entrevista por Marcos Paulino
Autor de um dos maiores sucessos do pop rock nacional, “Primeiros Erros” (aquele do refrão “Mas só chove, chove”), Kiko Zambianchi vem experimentando há 8 meses a sensação de ser avô. “Ele está animado com a novidade, tem se saído bem no papel de avô, tem se dedicado”, conta sua filha Paola, jornalista que lhe deu o primeiro neto, Felipe. Aos 57 anos, porém, o músico não tem tanto tempo assim pra se dedicar ao bebê. É só conferir sua agenda pra confirmar que seus shows acontecem com uma boa frequência, em cidades espalhadas por todo o país.
São apresentações bem mais tranquilas do que aquelas que ele fez com o Capital Inicial durante mais de três anos. E Kiko diz estar feliz assim. É a serenidade que traz a experiência de quem já passou por tantos momentos diferentes na carreira. Natural de Ribeirão Preto, Kiko mudou-se para São Paulo aos 23 anos e, pouco depois, em 1985, lançava pela EMI seu disco de estreia, que trazia “Primeiros Erros”. A faixa, porém, só estouraria graças a um trabalho pessoal de Kiko, já que a gravadora nunca apostara nela, como ele conta nesta entrevista ao Mundo Plug, parceiro do Scream & Yell.
Desde então, em mais de três décadas de carreira, Kiko já experimentou holofotes intensos, gravou sete discos (seu mais recente lançamento é “Acústico Ao Vivo”, de 2013) e um DVD, cravou sucessos nas rádios (“Rolam as Pedras”, “Alguém”, “Quadro Vivo”, “Você Perde”, “Choque”, “Hey Jude”), viu composições suas ganharem o país na voz de outros artistas, passeou pelo hip hop e foi chamado de “Kiko do Capital”. Agora, só quer saber de ser livre para fazer o que quiser. Como mimar o pequeno Felipe.
Muita gente acha que “Primeiros Erros” é do Capital Inicial e que “Eu Te Amo Você” é da Marina. Como você encara o fato de, apesar de uma longa e frutífera carreira, ser menos famoso que alguns de seus sucessos?
Acho muito bom quando um cantor grava uma música minha e faz sucesso. Sempre diferenciei música de fama e venda. Seria a mesma coisa que perguntar pro pessoal do Capital: “Como é fazer sucesso com ‘Primeiros Erros’ e saber que 75% dos rendimentos estão indo pra conta de outro?”. Música é pensada e sentida. Quando faço, não coloco barreiras e nem me apego a elas. Quanto à fama, acho demais quando um artista de sucesso nacional grava uma música que fiz, afinal, é o reconhecimento de quem trabalha com música e entende do assunto.
Nos anos 80, você teve muita presença na grande mídia, com clipes no “Fantástico”, músicas em trilhas de novelas, participação em programas de auditório… Talvez por ser mais eclética, a cena daquela época permitia que artistas de vários gêneros ganhassem projeção?
Era bem mais eclético o cenário musical dos anos 80. Não se admitiam cópias nem imitações. O próprio rock já é um estilo que consegue misturar mais as culturas que a maioria dos outros. A mídia abandonou o rock depois da morte do Cazuza, não foi o contrário. Antes disso, as trilhas de novela eram todas repletas de rock nacional. Não sei se aconteceu isso, mas, coincidentemente, depois do falecimento do Cazuza, seu pai, que era quem decidia quais músicas entrariam nas novelas, retirou o rock das trilhas sonoras.
Consta que “Primeiros Erros”, que está no seu primeiro disco, “Choque”, de 1985, não ganhou a devida atenção da sua gravadora na época, a EMI, e só se tornou um hit devido a um esforço pessoal seu. Como foi essa história?
Depois que trabalhou “Rolam as Pedras” e “Choque”, a gravadora me disse que o disco tinha “acabado” e que faríamos outro. Na realidade, era um costume da época: os artistas lançavam um disco com 12 ou mais músicas, tocavam duas e abandonavam o disco. Achei estranho e fui a algumas rádios de São Paulo com o disco debaixo do braço, dizendo que estava trabalhando sozinho a música “Primeiros Erros”. A 97FM, rádio de rock na época, saiu tocando e, pra minha sorte, foi parar em primeiro lugar. As outras rádios foram ouvir o que eles estavam tocando e passaram a tocar também. Não acredito que a música tenha sido a responsável pelo primeiro lugar da rádio, acho que foi um presente do destino.
Também diz a lenda que a versão de “Hey Jude”, feita especialmente para a novela “Top Model”, fez tanto sucesso, que a EMI te pressionou para se tornar um cantor mais romântico, o que levou até a um rompimento com a gravadora. Foi isso mesmo?
É verdade. Não foi a EMI, mas o diretor artístico, que foi atravessado pelo presidente na minha contratação e queria me tirar do casting desde o começo. Assim que “Hey Jude” estourou, ele veio com esse papo. Além disso, disse que eu deveria gravar músicas do Lulu Santos, Guilherme Arantes, Leoni, entre outros concorrentes naturais. Saí chutando a porta e fui embora. Acho que fiz o que eles queriam que eu fizesse, mas não me arrependo de nada e nem guardo mágoas. A vida dá suas voltas e a gente tem que entender cada momento pra continuar aprendendo. Hoje eu manteria a calma e entenderia como provocação de uma pessoa vaidosa.
Nos anos 90, com o sertanejo e o pagode ganhando os holofotes, os outros gêneros perderam espaço. Você acredita que isso contribuiu para seu trabalho ficar mais restrito aos antigos fãs?
