Hawkins estava causando nas canções anteriores dá espaço a conformismo e bocejos (que se estende ao vocal de Taylor, que assume a canção). O barulho é retomado em “The Line”, que soa demais classic rock para as massas, barulho para quem come maçã raspadinha com colher. A faixa título fecha o disco oferecendo densidade, mas nem ela consegue acordar o ouvinte após tantas faixas sonolentas.
No balanço geral, “Concrete and Gold” oferece um candidato a clássico para adentrar o repertório da banda, “The Sky Is a Neighborhood”, que sozinha é melhor que todo o álbum anterior do grupo (“Sonic Highways”? Humpft), e um grupo de canções inicial que mostra que o Foo Fighetrs ainda têm folego… para gravar metade de um grande disco. Já a segunda metade não traz nada de muito relevante, algo que os fãs já estão acostumados, vamos combinar. A grande questão é: metade de um álbum é um bom álbum? Neste tempo de playlists em portais de streaming, não é necessário mais do que uma grande canção pra colocar a banda nos ouvidos e corações de seu público, e “The Sky Is a Neighborhood” cumpre essa necessidade com louvor, mas “Concrete and Gold” joga o ouvinte para o alto, tal qual uma maçã, em sua primeira metade, para deixa-lo esborrachar no chão na sequencia. Soa bem Dave Grohl pós coroa de “nice guy”, mas nada de se decepcionar com algo que nós já sabíamos que iriamos nos decepcionar. Foco nas canções boas e volume no talo. Partiu.
Ps. Sobre a turnê brasileira? Comento neste vídeo o que acho realmente do Foo Fighters ao vivo.
Nota: 7
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
‘Concrete and Gold’ é meio que a antítese do ‘Villians’ do Queens.
Enquanto no Villians, Mark Ronson parece sufocar a banda, sem dar muito espaço pra referências mais notórias do coletivo aparecerem, e deixando o disco pasteurizado, no ‘Concrete’ foi o contrário… A banda sufocou um excelente produtor (Greg Kurstin), perdendo uma grande chance de que ele pudesse influenciar positivamente no resultado final do disco, e assim, fazendo com que fosse só + um álbum mediano na carreira da banda.
Nos dois casos, btw, o resultado foi fraco e bem aquém do que poderia ter sido.