por Lucas Vieira
“Amada que mata amante”. Foi assim Itamar Assumpção definiu “Amanticida”, título de uma de suas músicas, presente em “As Próprias Custas S/A”, álbum de 1982. 30 anos depois, o termo batiza um grupo de São Paulo que tem o trabalho do compositor maldito paulistano como luz-guia. Mas definir Os Amanticidas como um grupo que apenas reverencia Itamar em suas canções é pouco. Estamos falando de uma banda que está trabalhando diretamente com o cotidiano paulista e a raiz dos gêneros populares do país: frevo, samba e baião, que são assimilados com os breques e ritmos cadenciados de quem ouviu muito Paulinho da Viola, Jards Macalé, Grupo Rumo e, principalmente Arrigo Barnabé e Tom Zé — estes dois últimos são participações especiais do disco de estreia da banda.
Lançado em 2016, o primeiro álbum do grupo traz esse caldeirão de influências bem explícito. A formação Alex Huszar (baixo e voz), Joera Rodrigues (bateria), João Sampaio (guitarras, cavaquinho e bandolim) e Luca Frazão (violão de sete cordas) mostra um trabalho que permite seguramente considerá-los herdeiros diretos da obra do baiano de Irará, que se conectaram diretamente com tudo que aconteceu (e ainda acontece) de mais moderno na música nacional. “Os Amanticidas”, lançado pelo edital ProAC, tem produção do “Isca” Paulo Lepetit e já foi apresentado em palcos como CCSP, Festivais de Inverno de Botucatu e Braganc?a Paulista e na Semana Elpi?dio dos Santos de Sa?o Luiz do Paraitinga.
A música “Freguesia”, que abre o disco, tornou-se clipe em outubro de 2017. Com direção de Rafael Frazão e produção da filmes para bailar, o vídeo traz um passeio pela cultura de São Paulo através de imagens de uma feira de rua, embaladas pelo som cadenciado da música. A identidade paulista e a sonoridade do grupo foram os assuntos da entrevista que o Scream & Yell fez com a banda. Confiram:
Qual é o grande segredo de explorar caminhos mais experimentais sem perder o tino popular?
Acho que é isso que a gente se pergunta constantemente no nosso processo. Mas basicamente a forma que a gente encontrou de buscar esse equilíbrio é a seguinte: quando um de nós traz uma canção pra trabalhar nos ensaios, ela chega num estado bem cru, quase sempre voz e violão, às vezes partindo até de um gênero bem claro e conhecido da música popular (“Freguesia”, por exemplo, é um samba; “Duas Aflições” é um frevo, etc.). Aí a parte mais experimental entra ao longo do processo coletivo de arranjo, quando a gente faz um esforço consciente para, de certa forma, fugir um pouco dos formatos de arranjo tradicionais desse ou daquele gênero, dar uma cara realmente nossa pro resultado final, pensando cada arranjo para tentar dialogar com aquela canção específica.
O clipe de “Freguesia” retrata o comércio de rua, um lado urbano muito ligado a São Paulo. Qual é a relação de vocês e, principalmente, da música d’Os Amanticidas com a cidade?
A banda toda é paulistana, até o Alex, que nasceu no Rio, mas mora aqui desde cedo e está devidamente naturalizado. E nos parece que ninguém que faz arte por aqui fica imune a alguma influência da cidade, porque São Paulo tem um ritmo muito próprio, muito intenso, é uma presença que se impõe e não dá pra ignorar. Aí tem o fato de que a música daqui sempre esteve muito presente na nossa formação, desde muito antes de a banda existir. Nossa referência maior, que é o Itamar Assumpção, assim como todo o resto da chamada Vanguarda Paulista, fazia essa música muito particularmente paulistana. Nosso outro grande mestre, o Tom Zé, veio de longe e se tornou um dos maiores tradutores de São Paulo por meio da canção. E mesmo hoje a cena musical daqui é muito rica e movimentada, cheia de gente que a gente acompanha, admira e até copia um pouco de vez em quando, como Metá Metá, Passo Torto, Siba. Então todos nós fomos desde muito cedo influenciados tanto pela cidade em si quando pela sua produção cultural.
O primeiro disco explorou bastante o samba e o frevo, ritmos tradicionais, com toda uma linguagem que vai em busca de direções diferentes. Existe alguma sonoridade que vocês gostariam de trabalhar mas que por algum motivo não coube no trabalho?
Achamos que não tem nenhuma linguagem específica. Talvez o esforço pros próximos trabalhos seja até no sentido de pensar cada vez menos em termos de samba, frevo, baião e outros gêneros. O nosso objeto mesmo, que a gente estuda, pesquisa e produz, é a canção brasileira, e ela já carrega uma longa tradição de compositores que usam esses gêneros tradicionais mais como um veículo pra comunicar o que eles tem pra dizer do que como um elemento central da obra. Então no fim das contas o que a gente quer é fazer canções que comuniquem, e cujos arranjos tenham uma cara nossa e, na medida possível, original.
– Lucas Vieira (Facebook) é jornalista e escreve sobre música desde 2010 e assina o blog Dizconauta