Acho que nenhum artista faz músicas para fãs. A gente trabalha com música e os fãs são uma consequência desse trabalho. Tenho fãs de todas as idades, todas as raças, classes e gêneros, acho ótimo que seja assim, mas às vezes faço coisas pra aprender e não pra ganhar dinheiro e fama. Nos anos 90, fiz trilhas pra teatro e me sustentei com shows solo, eu e o violão. Cheguei a concorrer entre as cinco melhores trilhas para peças, no maior prêmio de teatro, o APETESP, com a peça “As Priscilas de Elvis”. Fiz também a trilha da primeira versão no teatro do filme recém-lançado “E Aí, Comeu?”, do Marcelo Rubens Paiva. Enfim, continuei trabalhando com música de outra forma. Se eu não lancei discos, é natural que os fãs mais antigos fossem os mais ativos. Além disso, a falta de interesse da mídia pelo rock and roll fez isso com a maioria das bandas dos anos 80. Alguns desistiram; outros, mais espertos, continuaram e estão bem até hoje.
Em 1997, você lançou “KZ” pela Warner. É verdade que o disco se chamaria “Pop”, mas o U2 colocou no mercado o álbum com o mesmo nome um pouco antes?
É verdade! Foi muito chato o que aconteceu. Tínhamos toda a arte e toda ideia montada. Quando restavam poucos dias para o lançamento, o U2 lançou o disco “Pop” e acabou com nossa festa. [Risos] Mudamos pra “KZ” e lançamos mesmo assim. É um disco com DJ e música eletrônica, até tem algumas coisas boas nele, mas era um tempo no qual era muito mais notícia quantos mililitros de silicone as bailarinas da moda tinham colocado na última operação plástica do que qualquer disco que eu fizesse.
Apesar das músicas inéditas, esse disco projetou mais uma vez “Primeiros Erros”, em versão remix. Como você encarou esse fato?
Esse disco foi uma experiência tentando ligar minhas músicas com a roupagem eletrônica. Ele nem foi reparado na época.
Em 2000, a inclusão de “Primeiros Erros” no “Acústico” do Capital Inicial te fez ganhar grande projeção novamente. Você acredita que esse disco tornou seu trabalho mais conhecido do público mais jovem?
Acredito, sim. Mas não foi só a música que foi incluída, entrei na banda, fiz arranjos e a tour inteira. Acho que esse disco foi um marco na minha carreira e na do Capital. Ficou para a história do rock nacional. Claro que, depois de tantas aparições na mídia, muita gente nova me conheceu. Até hoje me chamam de Kiko do Capital. Fizemos mais de 400 shows e viajamos juntos por três anos, sempre com muito sucesso e muita mídia. Todas as músicas tocaram muito e foi muito bom, sim. Essa parceria continua até hoje, inclusive. Mais recentemente, gravaram novamente uma música minha, “A Mina”, no “Acústico NYC”, e estamos compondo outras.
Nesse sentido, teve também o seu “Luau MTV”, de 2002, quando muita gente descobriu de quem eram aqueles sucessos que as pessoas cantavam há tanto tempo, certo?
Quem lê os créditos sempre sabe, mas realmente a grande maioria não lê. O “Luau MTV” foi muito gostoso de fazer, foram dias maravilhosos na Bahia e foi onde pude conhecer melhor Cássia Eller, que também gravou naqueles dias. Mas não gosto do som do DVD, acho que uma remasterização cairia bem.
Você teve uma experiência com o hip hop, numa parceria com o produtor norte-americano Disco D, que morreu precocemente. Se esse trabalho tivesse continuado, sua carreira teria dado uma guinada?
Teria, sim. Já estava arrumando as coisas pra me mudar para NY, apesar do meu inglês inexistente, pra trabalhar com ele. Infelizmente, o David, nome real do Disco D, faleceu. Fizemos algumas coisas bem legais, ele era um gênio das edições e sampleava as bases que eu fazia pra fazer músicas para os rappers gringos. Até o 50 Cent gravou uma, “Ski Mask Way”, do disco “The Massacre”. Mas os gringos são bem complicados e, apesar do dinheiro, o meio estava cheio de violência e mortes. Fizemos esse trabalho por três anos e pouco. Quando ele morreu, decidi voltar a investir na minha carreira no Brasil.
Sua agenda mostra que seus shows continuam muito requisitados. Isso mostra que o pop rock ainda tem um bom público consumidor no Brasil?
Acho que a carência de artistas nesse estilo e a qualidade da música brasileira atual me ajudam bastante. Adoro fazer shows e viajar por aí. Enquanto me chamarem e estiver com saúde, vou continuar a fazer isso na vida.
Se o avô Kiko Zambianchi olhar para toda a sua carreira hoje, gostaria de mudar alguma coisa?
Mudaria várias coisas. Mas não sofro com isso, o que aconteceu, aconteceu… Não vou ficar me culpando, afinal, poucos do rock nacional têm uma carreira solo como a minha. Me cobro pra continuar trabalhando e aprimorando o que faço.
E para o futuro? Vai sair um novo disco de inéditas?
Acabei de gravar uma música inédita e lancei em Curitiba na última semana. O nome dela é “Bem Bacana Demais”. É um reggae gostoso de ouvir e cantar. Vamos ver o que acontece. Se tocar, me empolgo e gravo outras. Mas não quero me programar ou ficar preso a isso, quero continuar livre pra fazer o que quiser e quando quiser.
– Marcos Paulino é jornalista editor do site Mundo Plug (www.mundoplug.com)
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