Resenha por Renato Caliman
“Mulher-Maravilha” (2017) foi o primeiro passo criativo para os novos tempos da DC. Envolvente e com uma temática que vai além do heroísmo, a produção representa um marco por diversos fatores, entre eles apostar numa mulher para ser a dona da história (em outros tempos talvez ela fosse renegada a uma simples coadjuvante), ao passo que traz para comandar a narrativa outra mulher, disposta a mudar as regras do ‘jogo dos homens’. Havia o medo de que esse passo adiante não fosse capaz de influenciar positivamente a “Liga da Justiça” (“Justice League”, 2017), que mesmo antes de nascer já tinha vários problemas. Bom, após uma sessão de 2h+duas ótimas cenas pós-créditos – coisa que a Marvel não é capaz de fazer há um bom tempo, a sensação é de que ainda existe muita coisa a ser feita para que o universo da DC chegue perto da coerência do rival, no entanto, “Liga da Justiça” consegue surpreender até mesmo os mais pessimistas que esperavam uma tragédia anunciada. A reunião dos heróis mais fortes do planeta corre contra o tempo para mostrar sua importância ao público, e na pressa tropeça feio em alguns momentos, mas também acerta e por vezes entrega que dela se espera: narrativa ágil, combates contundentes, diálogos descontraídos, uma dose de emoção e diversão.
Com a morte do Superman/Clark Kent (Henry Cavill), seguindo os acontecimentos de “Batman vs Superman: A Origem da Justiça” (2016), a Terra parece um lugar sem lei, sem esperança e sem super-heróis. Indefesa, ela se vê ameaçada por um novo intruso: o Lobo da Estepe, que surge para reunir as três caixas maternas, fonte de poderes imensuráveis, e assim estabelecer o caos no universo. Ciente da ameaça, Batman/Bruce Wayne (Ben Affleck) resolve montar um time para combater o inimigo. Mulher-Maravilha/Diana (Gal Gadot), Ciborgue/Victor Stone (Ray Fisher), Aquaman/Arthur Curry (Jason Momoa) e Flash/Barry Allen (Ezra Miller) juntam-se ao Homem-Morcego para formar a Liga da Justiça que tentará deter vilão.
A trama sente o peso de não ter apresentado todos seus integrantes em filmes solos e demonstra certa bagunça na necessidade de mostrar todos de uma vez. Além de problemas internos, a produção teve que se virar com a perda do contestado diretor Zack Snyder, que saiu devido a circunstâncias pessoais. Em seu lugar entrou Joss Whedon (“Os Vingadores”, 2012), que, apesar de fazer questão de dizer que não mexeu muito no material, contribuiu bastante para a sensível melhora do filme. Com tantos ‘contras’, o que vemos logo de cara é uma enxurrada de cortes bruscos, uma montagem sem ritmo e um sentimento de que a decepção se confirmaria. A primeira parte do filme, que tinha tudo para ser agradável e curiosa, por conta do encontro de heróis que acabavam de se conhecer, soa episódica e sem lógica. Desordenado em seu primeiro ato, na correria para fazer com que o público simpatize com os novos personagens, após se juntarem a coisa começa a funcionar, e, se não temos a Liga da Justiça das HQs, ao menos no segundo ato temos um time entrosado, no qual a dinâmica funciona de maneira eficiente e prazerosa.
O resultado final soa um esboço do que o filme poderia ser, mas que ainda assim demonstra ser capaz de entreter a audiência com um tom mais leve, gracejos e mais vida para uma sequência direta de um filme que se orgulhava do tom sombrio e pesado, além de uma narrativa exaustiva. Enfim, um alívio em meio a tanta pertubação. Affleck acompanha o estilo da nova narrativa e se apresenta mais confortável no traje do morcego, menos sisudo e disposto a sair de cena mais bem humorado. Gadot retorna com a mesma altivez, alternando entre a elegância de Diana e a força da Mulher-Maravilha, e também compondo uma relação atraente junto ao Batman, sem jamais se deixar levar para o lado sexual, ainda que ele esteja implícito em alguns momentos. Miller dá vida a um Flash fora de contexto. Responsável por grande parte das piadas do filme, aos poucos suas caras e bocas viram frequentes e o que era para ser engraçado termina sendo forçado. O Ciborgue de Fisher é mais interessante, complexo, mas sua concepção artificial demais se torna uma distração. Quanto ao Aquaman de Momoa, está aí um herói no qual podemos depositar esperança. Cheio de marra, o bad boy exibe motivações que parecem plausíveis.
No entanto, o grande momento de “Liga da Justiça” fica por conta do Superman (não é nenhum spoiler saber que ele estará no filme). O ressurgimento do filho de Krypton é impactante, e Cavill finalmente incorpora o super-herói que desde o primeiro filme esperávamos que ele fosse. Implacável e aparentemente mais forte do que já era, Superman chega para fornecer ainda mais entretenimento e aprimorar a dinâmica do grupo. Sua volta é tão bem acertada, que até mesmo Lois Lane (Amy Adams) e Martha Kent (Diane Lane) se tornam mais relevantes para a narrativa nas suas interações com o alienígena, entregando cenas emocionantes para os padrões dos heróis. E se a terceira parte confirma essa virada significativa, traz também um desfecho sem grandes surpresas: uma luta convencional, com toque de humor, porém contra um vilão que extrapola as barreiras do genérico. O ator Ciarán Hinds mal pode ser visto em meio a tantos efeitos especiais, responsáveis por criar um Lobo da Estepe de voz cartunesca, com uma movimentação de videogame e uma justificativa pra lá de batida. E sem um vilão à altura da Liga, o trabalho deles tem menos valor.
Dirigido por Zack Snyder e finalizado por Joss Whedon, “Liga da Justiça” é um filme ágil que manifesta bons e maus momentos, que vivem se anulando, mas que no final representam um aquecimento para o futuro. Sua trilha sonora é interessante, evocando os temas de cada personagem, mas sem entregá-los por total. Embora o Flash seja um pouco afetado, o humor no geral é satisfatório, assim como as cenas de ação, que exibem lutas bem executadas, vide o confronto em Temiscira entre as Amazonas e o Lobo da Estepe. E embora tenha um primeiro encontro não muito natural, o diálogo funciona quando estão juntos e isso é um indício de que no futuro as coisas podem melhorar. As cenas pós-créditos também nos levam a crer nesse aperfeiçoamento. A tarefa de entreter o público é cumprida com ressalvas.
NOTA: 6.5
– Renato Caliman (fb.com/renato.caliman) escreve no #CineMarmita: https://cinemarmita.wordpress.com